sexta-feira, 22 de outubro de 2021


MIGUEL D'ORS

LOS PLACERES PROHIBIDOS

                                                               A mi hermana Rafa y a Jose

Una copa de vino de la Rioja,
una copa en que, roja
y olorosa, destella na alegría
sencilla, solidaria y aun diria
católica; una copa en que se encierra
la verdad primigena de la tierra
y el sol, qué algarabia
de sabores, de aromas y de sueños:
pinceladas de roble y caramelo,
de setiembre, de nuez,
de musgo, unos pequeños
toques de piedra gótica, un tal vez
como de terciopelo...
y de pronto un sabor a no sé qué
que eleva al cubo el goce... ¡Ya lo sé:
es el inigualable sabor de lo prohibido!

El mismo de fumar
un lento cigarillo distraído:
qué placer degustar
el leve azul del humo, sus volutas ociosas,
admirar cómo sube,
sutil y digresivo,
con vocación de nube
cuando además se sabe
que es humo subversivo
contra el presente estado de las cosas
y elevarse con él -si azul, si gris... -
hacia el libre país
de los ensueños, suave-
mente...
              Pero el placer
más intenso y profundo
de todos cuantos caben en el mundo,
un goce tan sereno y a la vez tan ardiente
que es imposible que haya
otro que se le pueda parecer,
es este de saber
que uno es, gracias a Dios, exactamente
todo lo que aborrece esa canalla.

                                         14//II/2007/Poyo, 29/XI/2009    


                xxxxxxxxxxxxxxx


OS PRAZERES PROIBIDOS 

                                       À minha irmã Rafa e a José

Um copo de vinho de Rioja,
um copo em que, vermelho 
e fragrante, cintila uma alegria
simples, solidária e diria mesmo
católica, um copo em que se encerra
a verdade primígena da terra
e o sol, que algaravia
de sabores, de aroma e de sonhos
pincelados de carvalho e caramelo,
de setembro, de noz,
de musgo, uns pequenos 
toques de pedra gótica, um talvez
como de veludo...
e de súbito um sabor a não sei quê
que eleva ao cubo o gozo...! Já sei:
é o inigualável sabor do proibido!

O mesmo quanto a fumar
um lento cigarro distraído:
que prazer degustar
o leve azul do fumo, as suas volutas ociosas,
admirar como sobe,
subtil e digressivo,
com vocação de nuvem,
quando além disso se sabe
que é fumo subversivo
contra o presente estado das coisas
e elevar-se com ele - tão azul, tão cinzento... -
até ao livre país 
dos sonhos, suave
-mente.
             Mas o prazer
mais intenso e profundo
de todos quantos cabem no mundo,
um gozo tão sereno e ao mesmo tempo tão ardente
que é impossível que haja
outro que se lhe possa comparar,
é este de saber
que se é, graças a Deus, exactamente 
tudo o que aborrece essa canalha.

                                       14-II-2007/ Poyo, 29-XI.2009                                               

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

 GIOVANNI PASCOLI


LAVANDARE

Nel campo mezzo grigio e mezzo nero
resta un arato senza buoi che pare
dimenticato, tra il vapor leggero.

E cadenzato dalla gora viene
lo sciabordare delle lavandare
con tonfi spessi e lunghe cantilene:

Il vento soffia e nevica la frasca,
e tu non torni ancora al tuo paese!
quando partisti, come son rimasta!
come l'arato in mezzo .alla maggese.


            xxxxxxxxxxxxxxxx


LAVADEIRAS

No campo meio cinzento e meio negro
permanece um arado sem bois que parece
esquecido na neblina ligeira.

E em cadência da levada vem
o marulhar das lavadeiras
com baques repetidos e longas cantilenas.

O vento sopra e nevam folhas dos ramos,
e tu ainda não regressaste à tua terra!
quando partiste, como fiquei!
como o arado no meio do alqueive.

domingo, 17 de outubro de 2021

 FRANK O'HARA


Instant coffee with slightly sour cream
in it, and a phone call to the beyond
which doesn't seem to be coming any nearer.
"Ah daddy, I want srtay drunk many days"
on the poetry of a new friend
my life held precariously in the seeing
hands of others, their and my impossibilities.
Is this love, now that the first love
has finally died, where there were no impossibilities?

