domingo, 31 de maio de 2020

DICK DAVIS



OLD MAN SEATED BEFORE A LANDSCAPE

'generations, as the wind-blown leaves…'



In a strenghless wind the near leaves falter:
They are cold: frost will decide their posture.

To watch unsettles him: each separate
Discrete particular, an animate

Uncertain will claiming attention: no.
The distant unclimbed hills dissolve and glow

With evening light: the vague unfocused mass
In which particulars of rock and grass

Are lost and merged in indistinct coherence
Restores vague peace, and his awareness loosens

Toward sleep: his book slips: loose pages flutter
In the cold wind. He had been reading Homer.



             xxxxxxxxxxxxx



VELHO SENTADO DIANTE DE UMA PAISAGEM

'gerações, como folhas arrastadas pelo vento...'



Num vento sem fôlego as folhas próximas hesitam:
Estão frias: a geada decidirá a sua disposição.

Observar perturba-o: cada objecto
Separado, discreto, uma incerta,

Animada vontade exigindo atenção: não.
As distantes colinas  inexploradas dissolvem-se e brilham

Com a luz do fim da tarde: a massa vaga, desfocada
Em que pormenores de rocha e relva

Se perderam e fundem numa coerência indistinta
Restituem uma paz vaga e a sua atenção dissolve-se

Em direcção ao sono: o seu livro desliza: páginas soltas flutuam
No vento frio: ele estava a ler Homero.
                         




sábado, 30 de maio de 2020

MIGUEL D'ORS




          LITERATURA FANTÁSTICA


Que no me llamas porque tienes mucho
trabajo en el jardín. Y cita en el dentista.
Y además te llegaron invitados.

Que no podemos vernos
porque te has apuntado a una piscina,
porque va a caducarte el DNI,
porque estás esperando a un fontanero,
tienes otro cursillo, es miércoles, se ha muerto
la cuñada de un tío de tu vecina,
hace mucho calor, bajó la bolsa…

  Es que estás esperando a que no pase nada
para quererme? Piensa que el amor
es cosa solo de las vacaciones,
una más de esas que los cursis llaman
"actividades de ocio y tiempo libre"?

Yo qiuero que me quieras en tu vida.
Con tu vida. Ya ves. A mí el amor
lo mismo que el café, no me va solo:
me gusta con visitas al dentista,
con sorpresas y líos,
con coches que de pronto se averían,
con facturas, lentejas que se queman,
vinos que están de muerte,
compromisos, urólogos, podólogos
y todo eso que es, con todos sus colores,
la realidad. Lo que suceda fuera de ella,
frankly, my dear, ya sabes...

                                           14-II-2007


             xxxxxxxxxxxx




      LITERATURA FANTÁSTICA


Que não me ligas porque tens muito
trabalho no jardim. E consulta no dentista.
E, além disso, chegam convidados.

Que não podemos ver-nos
porque tens marcação numa piscina,
porque está caducar o BI,
porque estás à espera de um canalizador,
tens outro cursilho, é quarta-feira, morreu
a cunhada de um tio da tua vizinha,
está muito calor, baixou a bolsa...

  Será que estás à espera de que nada aconteça
para querer-me? Pensas que o amor
é apenas coisa de férias,
uma mais de essas que os pirosos chamam
"actividades de ócio e tempo livre"?

Quero que me desejes na tua vida.
Com a tua vida. Repara. A mim o amor,
tal como o café, não me agrada sozinho:
agrada-me com visitas ao dentista,
com surpresas e brigas,
com carros que, de súbito, se avariam,
facturas, lentilhas que se queimam,
vinhos que estão passados,
compromissos, urologistas, podólogos
e tudo isso que é, com todas as suas cores,
a realidade. O que suceda fora de ela,
frankly, my dear, já sabes...


NOTA: Os pontos de interrogação ou exclamação invertidos, que, no original antecedem tais frases, estão omitidos, por eu não conseguir encontrá-los no teclado.



sexta-feira, 29 de maio de 2020

O que se segue é resultado de um dia mais melancólico.
O poema que encerra este relambório está traduzido em português, suponho, por Vasco Graça Moura, que publicou uma tradução da obra completa de Villon (digo, suponho, porque não li o livro) e eventualmente por outros, que desconheço,
Explico: excluí, por razões óbvias, desta empreitada, poetas de que gosto muito, pela razão principal de existirem traduções boas/muito boas/ aceitáveis, publicadas. Não falo em Horácio ou Marcial, por exemplo, em que preside o meu escassíssimo domínio do Latim; refiro, entre outros Borges, Larkin ou Juan Luís Panero, ou da extraordinária obra de tradutor de José Bento (ou, noutros acordes, Aníbal Fernandes) , para não ir para exemplos menos recentes - Jorge de Sena, Paulo Quintela...
Kavafis reúne os dois motivos. Há duas traduções que eu conheça: a primeira, excelente, de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis (Relógio de Água), outra, que justifica esta nota, de Manuel Resende, publicada não muito tempo antes da sua morte.
Conhecia mal a sua poesia, mas a sua tradução da Caça ao Snark, de Lewis Carrol (Afrontamento), era e é, para mim, insuperável e exemplo de como se consegue verter uma obra extraordinária para outra, na língua de recepção, neste caso o português.
Poderei ter-me cruzado, antes disso, com Manuel Resende, mas infelizmente na última meia-dúzia de anos da sua vida ele foi meu doente, por indicação de Jorge Sousa Braga, a quem ele falou de necessitar de seguimento por um cardiologista.
Felizmente para mim a patologia cardíaca não era determinante para o seu quadro clínico, e também isso permitiu consultas em que se falou, pelo menos, tanto de poesia  e correlativos como dos seus problemas cardíacos. Conheci, nestas circunstâncias um tanto bizarras, uma pessoa a quem (se Deus existisse, perdoar-me-ia) tive de agradecer a doença pelo prazer de um contacto regular.
Depois de me ter oferecido a sua poesia completa, numa das últimas consultas (terá sido a última?) presenteou-me com a sua tradução de Kavafis e, no decorrer da conversa, com a informação que aprendera grego a traduzir e para traduzir o poeta!!!!
Se fiquei estupefacto e quase incrédulo, imagine-se o que me aconteceu, ao saber, depois da sua morte (penso que, sem certeza, numa crónica de José Pacheco Pereira, que o conhecia, desde as militâncias estudantis no Porto) que aprendera alemão a traduzir e para traduzir o Capital (foda-se!!!!!!!!!! - perdoem-me).
Como homenagem e porque uma glosa deste poema aparece no meu último livro, "Rectificação da Linha Geral", aqui vai o poema de François Villon.




                        QUATRAIN


Je suis François, dont il me poise,
Né de Paris, emprès de Pontoise,
Et de la corde d'une toise
Saura mon col ce que mon cul poise.



                                             
                      QUADRA


Eu sou François, o que me pesa,
Nascido em Paris, junto a Pontoise
E pela corda de uma toesa
Saberá o pescoço o que o cu pesa.


