quarta-feira, 31 de agosto de 2022

JULIO MARTÍNEZ MESANZA

DE ESTE OTOÑO

Si no he salvado el sol de este verano,
sus doradas mañanas, sus ocasos,
que yo no agradecía y regresaban
para darme su luz y su hermosura;
si no he salvado lo que se salvaba
con un sencillo sí y una sonrisa,
nada puedo oponer al cielo bajo
y a las nubes de barro de este otoño.


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DE ESTE OUTONO

Se não salvei o sol de este verão,
as suas douradas manhãs, os seus ocasos,
que eu não agradecia e regressavam
para dar-me a sua luz e a sua formosura;
se não salvei o que se salvava
com um singelo sim e um sorriso,
nada posso opôr ao céu baixo
e às nuvens de barro de este outono.

terça-feira, 30 de agosto de 2022

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


VARIACIÓN SOBRE UN TEMA DE MIMNERMO

Fuera de los regalos que dispensa Afrodita,
lejos de los placeres de la carne, ¿qué queda
que pueda resultar medianemente grato,
cuando lo principal nos dejó para siempre?
No es solo fealdad lo que trae la vejez,
sino también ruindad. De viejos, contemplamos
el mundo con rencor. Nos parece imposible
que haya acabado todo tan pronto, y se nos frunce
el ceño, y comenzamos a detestar palabras
como 'joven', 'frescor', 'lozania', 'verano',
y nos hacemos turbios, con posos permanentes
en el alma, envidiosos de cuanto nos rodea.
Esos cuerpos triunfantes, esas miradas limpias
e ingenuas, esos pechos erguidos, esos muslos
compactos continúan tentando nuestra carne
fofa, inútil, añosa. Siguen soliviántandonos
como antes. Pero antes no éramos invisibles
para ellos, y ahora somos apenas sombras
que les salen al paso, regiones devastadas
por la edad, repulsivas reliquias de otro tiempo.


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VARIAÇÃO SOBRE UM TEMA DE MIMNERMO

De fora dos presentes que dispensa Afrodite,
longe dos prazeres da carne, que resta
que fosse resultar medianamente grato,
quando o principal nos deixou para sempre?
Não é só fealdade o que traz a velhice,
mas também ruindade. Quando velhos, contemplamos
o mundo com rancor. Parece-nos impossível
que tudo tenha terminado tão depressa e franzimos
o sobrolho e começamos a detestar palavras
como 'jovem', 'frescura', 'louçania', 'verão'; 
e ficamos confusos com borras permanentes
na alma, invejosos de quanto nos rodeia.
Esses corpos triunfantes, esses olhares límpidos
e ingénuos, esses peitos erguidos, essas coxas
compacyas continuam a tentar a nossa carne
mole, inútil, idosa. Continuam inquietando-nos
como dantes. Mas antes não eramos invisíveis
para eles e agora somos apenas sombras
que lhes saem ao caminho, regiões devastadas
pela idade, repulsivas relíquias de outro tempo.



segunda-feira, 29 de agosto de 2022

JON JUARISTI


BAB AL ZAKKA

                                               A Luis Javier Ruiz Sierra


Aquí, donde su clava se hizo llave,
Un atezado príncipe del Nilo
Concluyó el desmedido peristilo
Que circundara el piélago suave.
Entre Calpe y Abila, aquí, la nave
Del Laértida artero probó el filo
Del tenebroso Oceáno intranquilo
Donde la voz del dios se torna grave.
También nosotros, en la Puerta Estrecha,
Cuando todo es tormenta por delante,
Tornamos la mirada hacia Levante,
Pero brama la voz: "¡Pasad la brecha!"
Plus Ultra. Hay que partir con alegría:
Queda mucha derrota todavía.