                                                                           1956


                   xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


POEMA

Café instantâneo som natas ligeiramente amargas
e um telefonema para o além
que não parece estar a aproximar-se.
"Ah pai, quero ficar bêbedo muitos dias"
da poesia de um novo amigo
a minha vida sustida precariamente nas mãos
videntes de outros, as suas e minas impossibilidades.
É isto amor, agora que o primeiro amor
finalmente morreu, no qual não havia impossibilidades?
                                                                               1956

  

sábado, 16 de outubro de 2021

warned by October's nip

 W. H. AUDEN


IN DUE SEASON

Spring-time, Summer and Fall: days to behold a world
Antecedent to our knowing, where flowers think
Theirs concretely in scent-colours and beasts, the same
Age all over, pursue dumb horizontal lives
On one level of conduct and so cannot be 
Secretary to man's plot to become divine.

Lodged in all is a set metronome: thus, in May
Bird-babes still in the egg click to each other Hatch!;
June-struck cuckoos go off-pitch; when obese July
Turns earth's heating up, unknotting their poisoned ropes,
Vipers move into play; waned by October's nip
Younger leaves to the old give the releasing draught.

Winter, though, has the right sense for a look indoors
At ourselves, and with First Names to sit face-to-face,
Time for reading of thoughts, time for the trying-out
Of new metres and new recipes, proper time
To reflect on events noted in warmer months
Till, transmuted they take part in a human tale.

There, responding to our cry for intelligence,
Nature's mask is relaxed into a mobile grin,
Stones, old shoes, come alive, born sacramental signs,
Nod to us in the First Person of mysteries
Thwy know nothing about, bearing a message from
The invisible sole Source of specific things.


       xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


NA ESTAÇÃO PRÓPRIA

Primavera, Verão, Outono: dias em que se adivinha um mundo
Prévio aos nossos conhecimentos, em que flores pensam
Na concretude do cheiro das cores e animais de idade
Indefinida perseguem vidas irrisórias, horizontais,
Evitando serem com esse nível de conduta,
Assessores da intriga do homem para se tornar divino.

Um metrónomo infalível instala-se em tudo: assim, em Maio,
Crias de pássaros nos ovos gritam às outras: Nasçam!,
Os cucos surpreendidos por Junho desafinam; quando Julho obeso
Liga o calor da terra, desembaraçando amarras venenosas,
As víboras entram na festa; avisadas pelo beliscão de Outubro,
As folhas novas dão às velhas o puxão libertador.

Todavia, o Inverno tem o verbo certo de um olhar caseiro
Para nós mesmos, sentados cara a cara com os Nomes Próprios.,
Tempo para ler os pensamentos, tempo para experimentar
Novos metros e novas receitas, tempo propício
Para reflectir nos factos que que meses mais quentes trouxeram
Até que, transmudados, façam parte de uma história humana.

Aí, respondendo à nossa exigência de compreensão,
A Natureza afrouxa o esgar até um arreganho mutável,
Pedras, sapatos velhos, renascem como signos sacrificiais,
Acenam-nos na Primeira Pessoa dos mistérios
Que desconhecem, acartando uma mensagem
Da única Fonte invisível do singular das coisas.

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

 LUCIANO ERBA


LO SVAGATO 

Ma quando arrivano? e come? 
e chi li manda trai noi? 
un giorno li trovi vicini 
com un berretto a visiera 
la sciarpa rossa, le mani 
nelle tasche davanti dei calzoni 
nuovo compagni di nostri giochi 
sileziosi, sorridente compagni 
più piccoli di noi, più pallidi 
stanchi a una breve corsa, maldestri 
a lottare, a saltare, e senza peso. 
Ricordo uno che un matino d’ottobre 
sali com noi fine al monte Cavvalo 
aveva le guance rosse di mal di cuore 
sorrideva correndo per restarci vicino. 
E un altro, nè escludo che fosse lo stesso 
per quel loro modo di camminare e il maglione turchino, 
che per vigneti mi segui al fondovalle 
a pesca di trotte dove il fiume 
si dirama in chiari canali. 
Si restò fine a sera dentro l’acqua 
senza que mi chiedesse una volta 
di provare a pescare : 
poi scomparve per un sentiero che non saprei più trovare. 
E un terzo, o ancora lo stesso, 
per quel loro grande nodo alla sciarpa di lana, 
e per il suo starmi in silenzio vicino 
nei prati gialli fuori città 
in un’Africa imaginata 
per un’immobile, lunga giornata. E un quarto… 
Scomparsi. Distruti da febbri spietate, 
consuti da un male ignoto, lontani, non só. 
Né só se torneranno, né quando, né come 
gli amici, i giorni, la più chiara stagione, 
se tornerà la vita 
perduta per disattenzione.


           xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


 O DISTRAÍDO 

Mas quando chegam? e como? 
e quem os envia?  
um dia descobre-los próximo 
com um boné de pala 
o cachecol vermelho, as mãos 
no bolso da frente das calças 
novos companheiros dos nossos jogos 
companheiros silenciosos, sorridentes, 
mais pequenos que nós, mais pálidos, 
cansados por uma breve corrida, desajeitados 
a lutar, a saltar, e sem peso. 
Recordo um que numa manhã de outubro 
foi connosco até ao monte Cavallo 
tinha a cara vermelha de quem sofre do coração 
sorria correndo para nos acompanhar. 
E um outro, não excluo que fosse o mesmo 
por aquele seu jeito de andar e a camisola turquesa, 
que pelos vinhedos me seguiu até ao vale 
à pesca de trutas onde o rio 
se derrama em claros canais. 
Ficou até à noite dentro de água 
sem que me pedisse uma vez 
 para tentar pescar : depois sumiu-se 
por um caminho que já não saberei encontrar. 
E um terceiro, ou ainda o mesmo, 
por aquele grande nó no cachecol de lã 
e pelo seu quedar-se em silêncio por perto 
nos campos amarelos fora da cidade 
numa África imaginada 
durante um dia imóvel, comprido. E um quarto… 
Desaparecidos. Destruídos por febres impiedosas, 
consumidos por um mal ignoto, lá longe, não sei. 
Nem sei se voltarão, nem quando, nem como 
os amigos, os dias, a estação mais clara, 
se voltará a vida 
perdida por desatenção.

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

 COLIN MUSET


Sire cuens, j'ai vielé
devant vous sen vostre ostel,
si ne m'avez riens doné
ne mes gages aquité:
   c'est vilanie!
Foi que doi sante Marie,
ensi ne vous siuerré mie.
M'aumosniere est mal garnie
et ma bourse mal farsie.

Sire cuens, car commandez
de moi vostre volenté.
Sire, s'il vous vient a gré,
un biau don car me donez
   par courtoisie!
Talento ai, n'en doutez mie,
de raler a ma mesnie:
quant g'i vois bourse desgarnie,
ma fame ne me rit mie,

ainz me dit: "Sire Engelé,
en quel terre avez este,
qui n'avez riens conquesté?
............................................
   Aval la ville.
Vez com vostre mal plie!
Ele est bien de vent farsie!
Honiz soit qui a envie
d'estre en vostre compaignie!"

Quant je viens a mon ostel
et me fame a regardé
derrier moi le sac enflé,
et je, que sui bien paré
   de robe grise,
sachiez qu'elle a tout jus mise
la conoille sanz fiantise;
elle me rit par franchise,
ses deus braz au col me plie.

Ma fame va destrousser
ma male sanz demorer;
mos garçon va abruver
mon cheval et conreer;
ma pucele va tuer
deus chapons pour deporter
   a la janse alie;
ma fille m'aporte un pigne
en sa main par cortoisie.
Lors sui me mon ostel sire
a mult grant joie sanz ire
plus que nuls ne porroit dire.


       xxxxxxxxxxx

Senhor conde, toquei viola
ante vós, na vossa casa
e não me haveis dado nada,
nem liquidado as minhas dívidas:
   é vilania"
Pela fé a Santa Maria
não vos servirei mais.
A minha algibeira está mal fornida
e a minha bolsa desguarnecida.

