quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

 W. H. AUDEN


           THE COMPOSER

All the others translate: the painter sketches
A visible world to love or reject;
Rummaging into his living, the poet fetches
The images out that hurt and connect.

From Life to Art by painstaking adaption,
Relying on us to cover the rift;
Only your notes are pure contraption,
Only your song is an absolute gift.

Pour out your presence, a delight cascading
The falls of the knee and the weirs of the spine,
Our climate of silence and doubt invading;

You alone, alone, imaginary song,
Are unable to say an existence is wrong,
And pour out your forgiveness like a wine.


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            O COMPOSITOR

Todos os outros traduzem: o pintor esboça
Um mundo visível para amar ou rejeitar;
Remexendo a sua vida, o poeta alcança
As imagens que irão unir ou magoar.

Da Vida à Arte por apropriação dolorosa,
Confiando em nós para tapar a fenda;
Só as tuas notas são engenho puro,
Só a tua canção é uma dádiva absoluta.

Oferece-nos a tua presença, prazer que se despenha
Pelos açudes dos joelhos e as represas da espinha
E o nosso clima invade com silêncio e dúvida.

Só tu, só tu, canção imaginária
Te impedes de dizer que a nossa vida errou
E derramas o teu perdão como um vinho.



quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

 LUCIANO ERBA


       VERSO SANTIAGO 

Mi ritrovo negli spazi intermedi 
su una strada di terra e cespugli 
a perdita d’occhio verso i monti 
non só se cantabrici o galleghi 

mi ritrovo senza traccia di tappa 
di sosta, di partenza, di arrivo 
non incontro fonti né incroci 
né querce in gruppo sull’altopiano 

uno stento girasole selvatico 
spunta da un campo di biada 
non meno diverso da un segno 

di ruota nel fango riarso 
dalla polvere, da tutti gli sterpi 
dalle grandi nuvole sopra di noi.


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          A CAMINHO DE SANTIAGO 

Encontro-me nos espaços intermédios 
por uma estrada de terra e silvados 
a perder de vista em direcção a serras 
não sei se cantábricas ou galegas 

encontro-me sem plano de jornada 
de paragem, de partida, de chegada 
não avisto fontes nem encruzilhadas 
nem bosque de carvalhos no planalto 

um laborioso girassol selvagem 
desponta num campo de cevada 
não menos diferente de um sinal 

de caminho na lama seca 
da poeira, de todos os galhos 
das grandes nuvens sobre nós.

terça-feira, 29 de dezembro de 2020

 GUILHEM DE LA TOR (...1216-1233...)


Una doas tres e quatre
cinc e seis e set e uech 
m'avenc l'autrier a combatre
ab m'osta tota una nuech
e si-m trobes fol ni mal duech
fe que dei e Deu bel fratre
ben fora totz mos pans cuech
si me volgues esbatre.

E no vas cuides belósta
que-t eu mais ingan sai torn
quan per la vostra somosta
no poc melhs estar un jorn
qu'ans m'anes l'autrier tant entorn
tant que me calfes la costa
anc non cugei vezer jorn
tant me fo mal en posta.

N'osta vos non es ges lota
ben o conose al montar
si no-m tengues a la cota
ja non pogra sus estar
tant aut me fazias levar
com s'eu fos una pelota.
Tos temps fai mal cavalcar.


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Uma, duas, três e quatro,
cinco e seis e sete e oito
aconteceu ontem bater-me
com a minha hospedeira, toda a noite
e teria ficado louco e esgotado,
pela minha fé, bom amigo, 
que todo o meu pão estaria cozido,
se a luta tivesse continuado.

E não cuidai, bela hospedeira,
que este ano aqui retorne,
que para vossa recordação
outro dia não haverá melhor,
pois neste tanto me sacudiste
e as costas tanto me aqueceste,
que cuidei não ver madrugada,
tanto as partes se doriam.

Senhora hospedeira, lenta não sois,
bem o reconheço, a montar,
e se não me agarrasse à roupa
não poderia sobre vós estar,
tão alto me faríeis saltar,
como se fosse uma pelota.
Tanto tempo faz mal cavalgar.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 GIUSEPPE GIOACHINO BELLI


                         LA BBONA NOVA 

Dunque nunc’è ppiù inferno! Alegramente. 
Ecco er tempo oramai de fasse ricchi. 
Dunque er dellà è un inzggno de la ggente, 
e nnun resta ch’er boja che cc’impicchi. 

Sgabbellato l’inferno, ar rimanente 
se saperà ttrovà chi jje la ficchi. 
Li ggiudisci non zà Ddio nipotente, 
e cqui abbasta a sparti bbene li spicchi. 

La lègge, è vvero, è una gran bestia porca; 
ma l’inferno era peggio de la lègge, 
e ffasceva ggelà ppiù dde la forca. 

L’onor der monno? e cche ccos'è st'onore? 
Foco de pajja, vento de scoregge. 
Er tutto è nnun tremà cquanno se more. 

                                                                    29 Aprile 1834


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        A BOA NOVA 

Então, já não há inferno! que alegria. 
Agora, já é tempo de ficar rico. 
Então, o além é um sonho da gente 
e há apenas o verdugo e o patíbulo. 

Evitado o inferno, pelo restante 
hão-de encontrar modo de caçar-nos. 
Os juízes não são Deus omnipotente 
e aqui chega dividir bem os molhos. 

A lei, é certo, é grande besta porca; 
mas o inferno era pior que a lei, 
apavorava muito mais que a forca. 

A honra do mundo? e o que é isso? 
Fogo de palha, de flatulência estrondo. 
Tudo está em não temer quando se morre. 