                                                                       




quinta-feira, 28 de maio de 2020

 LUCIANO ERBA




SCALE



Scale
che non portano da nessuna parte
scale
che salgono soltanto por scendere
è difficile orientarsi
nei dintorno del nulla.
 


          xxxxxxxxxxxxx



ESCADAS


Escadas
que não levam a nenhum lado
escadas que sobem apenas para descer
é difícil orientar-se
nos arredores do nada.

quarta-feira, 27 de maio de 2020

GIRAUT DE BORNELH
     (...1162-1199)




Reis glorios verais lums e clartatz
Deus poderos Senhor si a vos platz
al meu companh siatz fizels aiuda
qu'en orien vei l'estela creguda
qu'amena-lh jorn qu'eu la ben coneguda
et ades sera l'alba!

Bel companho en chantan vos apel
non dormatz qu'eu augo chantar l'auzel
que vai queren lo jorn per lo boscatge
et ai paor que-lh gelos vos assatge
et ades sera l'alba!

Bel companho issetz al fenestrel
e regardatz las estelas del cel
coinosseretz si-us fzels messatge
e non o faitz vostres  n'er lo damnatge
et ades sera l'alba!

Bel companho pos me parti de vos
eu no.m dormi ni- moc de genolhos
ans preiei Deus lo filh Santa Maria
que-us me rendes per leial companhia
et ades sera l'alba!

Bel compamho las foras als peiros
me preiavatz qu'eu non fos dormilhos
enans velhes tota nog troa l dia
ara no.us platz mos chans ni ma paria
et ades sera l'alba!

Del dous companha tan sui en ric sojorn
quéu no volgra mais fos alba ni jorn
car la gensor que ans nasques de maire
tenc et abras per qu'eu non prezi gaire
lo fol gelos ni l'alba.




                      xxxxxxxx




Rei glorioso, vera luz e claridade,
Deus poderoso, Senhor, por favor,
ao meu companheiro prestai fiel ajuda,
que o não vejo desde que se fez noite
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, se dormis ou velais,
não durmas mais, acorda suavemente
que, no oriente, vejo crescer a estrela,
que traz o dia, bem a conheço
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, a cantar vos chamo,
não durmas mais, que ouço cantar a ave,
que vai buscando o dia pelo arvoredo
e temo que o ciumento te assalte
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, chega à janela
e mira as estrelas do céu,
saberás se sou fiel mensageiro;
se nada se fizeres , será teu o castigo
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, desde que nos separámos
não dormi, estive sempre de joelhos,
a pedir a Deus, o filho de Santa Maria,
que me devolvesse a tua leal companhia
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, lá fora, no alpendre,
pediste-me que não adormecesse,
mas que velasse toda a noite, até ser dia,
agora não te agrada o meu canto, nem meu rogo
e em breve chega a alba!

Bom companheiro, estou em local tão rico,
que queria não houvesse mais alba, nem dia,
que a mais bela que já de mãe nasceu
tenho e abraço e por tal não tenho apreço
nem por tonto ciumento, nem pela alba.









terça-feira, 26 de maio de 2020

ANVARI (SÉC XIII)



Aceita o que te dá, mesmo que seja mesquinho -
para este senhor, mesquinho já é abundante,
uma dádiva dele é como ser circuncisado -
uma vez na vida e já é bastante.




              xxxxxxxxxxxx




A noite passada fui hóspede de um grande senhor,
um verdadeiro sacana, um estupor;
nenhum de nós conseguiu dormir, à noite -
ele por ter comido de mais, eu pelo jejum.




            xxxxxxxxxxxx




Toda a calamidade que o céu ordena
- mesmo as que não me são destinadas -
logo que chegam à terra
perguntam : "Onde é a casa de Anvari?"

segunda-feira, 25 de maio de 2020

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI



LA CREAZZIONE DER MONNO


L'anno che Ggesucristo impastò er monno,
ché ppe impastallo ggià cc'era la pasta,
verde lo vorze fà, ggrosso e rritonno,
all'uso d'un cocommero de tasta.


Fesce un zole, una luna, e un mappamonno,
ma de le stelle poi di' una catasta:
sù uscelli, bbestie immezzo, e ppessci in fonno:
piantò le piante, e doppo disse:"Abbasta."

Me scordava de di vhe ccreò ll'omo,
e coll'omo la donna, Adamo e Eva;
e jje proibbì de nun tocajje un pomo.

Ma appena che a mmaggnà ll'ebbe viduti,
illò per dio con cuanta vosce aveva:
"Ommini da vienì, sséte futtuti!"
                                 
                                          4 Ottobre 1831





A CRIAÇÃO DO MUNDO


No ano em que Jesus Cristo amassou o mundo,
que para amassá-lo já existia massa,
verde o quis fazer, grosso e redondo,
que com uma abóbora se parecesse.


Fez um sol, uma lua e um mapa-mundo,
mas de estrelas mais de uma caterva:
em cima pássaros, bestas inúmeras, peixes no fundo:
plantou as plantas e depois disse: ”Basta.”

Esquecia-me dizer que criou o homem,
e com o homem, a mulher, Adão e Eva;
 e proibiu-os de tocar num pomo.

Mas logo que a comê-lo os tenha visto
estrilhou, por deus, em alto berro:
“Homens do futuro, estais fodidos!”
                                 
                                   4 de Outubro 1831





LA BBELLA GGIUDITTA



Disce l'Abbibbia Sagra che Ggiuditta
doppo d'avé ccenato co Llionferne,
smorzate tutte quante le luscerne
ciannò  a mmette er zordato a la galitta,

che appena j'ebbe chiuse le lenterne
tra er beve e lo schiumà dde la marmitta,
cor un corpo da fia de Mastro Titta
lo mannò a ffote ne le fiche eterne,

e che, agguattata la capoccia, aggnede
pe fà la mostra ar popolo ggiudio
sino a Bbettujja co la serva a piede.

Ecchete come, Pavoluccio mio,
se pò scannà la ggente pe la fede,
e ffà la vacca pe ddà ggrolia a Ddio.
                                     
                                         14 Ottobre 1831





A BELA JUDITE



Diz a Bíblia Sagrada que Judite
depois de cear com Holofernes,
apagadas que foram as luzes
foi meter o soldado na guarita

e logo que ele encerrou a lanterna
pela bebida e a escuma da marmita,
com um facalhão de Mestre Titta
mandou-o foder a cona eterna,

e que, agarrando na cabeça,
andou a mostrá-la ao povo judeu
até Betulia, a pé, com uma serva.

Assim se vê, ó meu Paulinho,
que se pode matar gente pela fé
e ser uma cabra para glória divina.
                               