Senhor conde, fazei
de mim, segundo a vontade.
Senhor, se vos apraz,
boa prenda me dai,
   por cortesia!
Tenho intenção, não tende dúvida,
de voltar à minha casa:
quando vê a minha bolsa desguarnecida,
a minha mulher não me sorri,

antes diz: "Senhor Pasmado,
por que terra hás andado,
que nada tendes conquistado?
...............................................
   Lá na cidade
vede como vosso taleigo mirra!
Está cheio de ar e vento!
Vergonha tenha quem deseja
estar na vossa companhia!"

Quando chego a casa
e a minha mulher vê
às costas o saco cheio
e que estou bem adornado
   de fato escuro,
sei bem que logo deixa
o fuso, sem malícia;
sorri-me com franqueza,
os braços no meu pescoço.

A minha mulher vai buscar
o taleigo, sem tardar;
o criado dar de beber
ao cavalo e limpá-lo;
a minha donzela mata
dois capões para cozinhá-los
   com molho de alho;
a minha filha taz-me um pente
na mão, com cortesia.
Então sou o senhor da minha casa,
com muita alegria, sem zanga,
mais que se possa dizer.


domingo, 10 de outubro de 2021

 DURS GRÜNBEIN


POEMA MONOLÓGICO #2


De tempos em tempos
tenho estes dias quando

me apetece de novo
embarcar num poema

de um tipo que ainda não é
de todo popular. Quero dizer

um sem quaisquer refi-
namentos metafísicos ou

o tipo de coisa que recentemente passa
por isso... esse género de

genuflexão cínica
perante o pomposo progresso da história

ou de pé, de mãos na cintura, ofegante
na dura maratona Este-Oeste
como se fosse um dos

danados de Alighieri
com uma sutura. Poemas

alguém me disse há dias

que apenas o interessavam se
estivessem cheios de surpresas

escritas nessas
alturas ínvias quando

algo ainda informe
um devaneio uma única

linha começa algures e

te desfaz.

sábado, 9 de outubro de 2021

 ASCLEPÍADES


Aprazível é um gole de neve
a quem o Verão abrasa.
Aprazível a brisa primaveril
ao marinheiro, após as tormentas
de Inverno. Mais aprazível
um lençol sobre dois amantes,
que veneram Afrodite.


      xxxxxxxxxxxxx


Estás a guardar-te? Para quê?
No Hades não encontrarás
ninguém que te ame.
O amor é para os vivos.
Além do Rio, querida
virgem, seremos pó e cinzas.


     xxxxxxxxxxxx

Abracei a fogosa Hermione.
Tinha, ó Cípria, um cinto
com letras douradas:
estava escrito:
"Ama-me e esquece
a mágoa, se eu 
pertencer a outro." 

sexta-feira, 8 de outubro de 2021

 LI SHANG-YIN


São tão difíceis os encontros, mais difícil a separação.
O vento leste perdeu a força, murcharam todas as flores.
Na Primavera, os bichos-da-seda tecem, até morrer, os fios do coração;
As lágrimas da vela não secam até o pavio ser cinza.
De manhã, vendo-se ao espelho: ficará grisalho o cabelo?
Repetindo um poema durante a noite, sentirei o arrepio do luar?
Não é longe daqui até ao Rio Escuro -
Pássaro Azul, depressa, vigia-me a estrada.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

CHARLES SIMIC


 BABY PICTURES OF FAMOUS DICTATORS

The epoch of a streetcar drawn by horses;
The organ-grinder and his monkey.
Women with parasols, Little kids in rowboats
Photographed against a cardboard backdrop depicting an idyllic          sunset
At the fairgrounds where all went to see
The tow-headed calf, the bearded 
Fat lady who dances the dance of seven veils.

And the great famine raging through India...
Fortune-telling white rats pulling a card out of shoebox
While Edison worries over the lightbulb,
And the first model of the sewing machine 
Is delivered in a pushcart
To a modest white-fenced home in the suburbs.

Where there are always a couple of infants
Posing for the camera in their sailor's suits,
Out there in the garden overgrown with shrubs.
Lovable little mugs smiling faintly toward
The new century. Innocent. Why not?
All of them like ragdolls of the period
With those chubby porcelain heads
That shut their long eyelashes as you lay them down.