                                                                    29 de Abril 1834



                   LA GOLACCIA 

Quann’io vedo la ggente de sto monno 
che ppiù ammucchia tesori e ppiù ss’ingrassa, 
più ha ffame ge ricchezze, e vvò una cassa 
compaggna ar mare, che nun abbi fonno, 

dico: oh mmandra de secchi, ammassa, ammassa, 
sturba li ggiorni tui, pèrdesce er zonno, 
trafica, impicca: eppoi? Viè ssiggnor Nonno 
cor farcione e tte stronca la matassa. 

La morte sta anniscosta in ne l’orloggi; 
e ggnisuno pò di: ddomani ancora 
sentirò bbatte er mezzogiorno d’oggi. 

Cosa fa er pellegrino poverello 
ne l’intraprenne un viaggio de quarc’ora?
 Porta un pezzo de pane, e abbasta quello. 

                                                                      27 Ottobre 1834


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                    A COBIÇA 

Quando vejo a gente deste mundo, 
que quanto mais entesoura, mais engorda, 
mais fome tem de riquezas e quer cofre 
parecido ao mar, que não tenha fundo, 

digo: ó manada de cegos, junta, junta, 
amarga os teus dias, perde o sono, 
trafica, engana: e depois? Vem a gadanha 
da Morte e ceifa-te a cabeça.

 A morte está escondida nos relógios; 
e quem pode dizer: amanhã também 
ouvirei bater o meio-dia de hoje? 

O que faz o pobre peregrino 
ao empreender viagem de umas horas?
Leva um pouco de pão e isso basta. 

                                                                 27 de Outubro 1834

domingo, 27 de dezembro de 2020

 Tendo iniciado este blog em finais de Abril, esgotei, pela primeira vez, uma série de traduções, que tinha em armazém: Epigramas Persas Tradicionais (Thank you, Dick Davis).

Por isso, para variar e tendo já homenageado Billy Holliday e Srange Fruit, decidi fazer agora o mesmo com Tom Waits: a letra/poema da canção escolhida foi objecto de glosa em De Passagem. Como diria Janis Joplin (lá iremos um dia destes): that´s it. 


TOM WAITS

FRANK'S WILD YEARS

Well Frank settled down in the Valley
and he hung his wild years
on a nail that he drove through
his wife's forehead;
he sold  used office furniture
out there on San Fernando Road
and assumed a $ 30 000 loan
at 15n 1/4% and put a downpayment
on a little two bedroom place.
His wife was spent piece of used trash,
made good bloody marys,
kept her mouth shut most of the time,
had a little chiuhuaha named Carlos
that had some kind of skin disease
and was totally blind;
they had a thoroughly modern kitchen
sef-cleanimg oven (the whole bit).
Frank drove a little Sedan,
they were so happy.
One night Frank was on his way home
from work, stopped at the liquor store,
picked up a couple of Mickey's Big Mouths,
drank'em in the car on his way 
to the Shell Station, he got a gallon of
gas in a can, drove home, torched it;
parked across the street laughing,
watching it burn, all Halloween
orange and chimney red. Then
Frank put on a top forty station,
got on the Hollywood Freeway,
headed north;
never could stand that dog.


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OS ANOS SELVAGENS DE FRANK

Bom, Frank assentou no Valley
e pendurou os seus anos selvagens
num prego que espetou na testa
da sua mulher;
vendia mobília de escritório usada
para os lados da Estrada de San Fernando
e contraiu um empréstimo de 30 000 dólares
a 5 1/4% e entregou uma entrada
numa pequena casa de dois quartos.
A sua mulher era uma peça gasta de lixo usado,
fazia bons bloody marys,
mantinha a boca calada a maior parte do tempo,
tinha um pequeno chiuahua chamado Carlos,
que tinha uma espécie de doença de pele
e estava totalmente cego;
tinham uma cozinha completamente moderna,
forno de auto-limpeza (o conjunto todo),
eram tão felizes.
Uma noite, Frank, no caminho para casa,
do trabalho, parou na loja de bebidas
arranjou um par de Mickey's Big Mouths,
bebeu-os no carro, a caminho
da Estação da Shell; meteu uns litros
de gasolina num bidão, seguiu para casa, incendiou-os,
encostou do outro lado da estrada, a rir,
observando-a arder, em laranja
de Halloween e vermelho de chaminé; depois
Frank pôs uma estação de top quarenta,
entrou na autoestrada de Hollywood,
dirigiu-se para  norte.
Nunca suportara aquele cão. 

sábado, 26 de dezembro de 2020

 ALEKSANDAR RISTOVIC


TRABALHAM PARA MIM O COVEIRO E AQUELE DURANTE CUJA AUSÊNCIA ESCREVI ESTE POEMA

Está um belo dia, Sr Coveiro.
Descanse um pouco, junto à sua cova aberta
e observe-os a subir a colina.

Têm as mesmas caras
daquele para quem preparou
   a espaçosa câmara.
As mesmas benignas mãos, tornozelos,
   e quase as mesmas roupas.

Carregam flores e um caixão comprido
com a tampa ligeiramente levantada,
debaixo da qual uma mão afilada é visível.

Continue o seu trabalho. Não pense,
nem se gabe da sua vasta experiência,
que, de qualquer forma, fica sempre confundida
   com assuntos não relacionados.


sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

 FERNANDO ORTIZ


    CABALLERO VEITICUATRO

                       Los restos de Arguijo descansan cerca de la
                       tumba de Béquer, ante la que tantas veces
                       meditó Cernuda.

Envuelto en negra capa,
a la hora que las campanas con grave asombro
advierten la caída de la tarde,
camina el caballero como sombra
por calles donde el viento se pierde en los adarves.