                             14 de Outubro 1831

domingo, 24 de maio de 2020

J V CUNNINGHAM




   OBSEQUIES FOR A POETESS


The candles gutter in her quiet room,
And retrospect, returning through the sad
Degrees of dusk that had o'ershadowed pain,
Finds her Lethean source, the unmemoried steam
Of cold sensation. There, vain Sybills clothed
In solemn ash, their hair dishevelled, weep
The close of centuries where time like stanzas
Stands in division, disposed, and none
Dare chant antiphonal to that strain. Pale Aubrey
Finds there his faint and final rest; there Dowson
Pillows his fond head on each breast. For them
And their compères, our blind and exiled ghosts
Wich nightly gull us with oblivion,
Weave we this garland of deciduous bloom
With subtle thorn. Their verse, sepulchral, breathes    
A careless scent of flowers in late July,
Too brief for pleasure, though its pleasure lie
In skilled inconscience of its brevity.





   EXÉQUIAS PARA UMA POETISA
   

As velas pingam no seu quarto plácido,
A lembrança regressando pelos degraus
Tristes da penumbra, que ofuscara a dor,
Encontra a fonte do Letes, o rio desmemorado
Da fria sensação. Aí fúteis Sibilas vestidas
De cinza solene, de cabelo desgrenhado, choram
O final de séculos, onde o tempo, como estrofes,
Permanece dividido, liquidado, e ninguém
Ouse um canto antifonal para tal esforço. Pálido Aubrey
Encontra aqui o seu repouso líquido e final; aqui Dowson
Descansa a cabeça em cada seio. Para eles
E os seus comparsas os nossos fantasmas cegos, exilados,
Que todas as noites nos burlam com esquecimento,
Tecemos esta grinalda de floração decídua
Com espinhos subtis. Os seus versos, sepulcrais, exalam
Um perfume descuidado de flores do fim de Julho.
Demasiado breves para dar prazer, embora o seu prazer resida
Na hábil inconsciência da sua brevidade.

sábado, 23 de maio de 2020

VICTOR BOTAS (Oviedo, 1945-1994)



Estás entre las cosas que me achecan;
en el mar de esa tarde no esperada
que hoy es una tristeza y un fracaso;
en la luz del otoño y su arboleda
de rumores y sombras; paseando
por Roma, perdido entre la musica
antigua de las fuentes; en el cuerpo
de una mujer que se peinaba cerca
de la arena y del mar; en cierto rito
de un día ya lejano; en el insomnio,
que es donde yo me escucho; en esas cosas
-una mirada, un hábito, un acento-
sin ninguna importancia, que nos pasan
y que no se resignan al olvido.




Estás entre as coisas que me perseguem:
no mar dessa tarde inesperada,
que é hoje uma tristeza e um fracasso;
na luz do outono e no seu arvoredo
de rumores e sombras; passeando
por Roma, perdido entre a música
antiga das fontes; no corpo
de uma mulher que se penteava perto
da areia e do mar; em certo rito
de um dia já distante; na insónia,
que é onde me escuto; nessas coisas
-um olhar, um hábito, um acento-
sem nenhuma importância, que nos acontecem
e que não se resignam ao olvido

sexta-feira, 22 de maio de 2020

DICK DAVIS (Portsmouth, 1945)




    AMONG RUINS


Rest here and fantasize the willing past
That like a lover answers to your mood:
You know her kind deceptions will not last
(And even now they only half delude).

But as nude bodies meet with stolen pride
And in their lust renounce all mental ills -
Leavind sad individual lives outside
The locked room where the animal fulfils

Himself, herself - so in this bright ruin
Sweet history shall tease and beckon you,
And as she moves seems free of ancient sin,
Half-lit, and only partially untrue.




    ENTRE RUÍNAS


Descansa aqui e fantasia o passado complacente
Que como um amante responde ao teu intento:
Sabes que os seus suaves enganos não durarão
(E mesmo agora só em parte iludem).

Mas como corpos nus se encontram com roubado orgulho
E no seu desejo renunciam a todos as ilusões -
Deixando tristes vidas únicas fora
Do quarto fechado onde o animal se satisfaz

A ele, ou ela - assim nesta ruína luminosa
A doce história há.de atormentar e convocar,
E enquanto se move parece livre de pecado antigo,
Semi-iluminado e só parcialmente inverdadeiro.




   

quinta-feira, 21 de maio de 2020

MIGUEL D'ORS



        SILENCIOS PREDILECTOS


En uno de ellos tengo doce años, y el abuelo
me ha llevado de caza a "A Agüenxa". De repente,
el "León" que se para ante uns tojos,
endereza la cola y levanta una mano,
avisando conejo.
El abuelo me pide silencio com un gesto.
De aquel silencio hablo. (Y cómo retumbaba
en él mi corazón emocionado.

Otro es del ibón de Acherito una tarde
de otoño, contemplado desde el Mallo de Cristian,
com una misteriosa luz como adormecida:
uno de esos momentos que despiertan nostalgia
de algo que todavía no há llegado.

También está el del cielo estrellado de julio
sobre el heno recién segado y extendido
en el prado de "A Costa",

y el que deja en las rúas lluviosas de Santiago
la última campanada de media-
noche cayendo desde la torre Berenguela,

y el de los cementerios aldeanos
que visitan los milros,

y el de los bodegones de Chardin.

Pero ninguno como el de sus ojos
três segundos después de perdonarme.




    SILÊNCIOS PREDILECTOS


Num deles tenho doze anos e o avô
levou-me a caçar a "Agüenxa". De repente,
o León para ante uns tojos,
alça a cauda e levanta uma pata,
assinalando coelho.
O avô pede-me silêncio com um gesto.
Falo daquele silêncio. ( E como ressoava
no meu coração emocionado).

Outro é do lago de Acherito, uma tarde
de outono, contemplado desde o Mallo de Cristian,
com uma misteriosa luz como adormecida:
um de esse momentos que despertam nostalgia
do que ainda não chegou.

Também o céu estrelado de julho
sobre o feno recém segado e espalhado
no prado de "A Costa";

e o que deixa nas ruas chuvosas de Santiago
a última badalada da meia-
-noite caindo desde a torre Berenguela,

e a dos cemitérios aldeãos
que visitam os melros,

e das tabernas de Chardin.

Mas nenhum como o dos seus olhos
trinta segundos depois de perdoar-me.

quarta-feira, 20 de maio de 2020

   LUCIANO ERBA



       AL RISVEGLIO



Per prima cosa al mattino
vedere se la pendola há tenuto il tempo
se há fatto presa la colla sul vechio libro
se è sbocciato un tal fiore :
controlli soddisfacenti
per avviare le ore.





       AO ACORDAR



Primeira coisa de manhã
ver se o pêndulo segurou o tempo
se grudou a cola no velho livro
se desabrochou uma certa flor :
verificações satisfatórias
para encetar as horas.

terça-feira, 19 de maio de 2020

BERNART DE VENTADORN
(...1147-1170...)


Tant ai mo cor ple de joya,
       tot me desnatura.
Flor blancha, vermelh'e groya
       me far la frejura,
c'ab lo ven et ab la ploya
       me creis l'aventura,
per que mos pretz mont'e poya
        e mon chans melhura.
    Tan ai al cor d'amor.
     de joi e de doussor,
per que-l gels me sembla flor
        e la neus verdura.