In a kind or perpetual summer twilight...
One can even make out the shadow of the tripod and the black hood
That must have been quivering in the breeze.
One assumes that they all stayed up late squinting at the stars,
And were carried off to bed by their mothers and big sisters,
While the dogs remained behind:
Pedigree bitches pregnant with bloodhounds.


             xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


RETRATOS INFANTIS DE DITADORES FAMOSOS

A época de um bonde puxado por cavalos;
O tocador de realejo e o seu macaco.
Mulheres com chapéus de sol. Miúdos em canoas
Fotografados contra um cenário de cartão mostrando um pôr do sol   idílico
Nas feiras onde todos iam ver
A vitela com duas cabeças, a mulher
Gorda de barbas que dança a dança dos sete véus.

E a grande fome que percorre a Índia...
Ratos brancos que adivinham o futuro tirando uma carta de uma   caixa de sapatos,
Enquanto Edison se preocupa com a lâmpada eléctrica 
E o primeiro modelo da máquina de coser
É entregue num carrinho de mão
Numa casa modesta, com gradeamento branco, nos subúrbios,

Onde há sempre uma data de crianças
Posando para a máquina em fatos de marinheiro,
Aí no jardim pejado de arbustos.
Putos adoráveis que sorriem vagamente 
Ao novo século. Inocentes. Porque não?
Todos eles como bonecas de trapos da época,
Com essas cabeças rechonchudas de porcelana
E pálpebras compridas que fecham quando se deitam.

Num arremedo de crepúsculo estival perpétuo...
Ainda se pode adivinhar a sombra da trípode e o capuz negro
Que deverá ter estado a ondular na brisa.
Supõe-se que todos ficaram até tarde olhando as estrelas de   esguelha,
E foram levados para a cama pelas mães e as irmãs mais velhas,
Enquanto os cães ficavam ainda:
Cadelas de raça prenhes de sabujos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

 RUSSELL EDSON


THE FALL

     There was a man who found two leaves and came indoors holding them out saying to his parents that he was a tree.

     To which they said then go into the yard and do not grow in the living-room as your roots may ruin the carpet.

     He said I was fooling I am not a tree and he dropped his leaves.

     But his parents said look it is fall.


                    xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


OUTONO

     Uma vez um homem encontrou duas folhas e entrou em casa segurando-as com os braços esticados dizendo aos pais que era uma árvore.

     Ao que eles disseram então vai para o pátio e não cresças na sala pois as tuas raízes podem estragar a carpete.

     Ele disse eu estava a brincar não sou uma árvore e deixou cair as folhas.

     Mas os pais disseram olha é outono.

terça-feira, 5 de outubro de 2021

 AUGUST KLEINZAHLER


AN AUTUMNAL SKETCH

What to make of them, the professors
in their little cars,
the sensitive men paunchy with drink
parked at the fence
where the field begins and the suburb ends?

If there is a mallard in the reeds
they will take it.
They will take it and make it their own,
something both more than a duck
and less.

They so badly want a poem,
these cagey and disheartened men
at the edge of the field.
And before they turn back for supper
they hall have one.


     xxxxxxxxxxxxxxxx


UM ESBOÇO OUTONAL

Que fazer deles, os professores
nos seus carros pequenos,
os homens sensíveis pançudos de bebida
estacionados na cerca
onde o campo começa e o subúrbio acaba?

Se há um pato bravo no canavial
apanham-no.
Apanham-no e chamam-lhe seu,
algo tanto mais que um pato
e menos.

Querem tanto um poema,
estes homens cautelosos e desanimados
no limite do campo.
E antes de regressarem para jantar
hão-de ter um.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

ALEKSANDAR RISTOVIC


FELICIDADE

O rato é dourado
e também a tartaruga e a aranha,
e até a centopeia,
e o calhau com que tentar 
afugentá-la sem deixar o teu banco,
do qual podem ser vistas muitas outras
coisas e criaturas douradas.

domingo, 3 de outubro de 2021

 FERNANDO ORTIZ


AZULEJO

[ S. XVII. Monasterio de la Encarnación. Osuna]


Dos viejas al brasero que un anciano remueve
mientras fuma su pipa y habla de otro tiempo.
Un galán embozado que a su ronda se atreve
desafiando el frío - buena cara al mal tiempo -.