¿Irá a la Iglesia de la Compañia,
a la conversación discreta de unos pocos,
el comento y lectura de unos versos latinos
donde hallar el sosiego
que enturbian comerciantes, notarios, acreedores ?

¿Dónde va el caballero
con paso que se alza sobre el gris de las horas?
Allá, allá lejos;
donde no existe olvido,
junto a su hermano en la melancolía,
a cumplir su destino más secreto y más libre.


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   CAVALEIRO VINTE E QUATRO

                   Os restos mortais de Arguijo descansam perto do túmulo
                   de Bécquer, diante do qual tantas vezes meditou
                   Cernuda. 

Envolto em negra capa,
à hora em que os sinos com grave assombro,
avisam a queda da tarde, 
caminha o cavaleiro como sombra
por ruas onde o vento se perde nos adarves.

Foi à Igreja da Companhia,
à conversa discreta de uns poucos,
ao comentário e leitura de una versos latinos
onde encontrar o sossego
que perturbam comerciantes, notários, credores?

Onde vai o cavaleiro
com passo que se levanta sobre o cinzento das horas?
Acolá, acolá longe;
onde não existe esquecimento,
junto ao seu irmão em melancolia,
a cumprir o seu destino mais secreto e mais livre.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

 D. J. ENRIGHT


THE INDIVIDUAL

One os nature´s errors, a grasshopper
Livid and long, greener than any grass.
                Yet his vivid song
Shakes the breathless morning, trusting
That men will think him a useless flower,
The animals only notice a precious stone.


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O INDIVÍDUO

Um dos erros da natureza, um gafanhoto
Lívido e comprido, mais verde que qualquer erva.
               Mas a sua canção vívida
Estremece a manhã sem fôlego, confiando
Que os homens o acharão uma flor inútil,
Os animais apenas notarão uma pedra preciosa. 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

 MIROSLAV HOLUB


   A MOSCA

Pousou num tronco de salgueiro
observando
parte da batalha de Crécy,
os gritos,
os arquejos,
os gemidos,
a correria e a confusão.

Durante a décima quarta carga
da cavalaria francesa
acasalou
com uma mosca macho de olhos castanhos
de Vadincourt.

Esfregou as patas
e pousou num cavalo desventrado
meditando
na imortalidade das moscas.

Com alívio aterrou
na língua azul
do duque de Clervaux.

Quando o silêncio desceu
e apenas o murmúrio de podridão
rodeou levemente os corpos

e apenas
poucos braços e pernas
ainda se contorciam debaixo das árvores

começou a depositar os ovos
no único olho
de Johann Uhr,
o Armeiro Real.

E foi assim
que foi comida por um gaivão
que fugia
dos fogos de Estrées.

terça-feira, 22 de dezembro de 2020

 AURORA LUQUE


   HOMENAJE A CAVADÍAS

Duerme,
duérmete mar abajo, pecho adentro,
toma tu camiseta roja y descolorida,
toma tus glamorosas olas engalanadas,
diles que sabes algo del sexo de los barcos.

Duerme.
No iremos a Kalymnos,
no veremos volver el barco con esponjas.
Pero en la calle un hombre con un siglo
dio su nombre,
                         y los nombres
penetran como reyes
en la cabaña sórdida del tiempo.

Duerme.
Que la sirena díscola de tu tatuaje
no te abandone nunca cuando duermas.


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   HOMENAGEM A CAVADÍAS

Dorme,
adormece mar abaixo, peito adentro,
agarra a tua camisa vermelha e descolorida,
agarra as tuas glamorosas ondas engalanadas,
diz-lhes que sabes algo do sexo dos barcos.

Dorme.
Não iremos a Kalymnos,
não veremos voltar o barco com esponjas.
Mas na rua um homem com um século
deu o seu nome
                           e os nomes
penetram como reis
na cabana sórdida do tempo.

Dorme.
Que a sereia díscola da tua tatuagem
não te abandone nunca quando dormes. 



domingo, 20 de dezembro de 2020

 PABLO GARCÍA CASADO


NÚMERO SEIS

me besa me desnuda hace de mí lo que quiere
estoy borracha todo mr da vueltas tengo que ir
al baño dos veces para no vomitarle encima

se marcha temprano a toda prisa no hay despedida
nota justificativa o teléfono de contacto sólo dudas
todos los hombres son príncipes a las cinco de la mañana

todas las putas son tú cuando despiertas y no hay nadie


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NÚMERO SEIS

beija-me desnuda-me faz de mim o que quer
estou bêbeda tudo me dá voltas tenho que ir
à casa de banho duas vezes para não lhe vomitar em cima

vai-se embora a toda a pressa não há despedida
nota justificativa ou telefone de contacto só dúvidas
todos os homens são príncipes às cinco da manhã

todas as putas são tu quando despertas e não há ninguém

sábado, 19 de dezembro de 2020

 JULIOMARTÍNEZ MESANZA


     REMEDIA AMORIS I

Amigos, el amor me perjudica:
no permitáis que caiga nuevamente.
Podemos emprender una campaña
o el estudio de textos olvidados:
algo que me mantenga distraído.
No me habléis de la dulce voz da aquella
ni del hermoso talle de esa otra.
Quemad todo retrato, ensordecedme,
poned sus armas en mis proprias manos.
Si sé el secreto, su poder se extingue:
ellas son incapaces de ternura.