Anar posc ses vestidura,
       nutz en ma chamiza,
car fin'amors m'assegura
       de la freja biza.
Mas es fols qui-s desmesura,
       e no-s te da guiza,
per au'eu ai pres de me cura,
       deis c'agui en quiza
    la plus bela d'amor
    don aten tan d'onor,
car en loc de sa ricor
       no volh aver Piza.

De s'amistat me reciza!
     mas be n'ai fiansa,
que sivals eu n'ai conquiza
     la bela semblansa,
et ai ne a mai ma deviza
     tan de benasansa,        
que jái jorn que l'aurai viza,
     non auria pesanza.
  Mo cor ai pres dÁmor,
  que l'esperitz lai cor,
mas lo cors es sai, alhor,
      lons de leis, en Fransa.

Eu n'ai la bona esperansa,
     mas prtit m'aonda,
c'atressi-m tem en balança
     com las naus en l'onda. 
Dei mal pes quem desenansa,
     no sai on m'esconda.
Tota noih me vir'e-m lansa
     de sobre l'esponda:
  plus trac pena d'amor
  de Tristan, l'amador,           
que-n sofri manhta dolor 
       per Izeut, la blonda.

Ai Deus! Car no sui ironda,
     que voles per l'aire
e vengues de noih prionda
      lai dis son repaire?
Bona domna jauzionda,
      mor se-l vostr'aimare!
Paor ai que-l cors me fonda,
       s'aissi-m dura gaire.
  Domna, per vostr'amor
  jonh la mas et ador!
Gens cors ab frescha color,
       gran mal me fiatz traire!

Qu'el mon nom a nul afire
      don eu tan cossire,
can de leis au re retraire,  
      que mo cor non i vire
e mon semblan no-m n'esclaire,
      que quem náujatz dire,
si c'ades vos er vejaire
     c'ai talan de rire.
  Tal l'am de bon'amor
  que mnhtas vetz en plor
per o que melhor sabor
      me'n an li sospire.
  
   Messagers, vai e cor
   e di-m a la gensor
la pena e la dolor
       que-n trac, e-l mártire.





Tenho o meu coração tão cheio de alegria,
tudo me transforma.
Flor branca, vermelha e amarela
me parece o frio.
pois com vento e chuva
ma cresce a felicidade,
pelo que o meu mérito cresce e sobe
e o meu canto melhora.
Tenho no coração tanto amor,
tanta alegria e doçura,
que o gelo me parece flor
e a neve verdura.   

Posso andar sem roupa, 
denudo, de camisa,
pois o amor me assegura 
contra forte brisa.
Mas é louco quem se desmesura
e não tem juízo,
pelo que me cuidei,
desde que requeri 
o amor da mais bela,
de onde vem tal honra,
que, em troca da sua riqueza,
não quero ter Pisa.

Afasta-me da sua amizade!
mas tenho confiança
de ter conseguido conquistar
o seu belo semblante;
e, ao deixá-la, sinto 
tanta felicidade,
que no dia em que a veja
não sentirei pesar.
o meu coração está perto do Amor
e para lá meu espírito corre,
mas o corpo está aqui,
longe dela, em França.

Tenho boa esperança.
Mas de pouco me vale,
pois me tem em comoção,
como à nau a onda.
Do mal que me assalta
não sei onde me esconda.
Toda a noite dou voltas,
na beira da cama,
pois tenho pena de amor
mais que Tristão, o enamorado,
que muito sofreu
por Isolda, a loura.

Ai Deus! Por que não sou andorinha,
que voasse pelo ar
e chegasse na noite profunda
à sua morada?
Boa dona que folgais,
morre-se pelo vosso amor!
Temo que o coração soçobre,
se isto muito dura.
Dona, pelo vosso amor,
junto as mãos e adoro!
Corpo gentil de fresca cor,
muito me fazeis padecer!

No mundo não há assunto,
que me dê tanto cuidado,
que, quando dela ouço cantar,
o meu coração não palpite
e o rosto não se me ilumine,
que o que me ouvirdes dizer,
de pronto vos parecerá
que tenho ganas de rir.
Tanto a amo de bom amor,
que muitas vezes choro,
para que melhor sabor
me tenham os suspiros.

Mensageiro, vai e corre
e diz à mais gentil
a pena e a dor
de que padeço e o martírio.
  


      

segunda-feira, 18 de maio de 2020

EPIGRAMAS PERSAS MEDIEVAIS


 BULFARAJ E-RUNI (SEC XI-XII)


Enquanto me restar um sopro
será por esse jovem servo
e o seu vinho inebriante;
esta é a parte da vida que quis,
o resto veio por acidente.



SEYED HASSAN-E GHAZNAVI (SEC XII)


Os prazeres buscava com cautela;
agora bebo vinho, sem me importar
quem está por perto. Tinha
receio de perder a reputação;
agora que a perdi, de que terei medo?



ATAI RAZI (SEC XI-XII)


Em viagem, todas as noites,
em todos os lugares vi, até
à primeira luz da madrugada,
a tua face que me perseguia -
enviaste-me a insónia,
com medo que nos meus
sonhos te abraçasse.



FAKHRADDIN MOBARAK SHAH (SEC XII)


Eu disse: "Sabes como o amor
devastou o meu louco coração?"
Sorrindo, ela replicou: "Meu caro,
por misericórdia! Que sabe a vela
de como a mariposa
tenteia, definha e morre?"

domingo, 17 de maio de 2020

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI


UN’ERLIQUIA MIRACOLOSA


Questo io lo so cche ttra li pezzi rari
d'erliquie che li Papi hanno provisto
e ttiè in conzeggna Monziggnor Zagristo
coll'utentiche drento all'erliquari,


sc'è er prepuzzio c'aveva Ggesucristo
coll'antri su' membrucci necessari,
ch'è un erliqiuone che ssopra all'altari
pò caccà in faccia ar mejjo che ss'è vvisto.


E nun zerve de di, ccaro sor Muzzio,
che cc'è ppiù d'un paese che ss'avvanta
d'avè er tesoro der zanto prepuzzio.


Fede, sor Muzzio mio, fede bbisoggna.
 Ebbè? Mmagaradio fussino ottanta?
Je sarà aricressciuto como ll'oggna.
                                     

                                            14 Aprile 1835



UMA RELÍQUIA MILAGROSA



Soube que entre os exemplares raros
de relíquias que os Papas adquiriram
e que o Monsenhor Prefeito tem em
cura, certificados no relicário,


está o prepúcio de Jesus Cristo,
que entre outras partes necessárias,
é uma relíquia para ensombrar
todas as outras já vistas.


E vai sem dizer, caro senhor,
que mais de um país se gaba
de ter o tesouro do santo prepúcio.

Fé, meu caro, fé é que é preciso.
Poderia haver oitenta? Por que não?
Como as unhas terá crescido.
                               