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BAB AL ZAKKA                

                                 Para Luis Javier Ruiz Sierra


Aqui, onde a sua clava se fez chave,
Um tisnado princípe do Nilo
Concluiu o desmedido peristilo
Que circundara o pélago suave.
Entre Calpe e Abila, aqui, a nave
Do Laértida arteiro provou o fio
Do tenebroso Oceano intranquilo
Onde a voz do deus se torna grave.
Também nós, na Porta Estreita,
Quando tudo é tormenta para diante
Voltamos o olhar para Levante.
Mas brama a voz: "Passai a brecha!"
Plus Ultra. Há que partir com alegria:
Resta muita derrota todavia.
                                 



domingo, 28 de agosto de 2022

WELDON KEES

THE OLDER PROGRAMS THAT WE FALSIFIED

The older programs that we falsified,
Tired comrades, float above our heads
Like frightened birds and will not be ignored.
Observable but silent, they have cried
To some of us for years, while sleepless in our beds
We thought we heard the gavel's welcome rapping, floored
Opponents who had long been dead,
Who took to drink or drugs or politics,
Or merely died, or carved out new careers
In government or in the theatre.
Not all of us, indeed, are here tonight,
Some joined the enemy (forgive my smile), some dragged their fears
To psychoanalysts or into the dark,
Or shot themselves in bathrooms. Has it been ten years?
So long as that? Well, here we are again.


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OS PROGRAMAS MAIS ANTIGOS QUE FALSIFICÀMOS

Os programas mais antigos que falsificàmos,
Camaradas fatigados, planam por cima das nossas cabeças
Como pássroa assustados e não serão ignorados.
Observáveis, mas silenciosos, chamaram 
Por alguns de nós durante anos, enquanto na cama insones
Pensámos ouvir o batimento bem-vindo do martelo, derrotados
Oponentes mortos há muito tempo,
Que caíram na bebida, nas drogas, ou na política,
Ou tão só morreram, ou construiram novas carreiras
No governo ou no teatro.
Nem todos nós, sem dúvida, estamos aqui, esta noite.
Alguns juntaram-se ao inimigo (perdoem-me o sorriso), outros   arrastaram os seus medos
Para os psicoanalistas ou para a escuridão,
Ou deram um tiro na cabeça, na casa de banho. Foi já há dez anos?
Há tanto tempo? Bom, aqui estamos de novo.
                     

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

 VÍCTOR BOTAS

HISTORIA ANTIGUA

Temístocles contempla victorioso,
bajo el alto penacho de crin trémula al viento,
el mar de Salamina - cabrilleo
de espumas, azules ondas, naves
a la deriva y
esa leve calma opalescente,
preludio del crepúsculo. Pisa, 
de cuando en cuando, caras machacadas,
brazos, testículos, que el golpe
(no certero: casual) de alguna espada
derramó ensangretados
en cubierta.
                    Luce César, camino
de las aras de Júpiter, allá en el Capitolio,
cubierto de cadenas para pasmo
de Roma, al gran Vercingetorix, 
antes de darle muerte,
mientras nubes de incienso y lentos flámines
suspiran en honor
de los dioses amigos de las siete colinas.
                                                                  Urbano
el Papa anuncia desde su
áurea silla curul/curil, que irán
al cielo quienes
tomen las armas (y la cruz)
contra el infiel que ocupa Tierra
Santa - Aquí,
aquí, sí que hubo, sin
figura retórica ninguna, bulas
para difuntos
futuros.
                              Indios
conversos a cristazo limpio.
                                             Negros
que Europa puso al tajo para hacer
las Américas.
                      Estirados ingleses
que pasan sonriendo fusta en mano
junto al sagrado Ganges,
saludan delicados a una lady preciosa, cogen
la metralleta
y se van tan campantes a borrar para siempre
del mapa aquel tenor que
se llamaba Adolfo,
a golpes de hamburguesas, donuts y
cocacola.
                Cuántas
barbaridades. Cuántas.
Y muy de agradecer, seguramente.   


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HISTÓRIA ANTIGA

Temístocles contempla vitorioso,
sob o alto penacho de crina trémulo ao vento,
o mar de Salamina - cabreado
de espumas, ondas azuis, naves
à deriva e essa neblina opalescente,
prelúdio do crepúsculo. Pisa,
de quando em vez, caras destroçadas, braços
soltos, testículos que o golpe
(não certeiro: casual) de alguma espada
derramou ensanguentados
na coberta.
                   Exibe César, a caminho
das aras de Júpiter, ali no Capitólio,
coberto de cadeias para pasmo
de Roma, o grande Vercingétorix,
antes de o matar, 
enquanto nuvens de incenso e lentos flâmines
suspiram em honra
dos deuses amigos das sete colinas.
                                                          Urbano
o Papa anuncia desde a sua
áurea cadeira curul/curil, que irá
para o céu quem pegue
nas armas (e na cruz)
contra o infiel que ocupa a Terra
Santa. - Aqui,
aqui é que houve,sem
figura retórica nenhuma, balas
para defuntos 
futuros.
             Índios
convertidos a porrada limpa.
                                               Negros
que Europa pôs no cepo para fazer
as Américas.
                     Estirados ingleses
que passam sorrindo, chibata na mão,
junto ao sagrado Ganges,
saudam delicados uma lady primorosa, agarram
na metralhadora
e partem ufanos a limpar para sempre
do mapa aquele terror que
se chamava Adolfo,
a golpes de hamburguers, donuts
e coca-cola.
                    Quantas 
barbaridades. Quantas.
E para agradecimento, seguramente.