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   REMEDIA AMORIS I

Amigos, o amor prejudica-me:
não permitais que caia novamente.
Podemos empreender uma campanha
ou o estudo de textos olvidados:
algo que me mantenha distraído.
Não me faleis da doce voz daquela,
nem da formosa cintura dessa outra.
Queimai todos os retratos, ensurdecei-me,
ponde as suas armas nas minhas próprias mãos.
Se souber o segredo, o seu poder extingue-se:
elas são incapazes de ternura.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

 ANTHONY HECHT


PERIPETEIA

Of course, the familiar rustling of programs,
My hair mussed from behind by a grand gesture
Of mink. A little craning about to see
If anyone I know is in the audience,
And, as the house fills up,
A mild relief that no one there Knows me.
A certain amount of getting up and down
From my aisle seat to let the others in.
Then my eyes wonder briefly over the cast,
Management, stand-ins, make-up men, designers,
Perfume and liquor ads, ans rise prayerlike
To the false heaven of rosetted lights,
The stucco lyres and emblems of high art
That promise, witn crude Broadway honesty,
Something less than perfection:
Two bulls are missing and Apollo's bored.

And then the cool, drawn-out anticipation,
Not of the play itself, but the false dusk
And equally false night when the houselights
Obey some planetary rheostat
And bring a stillness on. It is that stillness
I wait for.
                 Before it comes,
Whether we like it or not, we are a crowd,
Foul-breathed, gum-chewing, fat with arrogance,
Passion, opinion, and appetite for blood.
But in that instant, which the mind protracts,
From dim to dark before the curtain rises,
Each of us is miraculously alone
In calm, invunerable isolation,
Neither a neighbor nor a fellow but,
As at the beginning and end, a single soul,
With all the sweet and sour of loneliness.
I, as a connoisseur of loneliness,
Savour it richly, and set it down
In an endless umber landscape, a stubble field
Under a lilac, electric, storm-flushed sky,
Where, in companionship with wirthless stones,
Mica-flecked, or at best some rusty quartz,
I stood in childood, waiting for thigs to mend.
A useful discipline, perhaps. One that might lead
To solitary, self-denying work
That issues in something harmless, like a poem,
Governed by laws that stand for other laws,
Both of which aim, through kindred disciplines,
At the soul's knowledge and habiliment.
In any case, in a self-granted freedom,
The mind, lone regent of itself, prolongs
The dark and silence; mirrors itself, delights
In consciousness of consciousness, alone,
Sufficient, nimble, touched with a smaal grace.

Then, as it must at last, the curtain rises,
The play begins. Something by Shakespeare,
Framed in the arched proscenium, it seems
A dream, neither better nor worse
Than whatever I shall dream after I rise
With hat and coat, go home to bed, and dream.
If anything, more limited, more strict -
No one will fly or turn into a moose.
But acceptable, like a dream, because remote,
And there is, after all, a pretty girl.
Perhaps tonight she'll figure in the cast
I summon to my slumber and control
In vast arenas, limitless space, and time
That yield and sway in soft Einsteinian tides.
Who is she? Sylvia? Amelia Earhart?
Some creature that appears and disappears
From life, from reverie, a fugitive or dreams?
There on the stage, with awkward grace, the actors,
Beautifully costumed in Renaissance brocade,
Perform their duties, even as I must mine,
Though not, as I am, always free to smile.

Something is happening. Some consternation.
Are the knives out? Is someone's life in danger?
And can the magic cloak and book protect?
One has, of course, real confidence in Shakespeare.
And I relax in my plush seat, convinced
That prompt as dawn and genuine as a toothache
The dream will be accomplished, provisionally true
As anything else one cares to think about.
The players are aghast. Can it be the villain,
The outageous drunks, plotting the coup d'état,
Are slyer than we thought? Or we more innocent?
Can it be that poems lie? As in a dream,
Leaving a stunned and gap-mouthed Ferdinand,
Father and faery pageant, she, even she,
Miraculous Miranda, steps from the stage,
Moves up the aisle to my seat, where she stops,
Smiles gently, seriously, and takes my hand
And leads me out of the theatre, into a night
As luminous as noon, more deeply real,
Simply because of her hand, than any dream
Shakespeare or I or anyone ever dreamed.


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   PERIPETEIA

Por certo, o manuseio familiar de programas,
O meu cabelo desarranjado por trás por um gesto largo
De vison. Um ligeiro olhar à volta para ver
Se alguém conhecido está na audiência
E, à medida que a casa enche,
Um inofensivo alívio por ali ninguém me conhecer.
Levantar e sentar com alguma frequência
Do meu assento de coxia, para outros entrarem.
Então passo brevemente os olhos sobre o elenco,
Administração, duplos, maquilhadores, designers,
Anúncios de perfume e bebidas e olhar em jeito de prece
Para o céu falso de lâmpadas em roseta,
As liras de estuque e emblemas de grande arte
Que prometem, com a honestidade rude da Broadway,
Algo menos que perfeição:
Faltam dois touros e Apolo está entediado.

E depois a calma, prolongada antecipação
Não da peça em si, mas do falso crepúsculo
E igualmente falsa noite, em que as luzes
Obedecem certo reóstato planetário
E trazem tranquilidade. É por essa tranquilidade
Que espero. 
                     Antes que chegue,
Gostemos disso ou não, somos uma multidão,
De mau hálito, mastigadora de pastilhas, obesos de arrogância,
Paixão, opinião e apetite de sangue.
Mas, nesse instante, que a mente prolonga,
Do sombrio ao escuro, antes de a cortina subir,
todos estamos miracuolosamente sós,
Em isolamento calmo, invunerável,
Nem um vizinho, nem um parceiro, mas,
No início e no fim, uma única alma,
Com todo o doce e amargo da solidão,
Eu, como um perito em solidão,
Saboreio-a requintadamente, 
Deposito-a numa paisagem ocre, um campo de restolho
Sob um céu lilás, eléctrico, tempestuoso,
Onde, na companhia de rochas sem préstimo,
Salpicadas de mica, ou, pelo melhor, quartzo enferrujado,
Eu tinha estado na infância, à espera do conserto das coisas.
Uma disciplina útil, talvez. Uma que pode conduzir
A trabalho solitário, abnegado,
Que resulta em algo inofensivo, como um poema,
Governado por leis que existem por outras leis,
Ambas apostadas, por semelhantes disciplinas
Ao conhecimento e atavio da alma.
Em qualquer caso, numa liberdade auto-oferecida,
A mente, única regente de si mesma, prolonga
A escuridão e o silêncio; espelha-se, alegra-se
Na consciência da consciência, sozinha,
Suficiente, sagaz, tocada por ligeira graça.