                               14 de Abril 1835



ER TRACCHEGGIO



"Ebbè? Cquanto te sbrighi?" "A ffà cche ccosa?"
"A sposamme." "A sposatte? "Si, a sposamme."
"Sorella dàmme un po' de tempo, damme:
tu ssei 'na donna troppa pressciolosa."


"Si, ttempo e ttempo, e nun viè mmai." "Ma, Rosa,
vò ddi cch'averà mmale in le gamme."
"E intanto mamma bbrontola." "Eh, le mamme
nun zann'antro che ddi: mi fija è sposa."


"Dunque sciariparlamo cor Curato;
perch'io, bbrutt'animaccia de ggiudio,
la carne mia, la  carne mia t'ho ddato."


"Ma ssenti co che mmeriti se n'esse!
Tanti sussurri pe sta carne! E io,
bbuggiarona che ssei, t'ho ddato pessce?"
                                           
                                     16 Setembre 1835

A TRAPAÇA



"Então? quando te obrigas?" "A que fazer?"
"A desposar-me." "A desposar-te?" "Sim, a desposar-me."
"Maninha, dá-me um pouco de tempo,
 por favor: és uma mulher demasiado pressurosa."


"Sim, dei tempo ao tempo e não chega." "Mas, Rosa,
 se calhar, terá as pernas tortas."
"Entretanto, a minha mãe respiga." "Oh, as mães
não fazem senão dizer: a minha filha é esposa."

"Então, em breve ouvirás do Cura;
porque eu, grande besta de judeu,
a minha carne, a minha carne te dei."

"Que grande mérito, tanto barulho
por tal carne. Será que eu,
grande estafermo, te dei peixe?"
                                 
                                          16 de Setembro 1835

sábado, 16 de maio de 2020

J V CUNNINGHAM



THE DOGDAYS
                               hic in reducta valle Caniculae
                               vitabis aestus..

The morning changes in the sun
As though the hush were insecure,
And love, so perilously begun,
Could never in the noon indure,

The noon of unachieved intent,
Grown hazy with unshadoed light,
Where changing is subservient
To hope no longer, nor delight.

Nothing alive will stir for hours,
Dispassion will leave love unsaid,
While through the window masked with flowers
A lone wasp staggers from the dead.

Watch now, bereft of coming days,
The wasp in the darkened chamber fly,
Whirring ever in an airy maze,
Lost in the light it entered by.



CANÍCULA
                     hic in reducta valle Caniculae
                     vitabis aestus...

A manhã muda com o sol,
Como se a calma fosse insegura
E o amor, de início tão perigoso,
Não pudesse resistir na tarde,

A tarde de intenção inacabada,
Nublada de luz sem sombra,
Onde a mudança já não se resigna
À esperança, nem ao deleite.

Nada vivo se agita durante horas,
A indiferença deixará o amor por dizer,
Enquanto pela janela que flores disfarçam 
Uma vespa solitária cambaleia desde os mortos.

Agora repara, despojado de dias próximos,
Na vespa que voa no quarto sombrio,
Sempre a zunir no labirinto aéreo,
Perdida na luz por onde entrou.

   



sexta-feira, 15 de maio de 2020

MIGUEL D'ORS


MATERIALES DE CONSTRUCCIÓN

Elena, en los primeiros años de la carrera.
Siempre detrás de ella -hablo literalmente-
por culpa de su nuca a lo Audrey Hepburn,
que me llevava lejos de la Guerra
de las Galias, los verbos polirrizos,
la materia y la forma
ola poesia medieval en Francia.
A aquella nuca debo parte de mi ignorancia.

Mercedes, que era vasca
y recitaba mucho a Leon Felipe,
y que aquellas mañanas
tan ásperas, tan negras, tan pamplona,
com sus ojos marinos
iluminaba prodigiosamente
la "villavesa" de las 8 y 20.

Isabel, una estrella fugaz y madrleña
com una cabelera de incendio forestal
que me plantó dos besos cuando nos despidimos,
y yo, que entonces era analfabeto en besos,
venga dándoles vueltas y más vueltas,
y otra vez, por delante y por detrás,
sin llegar a entender lo que decían.
Com aquel par de besos el tonto de miguel
montó una buena torre de Babel.

Paquita, que estudiava ballet clasico
- por eso su manera de volar
y su cintura de reloj de arena-,
tenia nada más dieciséis años
y los ojos más negros y más dulces
de España y us provincias africanas.
Todo color de rosa hasta que un día
me dijo que adraba al Che Guevara.
En ese mismo instante se acabó.
Lo siento: era cuestión del Che Guevara o yo.

Cada una se fue por su camino.
Ojalá que por él todas hayan llegado
a la felicidad. Sea lo que sea,
hoy quiero darles gracias
a todas ellas por el repertorio
de emociones y sueños y tormentos
que fueron despertando en mi cabeza loca
sin sospechar que allí yo iba a encontrar un día
los materiales para mi poesía 



MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO


Elena, nos primeiros anos da carreira.
Sempre atrás dela -falo literalmente-
por culpa da sua nuca à Audrey Hepburn,
que me levava para longe da Guerra 
da Gálias, dos verbos polirrizos,
da matéria e da forma
ou da poesia medieval em França.
Àquela nuca devo parte da minha ignorância.

Mercedes, que era basca
e recitava muito León Filipe,
e que naquelas manhãs
tão ásperas, tão negras, tão pamplona,
com os seus olhos marinhos
iluminava prodigiosamente
o "villavesa"* das 8 e 20.

Isabel, uma estrela fugaz e madrilena,
com uma cabeleira de incêndio florestal,
que me pregou dois beijos, quando nos despedimos,
e eu, que então era analfabeto em beijos,
andei dando-lhes voltas e mais voltas
e outra vez, por diante e por trás,
sem chegar a entender o que diziam.
Com quele par de beijos o tonto do miguel
montou uma bela torre de Babel.

Paquita, que estudava ballet clássico
- daí a sua maneira de voar
e a sua cintura de ampulheta -,
ainda não tinha dezasseis anos
e os olhos mais negros e mais doces
de Espanha e das suas províncias africanas.
Tudo cor de rosa até que um dia
me disse que adorava Che Guevara-
Nesse mesmo instante acabou-se.
Lamento: era uma questão de Che Guevara ou eu.

Cada uma se foi pelo seu caminho.
Oxalá que por ele todas tenham chegado
à felicidade. Seja como for,
hoje quero agradecer
todo o reportório
de emoções, sonhos e tormentos,
que foram depertando na minha cabeça louca,
sem suspeitar que ali iria encontrar um dia
os materiais para a minha poesia.


* Transporte municipal de Pamplona





quinta-feira, 14 de maio de 2020

Para variar ou não.

Na banda sonora da minha vida ( a quem estarei a citar?) poucas letras me ficaram no ouvido,  por um motivo ou outro (e dos outros a qualidade de poema, que poderia, mas felizmente não o faz, dispensar a música, ou, no caso que se segue, está próximo, atingindo-a pelo grito que transporta na voz única de Billie Holiday).
Refiro-me (já o perceberam?) a Strange Fruit. A letra, publicada inicialmente como poema e só posteriormente revestida por música é de Abel Meeropol, que a assinou com o pseudónimo Lewis Allen.