sexta-feira, 12 de agosto de 2022

 J. V. CUNNINGHAM

TO WHAT STRANGERS, WHAT WELCOME
A SEQUENCE OF SHORT POEMS

[3]

In a few days now when two memories meet
In that place of disease, waste, and desire
Where forms receptive, featureless, and vast
Find occupation, in that narrow dark,
That warm sweat of a carnal tenderness,
What figure in the pantheon of lust,
What demon is our god? What name subsumes
That act external to our sleeping selves?
Not pleasure - it is much too broad and narrow -,
Not sex, not for the moment love, but pride,
And not in prowess, bur pride undefined,
Autonomous in its unthought demands,
A bit of vanity, but mostly pride.


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[3]

Dentro de poucos dias quando duas recordações se encontram
Nesse local de doença, desperdício e desejo,
Onde formas receptivas, informes e vastas
Encontram ocupação, nesse negrume estreito,
Esse suor quente de uma ternura carnal,
Que efígie no panteão da luxúria,
Que demónio é nosso deus? Que nome abrange
Esse acto externo aos nossos seres adormecidos?
Não o prazer - é demasiado largo e estreito -
Não o sexo. não por agora o amor, mas orgulho,
E não na proeza, mas orgulho indefinido,
Autónomo nas suas exigências impensadas,
Um pouco de vaidade, mas principalmente orgulho.


terça-feira, 9 de agosto de 2022

 DICK DAVIS

DÉJÀ LU

I read my first book through again,
The poems of my messy twenties:
The stench of misery rose up,
Every last stanza stank of it.

And at the time I thought I'd been
So circumspect, impersonal,
Threading my way through myths and meters...
I´d never do that now of course.


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DÉJÀ LU

Li, de novo, o meu primeiro livro,
Os poemas dos meus confusos vinte:
O fedor da miséria levantou-se,
Era esse o cheiro de todas as estrofes.

E, na altura, pensei que fora
Tão circunspecto, impessoal,
Costurando o meu caminho por mitos e metros...
Algo que agora, claro, nunca faria.


segunda-feira, 8 de agosto de 2022

SZILÁRD BORBÉLY 

AETERNITAS
(I)

O Eterno é
frio, como o cinzel
usado para esculpir
a face do nosso Jesus.

O Eterno está submerso,
como o seixo,
quando se contempla o rio e se vê
a água novamente tranquila.

O Eterno evade-se,
como a mosca 
que se tenta agarrar em vão -
o inferno já.

O Eterno é profundo,
como essa atenção
na qual reside
a misericórdia do nosso Cristo.

O Eterno prossegue,
como o relógio,
embora talvez falhe
- por vezes . a madrugada.

O Eterno é aguçado
como a lâmina da faca
que a Morte enterra
no teu coração.

O Eterno é,
como a própria vida, efémero.
Chega ao fim
enquanto se fala.

domingo, 7 de agosto de 2022

MIGUEL D'ORS

 UN SONETO ME MANDA HACER QUEVEDO

Desayanuos noticias opiniones
martes lluvias atascos "buenos días"
clases fichas cafés bibliografías
facturas doctorados macarrones

semanas conferencias comisiones
alumnas primaveras guerras trajes
adioses onomásticas viajes
cartas amigos libros vacaciones

y se me van los años y me meto
ya en los últimos versos del soneto
y me alejo de mí en veloz huida

y contemplando tanta nada junta
mi casi medio siglo se pergunta
dónde demonios estará la vida

                                         10-XI-1995


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UM SONETO ME MANDA FAZER QUEVEDO