Então, como por fim é devido, a cortina sobe,
A peça começa. Algo de Shakespeare.
Enquadrada no proscénio arqueado, parece
Um sonho, nem melhor nem pior
Do que o que sonharei após me levantar
Com chapéu e casaco, ir para a cama e sonhar.
Porventura, mais limitado, mais estrito -
ninguém irá voar ou tornar.se um alce.
Mas aceitável, como um sonho, porque remoto,
E há, além de mais, uma rapariga bonita.
Talvez ela hoje figure no elenco
Que convoco para a minha modorra e controlo
Em arenas vastas, espaço ilimitado e tempo
Que cede e oscila em marés suaves, einsteinianas.
Quem é ela? Sylvia? Amelia Earhart?
Qualquer criatura que aparece e desaparece
Da vida, do devaneio, uma fugitiva de sonhos?
Ali no palco, com graça canhestra, os actores,
Belamente vestidos em brocado da Renascença,
Cumprem os seus papéis, como eu o meu,
Embora não, como eu, autorizados sempre a sorrir.

Alguma coisa está a acontecer. Alguma consternação.
Desembainharam os punhais? Está a vida de alguém em perigo?
E a capa e o livro mágicos podem proteger?
Tem-se, é claro, total confiança em Shakespeare.
E eu relaxo no meu assento confortável, convencido
Que pontual como madrugada e genuíno como dor de dentes
O sonho será cumprido, provisoriamente verdadeiro
Como tudo o mais em que nos preocupa pensar.
Os actores estão aterrados. Será que os vilões,
Os bêbedos abomináveis, planeando um golpe de estado,
São mais ardilosos que pensávamos? Ou nós mais inocentes?
Poderão os poemas mentir? Como num sonho,
Abandonando um Ferdinand atónito, boquiaberto,
Pai e irreal préstito, ela, ela própria,
Miraculosa Miranda, desce do palco, 
Sobe a coxia até ao meu assento, onde para,
Sorri gentilmente, seriamente, e pega na minha mão
E conduz.me para fora do teatro, para uma noite
Tão luminosa como meio-dia, mais fundamente real,
Apenas por causa da sua mão, do que qualquer sonho
Que Shakespeare ou eu ou alguém jamais sonhou.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


               ISABEL

Isabel se ha matado. Dejó cartas absurdas
con recomendaciones y sarcasmos estúpidos.
Lo consiguó por fin, y me alegro por ella:
sufría demasiado. En la autopsia el forense
desmenuzó su cuerpo y encontró dentelladas
cerca del corazón y a la altura del pubis.
No hay luz en la buhardilla de Zurbano. El silencio
pasea su victoria sobre las papelinas
ocultas en el libro de Arcimboldo, y la muerte
ha llenado la casa de paz y de goteras;
sigue abierto on tebeo de Conan por la página
en que matan a Bélit, y otro de Gwendoline
con manchas de carmín en las dulces heridas.
Isabel ha dejado de molestar. Sus ojos
ya no arrojan al mar residuos radiactivos.


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    ISABEL

Isabel matou-se. Deixou cartas absurdas
com recomendações e sarcasmos estúpidos.
Por fim, conseguiu-o e alegro-me por ela:
sofria demasiado. Na autópsia o legista
retalhou-lhe o corpo e encontrou dentadas
junto ao coração e na zona do púbis.
Não há luz nas águas-furtadas de Zurbano. O silêncio
passeia a sua vitória sobre as doses
ocultadas no livro de Arcimboldo e a morte
encheu a casa de paz e de goteiras;
continua aberta uma banda desenhada de Conan na página
em que matou Bélit, e outra de Gwendoline
com manchas de carmim nas doces feridas.
Isabel deixou de incomodar. Os seus olhos
já não lançam ao mar resíduos radioactivos.  

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

 JON JUARISTI´


ANTE EL CICUENTENARIO DE UNA GUERRA CIVIL 

Amenaza un espléndido verano.
No debes empezar a lamentarte.
Tiempo habrá para ello, aunque a ti no
te parezca bastante.

De sobra sabes quiénes te robaron la vida.
También con ellos saldarás las cuentas.
Son viejos. Son estúpidos. Deja pasar el tiempo
y siéntate a la puerta.

Ellos, los derrotados de entonces, los eternos
abeles, se cobraron con creces la derrota
en vosotros, sus hijos. Tómatelo con valma,
mas toma buena nota.

No te fue dado decidir qué patria
habrá de tocarte en suerte, hermano.
Paciencia y barajar. Ahora amenaza un
espléndido verano.


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PERANTE O CINQUENTENÁRIO DE UMA GUERRA CIVIL

Ameaça um esplêndido verão.
Não deves começar a lamentar-te.
Haverá tempo para isso, embora a ti não
te pareça bastante.

Sabes, de sobra, quem te roubou a vida.
Também com eles saldarás contas.
São velhos. São estúpidos. Deixa passar o tempo
e senta-te à porta.