   Al calor perro y gato se arrejuntan. La nieve
para el viejo y el niño es mero pasatiempo.
Para el galán se trata tan sólo de ese leve
acicate a su ronda; lo más, un contratiempo.

   Para el hombre que, sólo, nada sabe ni espera,
es el invierno el centro de los ciclos del año,
la hora más severa y más ensimismada...

   Después, viendra la angustia azul de primavera,
descenderá el verano de su purpúreo escaño
y otoño es el perfume de las rosas quemadas.


               xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


AZULEJO
[S. XVIII. Monasterio de la Encarnación. Osuna]

Duas velhas à braseira que um ancião remexe,
enquanto fuma o seu cachimbo e fala de outro tempo.
Um galã embuçado que à sua ronda se atreve,
desfiando o frio - boa cara ao mau tempo -.

Ao calor cão e gato coabitam. A neve
para a criança e o velho é mero passatempo.
Para o galã trata-se só desse leve 
acicate para a sua ronda; no máximo, um contratempo.

Para o homem que, só, nada sabe nem espera,
é o inverno o centro dos ciclos do ano,
a hora mais severa e mais ensimesmada...

Depois, virá a angústia azul da primavera;
descerá o estio do seu purpúreo escanho
e o outono é o perfume de rosas queimadas.





sábado, 2 de outubro de 2021

D. J. ENRIGHT


PROCESSIONAL
for William Walsh

Where are they all? 
The Chancellor and the Vice-Chancellor.
The Deputy Vice-Chancelor and the Registrar,
The Bursar, the Deans of the several Faculties,
The Director or Extra-Mural Studies,
The Estate Officer  and the Librarian,
The Chairman of the University Council,
The Esquire Bedell and The Public Orator?

For the scaffolding has collapsed, the
Scaffolding of the impending Science Tower
Has collapsed, with the long thin noise of the
Crumbling of a termite-ridden ivory tiwer.
Ans underneath are two female labouresrs,
Sought for by their colleagues like buried and
Perishable treasure. Now a trousered leg is
Uncovered, and pulled upon, and its end is an
Ivory visage, a whitened stage concubine's,
Slashed with a vulgar wash of red.

And where is the University Health Physician?
(He is sick, he has left, he is on sick leave.)

And first will arrive the Fire Brigade,
With their hoses and helmets and hatchets
To exume the already exumed. And then
The police car with its mild unworried policemen
And hypnotic radio. And last of, all,
In accordande with protocol, the ambulance,
To remove whatever the firemen and the policemen
Are no longer interested in.
 
But where are they all? -
The Development and the Public Relations Officers
And the various Assistant Registrars,
The Vice-Dean and the Sub-Dean of Law,
The Chairman of the Senior Common Room Commitee,
The Acting Head of the School of Education
The Readers and the Senior Lecturers
(The Professors we know are all at work),
And the Presidents respectivily of the Local and
The Expatriate Academic Staff Associations?
This is a bad day for an accident.

Till a clerk arrives, a clerk from the
Administration, to administer the matter.
And order is imposed and sense is made.
The scaffolding consisted of of old wood left out
Too long in the mansoon rains, and the women
Took too much sand up with them, because the
Contractor told them to get a move on, since he
Was hurrying to finish the job, because...
And they fell through four floors,
Carrying the scaffolding with them at each floor,
The sodden planking and the bamboo poles,
And now the scaffolding and the sand and the
Labourers all lie scattered on the ground.
The day and the hour are determined, and the
Victims identified as One Science Tower
(Uncompleted) and two Labourers, Female, Chinese,
Aged about 20 and 40 respectively,
Who also look rather incomplete.