Desjejuns notícias opiniões
terças-feiras chuvas engarrafamentos "bons dias"
aulas fichas cafés bibliografias
facturas doutorados macarrões

semanas conferências comissões
alunas primaveras guerras trajes
adeuses aniversários viagens
cartas amigos livros férias

e os anos vão-se-me e meto-me
já nos últimos versos do soneto
e afasto-me de mim em veloz fuga 

e contemplando tanto nada junto
o meu quase meio século pergunto
em que demo estará a vida

                                     10-XI.1995

sábado, 6 de agosto de 2022

 GIOVANNI PASCOLI

LA VIA FERRATA

Tra gli argini su cui mucche  tranquilla-
mente pascono, bruna si difila
la via ferrata, chi lontano brilla;

e nel cielo di perla dritti, uguali,
con loro trama delle aere fila
digradano in fuggente ordine i pali.

Qual di gemiti e d'ululi rombando
cresce e dilegua femminil lamento?
I fili del metallo a quando a quando
squillano, immensa arpa sonora al vento.


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A VIA FÉRREA

Entre os diques onde vacas tranquila-
mente pastam, escura se precipita
a via férrea que brilha ao longe;

e no céu de pérolas crespas, iguais,
com a sua trama de fios aéreos
diminuem em fugitiva ordem os postes.

Quanto zunido de gemidos e uivos
cresce e dissipa feminil lamento?
Os fios de metal de quando em vez
ressoam, imensa harpa sonora no vento.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

 FRANK O'HARA

PERSONAL POEM

Now when I walk around at lunchtime
I have only two charms in my pocket
an old Roman coin Mike Kanemitsu gave me
and a bolt-head that broke off a packing case
when I was in Madrid the others never 
brought me too much luck though they did
help keep me in New York against coercion
but now I'm happy for a time and interested

I walk through the luminous humidity
passing the House of Seagram with its wet
and its loungers and the construction to
the left that closed the sidewalk if
I ever get to be a construction worker
I'd like to have a silver hat please
ang get to Moriarty's where I wait for
LeRoi and hear who wants to be a mover and
shaker the last five years my batting average
is .016 that's that, and LeRoi comes in
and tells me Miles Davis was clubbed 12
times last night outside BIRDLAND by a cop
a lady asks us for a nickel for a terrible
disease but we don't give her one we
don't like terrible diseases, then

we go eat some fish, and some ale it's
cool but crowded we don't like Lionel Trilling
we decide, we like Don Allen we don't like
Henry James so much we like Herman Melville
we don't want to be in the poet's walk in
San Francisco even we just want to be rich
and walk on girders in our silver hats
I wonder if one person out or the 8.000.000 is
thinking of me as I shake hands with LeRoi
and buy a strap for my wristwatch and go
to work happy at the thought possibly so

                                                              1959


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POEMA PESSOAL

Agora quando passeio à hora de almoço
já só tenho dois amuletos no bolso
uma velha moeda romana que Mike Kanemitsu me deu
e um parafuso que se soltou de uma mala
quando estive em Madrid os outros nunca
me trouxeram muita sorte embora me ajudassem
a permanecer em New York contra coerção
mas agora por algum tempo estou feliz e interessado

caminho pela humidade luminosa
passando pelo liquído e as poltronas
da House of Seagram e a construção à 
esquerda que fechou o passeio se
alguma vez trabalhar na construção
gostaria por favor de ter um chapéu de prata
e chego ao Moriaty's onde espero por
LeRoi e ouço quem quer mexer-se e
rebolar-se nos últimos cinco anos a minha percentagem
de batimento é só 0.16 e LeRoi entra
e conta-me que Miles Davis foi espancado 12
vezes ontem à noite à porta de BIRDLAND por um chui
uma senhora pede-nos umas moedas para uma doença
terrível mas não lhe damos não
gostamos de doenças terríveis, depois

vamos comer peixe e beber cerveja está
frio mas cheio de gente e decidimos não gostar
de Lionel Trilling, gostamos de Don Allen, não gostamos
de Henry James tanto como de Herman Melville
não queremos ficar no passeio dos poetas em
San Francisco aliás só queremos ser ricos
e caminhar nos andaimes com chapéus de prata
pergunto-me se alguma pessoa destes 8 000 000
pensa em mim enquanto aperto a mão a LeRoi
e compro uma pulseira para o relógio e volto
feliz para o trabalho pensando que talvez

                                                             1959 

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...