Eles, os derrotados de então. Os eternos
abéis. cobraram com juros a derrota
a vós, filhos. Toma-o com calma,
mas toma boa nota.

Não te foi dado decidir que pátria
havia de calhar-te, irmão.
Paciência e baralhar. Agora começa um
esplêndido verão. 
 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020

 WELDON KEES


HOMAGE TO ARTHUR WALEY

Seattle weather: it has rained for weeks in this town,
The dampness breeding moths and a gray summer.
I sit in thr smoky room reading your book again,
My eyes raw, hearing the trains steaming bellow me
In the wet yard, and I wonder if you are still alive. 
Turning the worn pages, reading once more:
"By misty waters and rainy sands, while the yellow dusk
     thickens."


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HOMENAGEM A ARTHUR WALEY

Tempo de Seattle: choveu durante semanas nesta cidade,
A humidade alimentando traças e um verão cinzento.
Sento-me na sala fumarenta lendo, de novo, o teu livro,
Os meus olhos ásperos, ouvindo os comboios a fumegar lá em baixo
No pátio encharcado e pergunto-me se ainda estarás vivo.
Virando as páginas gastas, lendo mais uma vez:
"Junto a águas enevoadas e areias ensopadas, enquanto o crepúsculo amarelo
    espessa."

domingo, 13 de dezembro de 2020

 VÍCTOR BOTAS


DONDE EL POETA (AL CANTAR 
SUS ÍNTIMOS ARDORES) COMPARÁSE 
CON EL MISMÍSIMO NELSON

Os lo juro, señora, os lo prometo:
cuánto me hacéis pecar, qué demasiado,
qué a tope me ponéis (y tan doliente),
si os miro pasar entre las lilas.
Y vos bien lo sabéis, so picarona,
venga a jugar, venga a mover el culo,
venga a exhibir vuestras temibles armas,
esos mil defectillos deliciosos
con que vos montáis toda esta componenda
del sex appeal maldito, que me turba.
Entonces, ya rabioso, voy y empiezo
a imaginar como estaríais, Lola,
derrotada en vuestro lecho,
y qué sería de mí que ya me veo
dejándome la polla, en vuestros muslos
abiertos como pétalos de rosa,
perdida con los líquidos viscosos,
con vuestros sacratísimos humores.
Y más tiesa, por cierto, que aquel Nelson
cuando por fin se va de Gibraltar,
invicto, heroico, mártir y en salmuera.


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ONDE O POETA (AO CANTAR
OS SEUS INTÍMOS ARDORES)
SE COMPARA COM O MESMÍSSIMO NELSON

Juro-vos, senhora, prometo-vos:
quanto me fazeis pecar, tão demasiado,
que no limite me pondes (e tão enfermo)
se vos vejo passar entre os lilases.
E vós bem o sabeis, tão sedutora,
ora a provocar, ora a dar ao rabo,
ora a exibir as vossas armas temíveis,
esses mil defeitozinhos deliciosos,
com que armais toda esta traficância
do maldito sex appeal, que me perturba.
Então, já raivoso, desato
a imaginar como estarieis, Lola,
deitada, estendida na vossa cama
e que seria de mim que já me vejo
deixando a piça nas vossas coxas
abertas como pétalas de rosa,
perdida nos líquidos viscosos,
nos vossos sacrossantos humores.
E mais tesa, por certo, que aquele Nelson,
quando, por fim, partiu de Gibraltar,
invicto, heróico, mártir e em salmoura.

sábado, 12 de dezembro de 2020

 J. V. CUNNINGHAM


ARS AMORIS

Speak to her heart.
That manic force
When wits depart
Forbids remorse.

Dream with her dreaming
Until her lust
Seems to her seeming
An act of trust.

Do without doing
Love's wilful potion
Veils the ensuing
And brief, commotion.


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ARS AMORIS

Fala ao seu coração.
Essa força maníaca
Quando o siso parte
Proíbe remorso.

Sonha com os seus sonhos 
Até que o seu desejo
Lhe pareça que seja
Um acto de confiança.

Faz sem fazer.
A poção obstinada do amor
Esconde o resultante
E breve, alvoroço.

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

 DICK DAVIS


DESIRE

Of the violence of that pain
What poor traces still remain -

This I learnt: the wry technique
Of avoiding what I seek.


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DESEJO

Da violência dessa dor
Que pobres traços ainda persistem -

Tal aprendi; a técnica oblíqua
De evitar o que persigo.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

 MIGUEL D'ORS


    "TALLER DE ESCRITURA CREATIVA"

Muy bien; ya te obedcen la rima, el metro, el verso
libre contemporáneo, los géneros poéticos,
el tono, el personaje; ya posees
el angho repertorio del oficio: la imagen,
la metáfora, el símil, la metonimia, el en-
cabalgamiento, la aliterácion,
el idioma con todas sus reglas y excepciones,
sin faltar el zeugma ni la epanadiplosis.

Ahora solo te falta
que tu sangre y tus niervos se rocen treinta años
con el mal, la grandeza, la estupidez del mundo;
tener colmada la memoria de
tierras, gentes, palabras, noches, libros, catástrofes;
las cicatrices de querer y ser querido
y de querer sin ser querido, y ser querido
sin querer, y querer no queriendo querer;
y haber cursado un máster de soledad, y que
el aletazo negro de la muerte
se haya rozado alguna vez el hombro.

Y después ya veremos
qué era lo que tenía determinado Apolo
(que, para oscurecer
un poco más la situación, no existe).