The Chancellor and the Vice-Chancellor,
The Deputy Vice-Chancellor and the Registrar...
There was little occasion for them after all.
The accident has been thouroughly administred -
Moved and seconded, carried and minuted.
A gaggle of idle Assistant Lecturers tap
On their watches, seditiously timing
The ambulance. And in the distance
The fire engine´s bell can be heard already.


                     xxxxxxxxxxxxxx


PROCESSIONAL
Para William Walsh

Onde estão todos eles? -
O Chanceler e o Vice-Chanceler,
O Adjunto do Vice-Chanceler e o Arquivista,
O Tesoureiro, os Reitores das várias Faculdades,
O Director dos Estudos Extra-Murais,
O Administrador dos Bens e o Bibliotecário,
O Presidente do Conselho da Universidade,
O Cavalheiro Bedel e o Orador Público?

Pois que os andaimes colapsaram, os
Andaimes da iminente Torre da Ciência
Colapsaram, com o prolongado, ligeiro ruído do
Desmoronamento de uma Torre de Marfim                infestada de térmitas.
E nos escombros há duas trabalhadoras,
Procuradas pelos seus colegas como um tesouro        enterrado
E perecível. Agora uma perna com calças é            Desenterrada e puxada e na sua extremidade há        uma
Face de marfim, uma pálida concubina de palco
Golpeada por uma demão ordinária de vermelho.

Onde está o Médico do Trabalho da Universidade?
(Está doente, saíu, está de baixa.)

E primeiro irão chegar os Bombeiros,
Com as suas mangueiras e capacetes e machados
Para exumar o já exumado. E depois
O carro da polícia com os seus polícias                      ligeiramente despreocupados
E rádio hipnótico. E, por último,
De acordo com o protocolo, a ambulância
Para remover tudo aquilo em que os bombeiros e   os polícias
Já não estão interessados.

Mas onde estão todos eles?
Os Oficiais do Desenvolvimento e das Relações        Públicas
E os vários Assistentes do Arquivista,
O Vice-Reitor e Sub-Reitor de Direito,
O Presidente da Sala Comum dos Séniores,
O Representante da Escola de Educação,
Os Leitores e os Assistentes Graduados
(Os Professores, sabe-se, estão todos a trabalhar),
E os Presidentes das Associações do Pessoal
Local e Expatriado, respectivamente?
Este é um dia mau para um acidente.

Até que chega um amanuense. com a mensagem
Da Administração, para administrar o assunto,
E é imposta a ordem e o bom-senso restaurado
Os andaimes consistiam de madeira velha,                demasiado 
Tempo abandonada às chuvas da monção e as            mulheres
Carregaram demasiada areis, porque o
Empreiteiro lhes disse para prosseguir, pois que
Ele tinha pressa de acabar o trabalho, porque...
E ambas caíram quatro andares,
Arrastando os andaimes em cada andar,
As travessas encharcadas e os mastros de bambu
E agora os andaimes e a areia e as
Trabalhadoras jazem juntos espalhados pelo chão.
O dia e a hora são certificados e as
Vítimas identificadas como Uma Torre da Ciência
(Inacabada) e Dois Trabalhadores, do Sexo                Feminino, Chineses,
Com idades de cerca de 20 e 40 anos,                        respectivamente,
Que também parecem bastante incompletas.

O Chanceler e o Vice-Chanceler,
O Adjunto do Vice-Chanceler e o Arquivista...
Ao fim e ao cabo, não teriam grande ensejo.
O acidente foi rigorosamente administrado -
Removido e secundado, transportado e minutado.
Uma comadrice de Assistentes ociosos percute
Os seus relógios, cronometrando, de forma                sediciosa,
A ambulância. E, à distância,
O sino do carro dos bombeiros já pode ouvir-se.

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

MIROSLAV HOLUB


 BREVE REFLEXÃO SOBRE CARLOS MAGNO 
         (Ver narrativa sobre o mesmo de Julius Zeyer)

Do lado de fora do portão
está pendurado um sino. Carlos Magno, filho de Pepino, o Breve,
colocou-o lá. Aqueles que foram injustiçados
fazem-no soar e Carlos interrompe os seus afazeres reais,
recebe-os de imediato, ouve-os e dispensa justiça.
Isto era em 800 D.C.

Este ano o sino soou.
À chuva, que era
uma carga de água mais que um chuvisco
e continua há mais de mil e cem anos,
encharcado até aos ossos, ensopado como um rato afogado,
num traje de bobo,
estava Carlos Magno.

Em língua de Francos atropelada reclamou urgentemente
uma audição.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...