STRANGE FRUIT

Southern trees bear a strange fruit,
Blood in the leaves and blood in the root,
Black bodies swinging in the Southern breeze,
Strange fruit hanging from the poplar trees.

Pastoral scene of the galant south,
The bulging eyes and the twisted mouth,
Scent of magnolias, sweet and fresh,
Then the sudden smell of burning flesh.

Here is fruit for the crows to pluck
For the rain to gather, for the wind to suck,
For the sun to rot, for the trees to drop,
Here is a strange and bitter crop.



FRUTA ESTRANHA

Nas árvores do sul cresce uma fruta estranha,
Sangue nas folhas e sangue na raíz,
Corpos negros dançando na brisa do sul,
Fruta estranha pendurada dos álamos.

Cena pastoral do sul galante,
Os olhos esbugalhados, a boca retorcida,
O perfume da magnólia, doce e refrescante,
Logo o cheiro repentino de carne queimada.

Eis aqui fruta para os corvos colherem,
Para a chuva reunir, para o vento sorver,
Para o sol apodrecer, para as árvores largarem,
Eis aqui uma estranha e amarga colheita.




quarta-feira, 13 de maio de 2020

PEIRE D'ALVERNHA
  (...1149-1170...)


Chantarei d'aquestz trobadors
que chantan de manhtas colors
e-lh piejer cuida de mout gen
mas a chantar lor es alhors
qu'entrementre-n vei cen pastors
qu'us no sap qu'es monta o-s dissen.

D'aisso ner mal Peire Rogiers
per que n'er encopaltz primiers
car chanta d'amor a prezen
e e valgra li mais us sautiers
en la gleiz'ez us candeliers
tener ab gran candel'arden.

E-lhe segons Girautz de Bornelh
que sembl'odre sec al solelh
ab son chantar magre dolen
qu'es chans de velha portaselh
e si-s mirava en espelh
no.s prezaria un aguilen.

E-lhe tertz Bernartz de Ventadorn
qu'es menre de Bornelh un dorn
en son paire ac bom sirven
per trair'ab arc manal d'alborn
e sa maire escaldava-lh forn
et amassava l'issermen.

E-lh quartz de Briva-lh lemozis
us joglar qu'es plus querentis
que sia tro qu'en Benaven
e semblaria us peregris
malautes quan chantan-lh mesquis
qu'a pauc pietatz no m'en pren.

E-n Guilhems de Ribas lo quins
qu'es malvatz defors e dedins
e ditz totz sos vers raucamen
per que es avols sos retins
qu'atretan s'en faria us chins
e l'olh semblan de vout d'argen.

E-lh seizes Grimoartz Gausmars
qu'es cavaliers e fai joglars
e perda Deu qui-lh o consen
si-lh dona vestirs vertz ni vars
que tais er adobatz semprars
qu'enjoglaritz s'en seran cen.

Ab Peire de Monzo son set
pos lo coms de Tolza-lh det
chantan un sonet avinen
e cel fon cortes qu-lh raubet
e mal o fes car no-ilh trenquet
aquel per que porta penden.

E l'oites Bernartz de Saissac
qu'anc un bom mestier non ac
mas d'amar menutz dos queren
et anc pos no-lh prezei un brac
pos a'N Bertran de Cardalhac
qu'es un velh mantel suzolen.

E-lh noves es En Raimbautz
que-s fai de son trobar trop bautz
mais eu lo torne a nien
per so pretz aitan los pipautz
que van las almosnas queren.

E N'Ebles de Sanha-lh dezes
a cui anc d'amor non venc bes
si tot se chanta de conhden
us vilanetz enflatz plages
que dizon que per dos poges
lai se loga e sai se vem.

E l'onzes Gonzalgo Roitz
que-s fai de son chan trop formitz
per qu'en cavlatia-s fen
et anc per lui lo feritz
bos colps tan bem no fo garnitz
si dincs ni-lh trobet en fugen.

E-lh dotzes us velhetz lombartz
que clama sos vezis coartz
et ilh eis sem de l'espaven
pero sonetz fai mout galhartz
ab motz maribotz e bastartz
e lui apel'om Cossezen.

Peire d'Alvernha a tal votz
que chanta de sobre e de sotz
e lauza-s mout a tota gen
pero maistres es de totz
ab qu'un pauc esclarzis sos motz
qu'a penas nuis om enten.

Lo vers lo fagz als enflabotz
a Pog-vert tot jogan rizen.



Cantarei daqueles trovadores
que cantam de muitas cores
e o pior cuidam dizer muito bem,
mas o cantar farão algures,
que vejo entre eles cem pastores,
que não distinguem o alto do baixo.

Desse mal sofre Peire Rogiers,
pelo que tem a primeira culpa,
que de amor cantou a preceito
e mais valia que levasse um saltério
à igreja ou um candelabro
com uma grande vela acesa.

O segundo, Giraut de Bornelh,
que parece um odre seco ao sol,
com seu cantar parco e choroso
como um canto de aguadeira velha,
se se mirasse ao espelho
não se prezaria mais que espinheiro-

O terceiro, Bernartz de Ventadorn,
que mingua de Bornelh mão travessa,
é seu pai humilde servo,
que tirava arco de alburno
e sua mãe atiçava o forno
e colhia os sarmentos.

O quarto, de Brise, no Limousin,
é o jogral mais quezilento
que haja até Benaven
e pareceria um peregrino
doente, que canta mesquinho,
por pouco eu não teria dó.

Guilhems de Ribas é o quinto,
malvado por fora e por dentro,
diz os seus versos tão roucamente
e a sua voz é tão desagradável,
que como tal faria um cão
e os olhos parecem de prata.

O sexto,Grimoart Gausmars,
é cavaleiro e faz de jogral,
que Deus confunda quem lho permite
e lhe dê vestido verde ou de veiro,
pois assim seja investido,
quando cem sejam jograis.

Com Peire de Monzo serão sete,
já que o conde de Tolosa lhe deu
por canto um sonzinho afável
e foi cortesão que lho roubou,
mas fez mal em não lhe cortar
o pé que tem pendente.

O oitavo, Bernartz de Saissac,
nunca teve um bom ofício,
senão pedinchar dons miúdos,
não o prezo mais que uma bosta,
pois que a Betran de Cardalhac
pediu um velho manto imundo.

O nono é um tal Raimbautz,
que de seu trovar é orgulhoso,
mas não lhe dou nenhum valor,
que não é alegre, nem formoso,
estimo-o o mesmo que gaiteiro,
qoe vai pedinchando esmolas.

Ebles de Sanha é o décimo,
a quem de amor nada vem bem,
ainda que cante com graça
é um vilão pretensioso e trapaceiro,
que dizem que por dois tostões
de um lado se aluga, doutro se vende.