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   "OFICINA DE ESCRITA CRIATIVA"

Muito bem: já te obedecem a rima, o metro, o verso
livre contemporâneo, os géneros poéticos,
o tom, a personagem; já possuis 
o amplo repertório do ofício: a imagem,
a metáfora, o símile, a metonímia, o en-
cavalgamento, a aliteração,
o idioma com todas as suas regras e excepções,
sem faltar sequer o zeugma e a epanadiplose.

Agora só te falta
que o teu sangue e os teus nervos afrontem trinta anos
o mal, a grandeza, a estupidez do mundo;
ter atulhado a memória de
terras, gentes, palavras, noites, livros, catástrofes;
as cicatrizes de querer e ser querido,
e de querer sem ser querido e ser querido
sem querer e querer não querendo querer;
e ter frequentado um mestrado de solidão e que
o golpe da asa negra da morte
alguma vez te tenha roçado o ombro.

E depois logo veremos
o que era que tinha determinado Apolo
(que, para confundir
um pouco mais a situação, não existe).

domingo, 6 de dezembro de 2020

 W. H. AUDEN


    GARE DU MIDI

A nondescript express in from the South,
Crowds round the ticket barrier, a face
To welcome which the mayor has not contrived
Bugles or braid: somrthing about the mouth
Distracts the stray look with alarm and pity.
Snow is falling. Clutching a little case,
He walks out briskly to infect a city
Whose terrible future may have just have arrived.


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    GARE DU MIDI

Um expresso do Sul insignificante.
Multidões à volta da bilheteira, uma cara
A saudar que a vereação não celebrou
Com fanfarras ou galões: algo em torno da boca
Perturba o olhar errante com alarme e piedade.
Neva. Empunhando uma maleta,
Caminha energicamente pra enfrentar uma cidade
Cujo terrível futuro pode ter acabado de chegar.



        

sábado, 5 de dezembro de 2020

 LUCIANO ERBA


AUTORITRATTO 

Uomo vecchio in città 
disperso su tronchi secondari di ferrovia 
o com un piatto di lesso 
davanti a tetti umidi di pioggia. 

Tutti qui il tuo quie ora? 
Interroghi l’alfabeto delle cose 
ma al tuo non capire niente di ogni sera 
sai la risposta di un mazzo di rose? 

Rimani quello che andava per ciliege 
e a mani vuote 
strappava al tronco nastri di corteccia. 

Resti un ladro di polli 
con gli occhi oggi ancora spuvveduti 
di quando in ritardo andavi a scuola


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AUTO-RETRATO 

Homem velho na cidade 
perdido em linhas secundárias de comboio 
ou com um prato de cozido 
diante de tectos húmidos de chuva. 

Tudo aqui o teu que é agora? 
Interrogas o alfabeto das coisas 
mas ao teu nada entender de cada noite 
sabes a resposta de um ramo de rosas? 

Permaneces aquele que andava às cerejas 
e de mãos vazias 
arrancava do tronco tiras de casca. 

Continuas um ladrão de galinhas 
com os olhos ainda hoje desprevenidos 
de quando ias atrasado para a escola

sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

 PEIRE VIDAL (...1183-1204...)


Baron, Jhesus, qu'en crotz fon mes
per salvar crestiana gen,
nos mand'a totz comunalmen
qu'anem cobrar lo saint paes,
on venc per nostr'amor morir.
E si no-l volem obezir,
lai on feniran tuit li plag,
n'auzirem maint esquiu retrag.

Que-l saint Paradis que-ns promes,
on non a pena ni tormen,
voi aura liurar francamen
a sels qu'iran ab lo Marques
outra la mar per Dieu servir;
e cill qui no-l volran seguir,
non i aura negun, brun ni brag,
que no-n puesc'aver gran esglag.

E veiatz del segle qual es,
que qui-l sec plus, ai pieitz s'en pren;
pero non i a mas un bon sen:
qu'om lais los mals e prenda-ls bes,
Que pus la mortz vol assalhir,
negus non pot ni sap gandir.
Doncs pus tuit morem atrazag,
ben es fols qui viu mal ni lag.

Tot lo segle vei sobrepes
d'enjan e de galiamen;
e son ja tan li mescrezen
c'apenas renha dreigz ni fes,
que quasqus ponha en trair
son amic per si enrequir.
Pero-lh trachor son aissi trag,
cum selh qui beu tueissec ab lag.

Catalan et aragones
an senhor honrat e valen
e larc e franc e conoissen,
humil et adreg e cortes.
Mas trop laissa enmanentir
sos sers, cui Dieus bais et azir;
qa'a totz jorns estan en agag
per fare n cort dan et empag.

Reis aunitz val meins que pages,
quan viu a lei de recrezen
e piora-ls bes qu'autre despen
e pert so que-l paire conques.
Aitals reis fari'ad aucir
et en lach lues a sebelhir,
qui-s defen a lei de contrag
e no pren ni dona gamag.

Domnas vielhas non am ieu ges,
quan vivon descauzidamen
contr'Amor e contra Joven;
quar fir paratg'an si mal mes,
fer es de comtar e de dir
e fer d'escotar e d'auzir;
quar franc domnei an si tot frag
qu'entre lor no-n trob'om escag.

Dona, si-m tenetz en defes
que d'al re non ai pessamen
mas de far vostre mandamen.
E s'en grat servir vos pogues
entre-l despulhar e-l vestir,
ja mais mals no-m pogra venir;
quar vostre dig e vostre fag
m'an sabor de roza de mag.

Reis de Leon, senes mentir,
devetz honrat pretz reculhir,
cum selh qui semen'en garag
temprat d'umor ab douz complag.


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Barões, Jesus, que foi crucificado
para salvar a gente cristã,
ordena a todos, sem excepção,
ir recuperar o santo país.
onde veio, por nosso amor, morrer.
E se não queremos obedecer-lhe,
quando acabarem todas as disputas,
ouviremos muitas, duras, reprimendas.

O santo Paraíso, que nos prometeu,
onde não há pena, nem tormento,
irá dá-lo livremente 
a quem for com o Marquês
ao ultramar, para Deus servir;
os que o não queiram seguir,
nenhum haverá, moreno ou louro,
que grande medo não vitime.

Vede como é o mundo,
que quem mais o segue pior lhe passa;
só há um juízo certo:
que se deixem os males e se tomem os bens,
que quando a morte assalta 
ninguém pode, nem sabe, evitá-la.
Já que todos temos que morrer,
é louco quem vive no mal e na vileza.

Todo o mundo vejo surpreso
por enganos e por trapaças;
e já são tantos os descrentes,
que mal reinam direito e fé,
que qualquer pugne por trair
o seu amigo e enriquecer.
Mas os traidores serão atraiçoados,
como quem no leite bebe veneno.

Catalães e aragoneses
têm senhor honrado e valente,
generoso, nobre e aconselhado,
humilde, hábil e cortês.
Mas deixa que prosperem demasiado
os seus servos, que Deus humilhe e confunda,
pois estão todos sempre à espreita
de, na corte, fazerem dano e estorvo.

Rei desonrado vale menos que campónio,
se vive como um cobarde
e chora os bens que outros gastam
e perde os que o seu pai conquistou.
Tal rei deveria ser morto
e enterrado em sítio escuro,
que é reprovável a sua conduta
e não dá nem recebe golpes.

Donas velhas não me agradam,
que vivem descuidadamente,
contra Amor e contra Juventude;
à nobreza tanto prejudicam,
duro é de contar e dizer
e duro de escutar e de ouvir;
romperam de tal forma a cortesia
que, entre elas, de todo, não se encontra.

Dona, defendeis-me de tal forma,
que mais nada me aflige
senão cumprir vossas ordens.
Se me fosse concedido servir-vos,
entre o desnudar e o vestir,
já nenhum mal me poderia atingir;
os vossos ditos e as vossas obras
sabem-me a rosa de Maio.

Rei de Leão, sem mentir,
deveis alcançar mérito honrado,
como quem semeia em alqueive
bem regado, para bom fim.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 GIUSEPPE GIOACHINO BELLI


      LA LÈGGE 

La lègge a Roma sc’è, sori stivali: 
io nun ho detto mai che nun ce sia: 
ché er Governo há trescent’una scanzia 
tutte zeppe de bbani ggenerali.

E mmanco vederete caristia 
d’abbti, monziggnori e cardinali, 
giudisci de li sagri tribbunali, 
da impiccavve sur detto d’una spia. 

La mi’ proposizzione è stata questa, 
c’un ladro che ttiè a mezzo chi ccomanna 
e ccià ddonne che ss’arzino la vesta, 

rubbassi er palazzon de Propaganna, 
troverete er cazzaccio che lárresta 
ma nun trovate mai chi lo condanna. 
 
                                                            8 Aprile 1834

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              A LEI 

Existe lei, em Roma, ó cavalheiros: 
nunca eu disse que não havia: 
o Governo tem trezentas e uma estantes 
todas atulhadas de decretos capitais. 

E nunca vereis haver carestia 
de abades, monsenhores, cardeais, 
juízes do sacro tribunal 
a enforcar-vos por denúncia de espia. 

A minha posição é antes esta, 
que um ladrão conluiado com o mando 
e com mulheres que ergam as saias, 

se roubasse o palácio da Propaganda, 
encontraria o palerma que o prendesse, 
mas nunca quem o condenasse.

                                                             8 de Abril de 1834



                   ER BUSCIO DE LA CHIAVE 

Gran nove! La padrona e cquer Contino 
scopa de la città, spia der governo, 
ar zòlito a ttre ora se chiuderno 
a ddì er santo rosario in cammerino. 

“Ebbè”, cominciò llei cor zu’ voscino, 
“sta vorta sola, e ppoi mai ppiù in eterno”. 
“E cche! avete pavura de línferno?”, 
j’arisponneva lui pianin pianino. 

“L’inferno è un’invenzion de preti e ffrati 
pe ttirà nne la rete li merlotti, 
ma nnò cquelli che ssò sprerggiudicati”. 

Fin qui intesi parlà: poi laggni, fiotti, 
mezze-vosce, sospiri soffogati… 
Cos’averanno fatto, oh ggiuvenotti? 

                                                            29 Aprile 1834


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                     O BURACO DA FECHADURA 

Grandes novas! A patroa e esse condezinho 
coscuvilheiro, espia do governo,
 a sós, pela tardinha, fecharam-se 
na alcova para rezar o santo rosário. 

“Vá lá”, começou a vozinha dele, 
“só esta vez e nunca mais, pelo eterno”. 
“O quê? Tereis medo do inferno?”, 
já respondia ele, muito baixinho. 

“O inferno é invenção de curas e frades 
para apanhar na rede os simplórios, 
mas não aqueles mais entendidos”. 

Logo, calaram-se: depois gemidos, 
sussurros, a meia voz, suspiros sufocados… 
que estariam a fazer, meu jovem? 

                                                              29 de Abril 1834

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

 ANÓNIMOS (ANTES DE 1330)


A tua casa está atulhada
de livros de teologia. Porquê?
São inúteis sem dinheiro,
o qual não possuis.
Ouro é que precisas, moedas
do país! A tua rapariga
cuida da Suma Teológica
e de toda essa tralha?


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O mundo é balança, onde os homens são pesados -
quanto piores mais se gabam;
mas é assim que estão feitas as balanças -
o prato vazio é o que se eleva.





  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...