O décimo-primeiro é Gonzalgo Roitz,
do seu canto muito satisfeito;
gaba-se de cavalaria,
embora nenhum golpe tenha dado,
que para tal lhe falta equipamento,
a não ser que fosse em fuga.

O décimo-segundo é um velho lombardo,
que trata por cobardes os vizinho,
enquanto ele mesmo fica assustado,
mas faz sons muito galhardos,
com palavras azedas e bastardas
e tem por alcunha Cossezen.

Peire d'Alvernha tem tal voz,
que canta altos e graves,
a todos se vangloria
e seria de todos mestre,
se aclarasse um pouco as suas frases,
que mal alguém as entende.

Este foi feito ao som de gaitas
em Pog-vert, cantando e rindo.


terça-feira, 12 de maio de 2020

EPIGRAMAS PERSAS MEDIEVAIS


SANA'I (SÉC XI-XII)


Se pudesse escolher vir, não teria vindo;
se pudesse escolher ir, quando teria ido?
O melhor seria nunca ter vindo,
se não estivesse aqui, não teria de ir.



MAS'UD-E S'AD (SÉC XI-XII)


Sê um falcão no teu desejo,
um leopardo na majestade -
traz beleza ao campo da caça
e às tuas batalhas vitória.
O pavão e o rouxinol
será melhor que os ignores -
um é sumptuoso espectáculo vácuo,
outro um belo som, mas nada mais.


                 xxxxxxxxxxxx


Qual seja a arte que tenhas,
nela não te esforces demasiado -
muito esforço e ponderação
estragam-te a obra e revelam-se nela.

Pratica de forma fácil,
negligente, sem um plano -
e se algo não conseguires fazer,
passa a outro que faça.


              xxxxxxxxxxxxx


Nem acendalhas para o fogo,
nem óleo para iluminar;
o meu corpo, agora tão débil,
como a minha visão incerta -
estou aqui prisioneiro,
o sol e a lua contentam-me;
um aquece.me o dia,
outra ilumina-me a noite.

segunda-feira, 11 de maio de 2020

 LUCIANO ERBA


GLI IREOS GIALLI


I ragazzi partiti al mattino
di giugno quando l’aria sotto i platani
sembra dentro rinchiudere un’altra aria
 i ragazzi partiti alla pesca
com un’unica lenza ma muniti
di un paniere ciascuno a bandoliera
in silenzio ora siedono sul filobus
avviato veloce al capolinea
e il sogno rifanno che Milano
abbia azzurre vallate oltre il Castello
dove saltino i pesci nei torrenti.
Sui pratti rimane un po’ di nebbia
la tinca nella sua buca di fango
ricomincia a dormire. Mattiniera
la carpa perlustra attorno ai bordi
di un tranquilo canale. La carpa
è astuta e non abocca mai.
I pescatori non avranno fortuna. Ma
risalendo i canali e le rogge,
di prato in prato, di filare in filare,
arriveranno i ragazzi dove à fitta
la verzura dei fossi, dove gialli
sono i fiori degli ireos e come spade
le foglie tagliano fresche correnti
sotto l’ombra dei salici.
Arriveranno fino ai fiori lontani
i pescatori senza ventura
i ragazzi in gita nella pianura!



OS LÍRIOS AMARELOS
Os rapazes que foram em manhã
de junho quando o ar sob os plátanos
parece encerrar outro ar
os rapazes que foram para a pesca
com uma única cana mas providos
de um cesto cada em bandoleira
em silêncio sentam-se agora no trólei
que vai célere até ao fim da linha
e sonham outra vez que Milão
tem vales azuis além do Castello
onde saltam os peixes na torrente.
Nos prados resta um pouco de névoa
a tenca no seu buraco de lama
recomeça a dormir. Madrugadora
a carpa explora as margens
de um tranquilo canal. A carpa
é astuta e nunca morde.
Os pescadores não terão sorte. Mas,
subindo os canais e os regos,
de prado em prado, de renque em renque,
os rapazes chegarão onde é espessa
a vegetação das valas, onde são amarelas
as flores dos lírios e como espadas
as folhas cortam frescas correntes
 debaixo da sombra dos salgueiros.
Chegarão até às flores longínquas
os pescadores sem fortuna
os rapazes que passeiam na planície!

domingo, 10 de maio de 2020

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI


UN SENTIMENTO MIO
Voi dateme una donna, fràter caro,
che nun abbi un pannuccio, un sciugatore,
un fazzoletto, un piatto, un pissciatore,
una forchetta, un cortello, un ccchiaro.

Voi datemela iggnuda e senza un paro
de scarpe, o una scopetta, o un spicciatore,
in d’un paese che non c’è un zartore,
un spazzino, un mercante, o un carzolaro.


Fatela senza  casa e ssenza tetto :
fate de ppiù che non conoschi foco,
e nnun zappi che ssia ssedia né letto.

Figurateve mó ttutta já zella
c’ha dd’avé sta donnetta in oggni lloco,
eppo’ annateme a ddi cch’Eva era bbella.
                               
                                 28 Novembre 1834


UM REPARO


Dá-me uma mulher, caro irmão,
que não tem um lençol, uma toalha,
 um lenço, um prato, um penico,
um garfo, uma faca, uma colher.

Dá-ma nua, sem um par
de sapatos, um pente, uma escova,
de uma terra onde não há alfaiate,
sapateiro, mercador, merceeiro.

Ignorante do que seja casa ou tecto,
ignorante ainda de acender lareira
e não sabendo que seja cama ou cadeira.

Imagina toda a porcaria,
que tal criatura trará consigo,
chama-me e diz-me como Eva é bela.
                                 
                           28 de Novembro 1834


ER FRUTO DE LA PREDICA


Letto ch’ebbe er Vangelo, in piede in piede
quer bom Padre Curato tanto dotto
se piantò cco le vhiappe sul pallioto
a spiegà li misteri de la fede.

Ce li vortò de sopra e ppoi de sotto :
ciariccontò la cosa come aggnede;
e de bonne raggione sce ne diede
piu assai de sei via outro quarantotto.


Riccontò ‘na carretta de parabbole,
e cce ne fesce poi la spiegazzione,
come fa er Casamia doppo le gabbole.

Inzomma, de la predica de jjeri,
ggira che tt’ariggira, in concrusione
venissimo a ccapi cche ssò mmisteri.
                                                                   
                          29 Novembre 1834

O FRUTO DA PRÉDICA


Tendo lido o Evangelho, de imediato,
o bom Padre Cura, tão letrado,
começou, do alto do púlpito,
a explicar os mistérios da fé.


Voltou-os de frente e do avesso :
explicou o assunto como devia
e as boas razões que acrescentou,
além da sua, quarenta e oito.

Contou uma carreira de parábolas,
e eram tão certas as explicações
como o tempo no Borda d’ Água.

Em suma, da prédica de ontem,
 torna que torna, em conclusão,
parece que mistérios são o que são.
                                   
                     29 de Novembro 1834

sábado, 9 de maio de 2020

CLÉMENT MAROT (1496 - 1544)



   ÉPITAPHE    

De frere Jehan Levesque Cordelier, natif d'Orleans


   Cy gist, repose, et dort leans
Le feu Evesque d'Orleans :
J'entends l'Evesque en son surnom,
Et frere Jehan en propre nom.
Qui mourut l'an cinq cens et vingt,
De la verouille qui luy vint.
 
   Or affin que sainctes et anges,
Ne preignent ces boutons estranges,
Prions Dieu, qu'au frere frappart  
Il donne quelque chambre à part.



EPITÁFIO

Do Frade Jehan Levesque Franciscano, nativo de Orleães


   Aqui jaz, repousa e dentro dorme
O falecido Bispo de Orleães:
Lê-se o Bispo no seu apelido
E frei Jehan no nome próprio,
Morreu em mil quinhentos e vinte,
Acometido por bexigas.

   Ora, afim que santos e anjos
Não peguem estranhas ampolas
Peça-se a Deus que ao frade libertino
Lhe forneça quarto à parte.




ÉPITAPHE


De frere André Cordelier


   Cy gist, qui assez mal preschoit,
Par ces femmes tant regretté,
Frere André, qui les chevauchoit
Comme un grand asne desbasté.



EPITÁFIO


Do frade André Cordelier


   Aqui jaz, quem bem mal pregava,
Pelas mulheres tão lamentado,
Frei André, que as cavalgava
Como grande asno desenfreado.

Do frade André Cordelier



sexta-feira, 8 de maio de 2020

    MIGUEL D'ORS ( SANTIAGO DE COMPOSTELA - 1946)


     VOZ SECRETA

La misma voz secreta que anuncia al arrendajo
que han brotado de nuevo las bellotas
es la que hace subir desde la tierra
la fuerza que corona de frutos cada otoño
las ramas de los robles, y es la que lleva y trae
las escuadrillas de aves a lo largo del año
y gobierna las lunas, las mareas,
los ventos y las lluvias;
la que sostiene la unidad del mundo
desde el ardiente reino del Misterio.

Que pueda yo también oírla; que no sea
outra la voz que en mí despierte el canto.

                            Monte da Tomba, 6-VII-2014

   
      VOZ SECRETA

A mesma voz secreta que anuncia à pega
que brotaram de novo as bolotas
é a que faz subir desde a terra
a força que coroa de frutos cada outono
os ramos dos carvalhos, é a que leva e traz
as esquadrilhas de aves ao longo do ano
e governa as luas, as marés,
os ventos e as chuvas;
a que sustem a unidade do mundo
desde o ardente reino do Mistério.

Que eu possa também ouvi-la; que não seja
outra a voz que, em mim, desperte o canto.

                              Monte da Tomba, 6-VII-2014    

quinta-feira, 7 de maio de 2020

LUCIANO ERBA



  PORTO


Della vita
sapevamo solo la noia
eravamo li pensosi rematori
senza viaggio
sul bronzo di una moneta di Tiro.

                       


    PORTO


Da vida
sabíamos apenas o tédio
eramos os pensativos remadores
sem viagem
no bronze de uma moeda de Tiro.

quarta-feira, 6 de maio de 2020


MARCABRÚ
(...1130- 1149...)


Dirai vos senes doptansa
d’aquets vers la comezansa
li mot fan de ver semblansa
escoutatz!
qui ves proeza balansa
semblansa fai de malvatz.


Jovens falh e franh e briza
et amors es d’aital guiza
de totz cessals a ces priza
escoutatz!
chascus en pren sa deviza
ja pos no-n sera cuitatz.

Amor vai com la beluja
que coa-lh foc en la suja
art lo fust e la festuja
ecoutatz!
e non sap vas qual part fuja
cel qui del foce s gastatz.

Dirai vos d’amor com sinha
de sai garda de lai guinha
sai baiza de lai rechinha
escoutatz!
plus sera drecha que linha
quant eu serai sos privatz.

Amors soli’esser drecha
mas er’es torta e brecha
et a colhida tal decha
escoutataz!
lai on non pot mordre lecha
plus aspramens no fai chatz,

Greu sera mais amors vera
por del mel triet la cera
ans sap si pelar la pera
escoutatz!
doussa-us er com chans de lera
si sol la coa-lh troncatz.

Ab diables pren barata
qui fals’amor acoata
no-il cal qu’autra verga-lh bata
escoutatz!
que tot nesci del plus savi
non fassa si-lh ten al latz.

Amors a uzatge d’ega
que tot jorn vol qu’om la sega
e ditz que non-lh dará trega
escoutatz!
mas poia de leg’en lega
sia dejens o disnatz.

Cujatz vos qu’eu non conosca
d’amor s’es orba o losca?
sos digz aplan’et entosca
escoutatz!
plus suau ponh qu’una mosca
mas plus greu n’es com sanatz.

Qui per sen de femna renha
dregz es que mals li-n avenha
si com la letra-ns ensenha
escoutatz!
malaventura-us en venha
si tutz no vos en gardatz!

Marcabrus filhs Marcabruna
fo engenratz en tal luna
qu’el sap d’amor com degruna
escoutatz!
doussa-us er com chans de lera
si sol coa-lh troncatz.



Dir-vos-ei sem dúvida
o começo deste poema,
as palavras querem ter semelhança,
escutai!
quem da proeza duvida
semelhança tem de malvado.

A juventude falha e quebra e parte-se
e o amor é de tal guisa
que o censo tirou ao censitário
escutai!
todos têm a sua parte
e nenhum estará quite.

O amor é como faúlha
que, ao dormitar sob a fuligem,
queima a madeira e a palha
escutai!
não sabe para onde fugir
aquele que o fogo acossa.

Dir-vos-ei do amor como acena,
para aqui espreita, além suspeita,
aqui beija, acolá resmunga
escutai!
será mais direito que linha
se me tiver como criado.

O amor costumava ser direito,
mas hoje é torto e embotado
e acostumou-se a tal dita
escutai!
onde não pode morder
lambe mais asperamente que gato.

Nunca mais será amor verdadeiro,
desde que do mel tirou a cera,
antes sabe descascar a pera
escutai!
seria doce como canto de lira,
se a cauda lhe cortassem.

Trafica com o diabo
quem falso amor aceita,
nem precisa que outra verga lhe bata
escutai!
que torna néscio o mais sábio,
se o tem entre os seus laços.

O amor é como égua,
que quer sempre que a sigam
e diz que não dará trégua
escutai!
arrasta-vos légua após légua,
seja em jejum ou jantado.

Cuidais que eu não saiba
se o amor é cego ou vesgo?
os seus ditos aplaina e afina
escutai!
pica mais suavemente que mosca,
mas mais difícil é a cura.

Quem se rege pelo senso de mulheres
é justo que mal lhe venha,
tal como ensina a escritura
escutai!
só terá má ventura
quem disso não se precate.

Marcabru, filho de Marcabruna,
foi engendrado sob tal lua,
que sabe como amor se debulha
escutai!
ele nunca amou nenhuma
e de nenhuma foi amado.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...