quinta-feira, 30 de setembro de 2021

AURORA LUQUE


CESARIA

Está muerta.
                     Pero qué viva vas por el pasillo
que lleva de mi oído hasta las fosas,
los cubículos hondos
que edificó la noche cuerpo adentro
y que alquiló el deseo,
ese okupa canalla,
Cesaria, nuestro amigo.

La música, la música, esa conmovedora
y antigua ingenería del anhelo.
Si Cesaria le pone la salsa de la mar,
la va espolvoreando con luz de un archipélago
destartalado y cálido ¿puedo yo resistirme? Me gusta mi abandono.
Qué más me da ahogarme 
en el regazo amargo de una morna.
Si a la muerte le da por cantar nanas
es que imita a Cesaria, no lo duden.

Yo brindo por Cesaria.
Murió el año pasado,
                                   pero vive en mis sienes,
allí donde la música conecta
con las fosforescentes
médulas de la vida.       


     xxxxxxxxxxxxxxx


CESÁRIA

Está morta.
                   Mas que viva veio pelo corredor
que vai do meu ouvido até às covas,
os cubículos fundos
que edificou a noite corpo adentro
e que alugou o desejo,
esse okupa canalha,
Cesária, nosso amigo.

A música, a música, essa comovedora
e antiga engenharia do anseio.
Se Cesária lhe põe o molho do mar,
vai polvilhando-a com luz de um arquipélago
despedaçado e cálido,
posso eu resistir? Gosto do meu abandono.
Que me importa afogar-me 
no regaço amargo de uma morna.
Se à morte lhe dá para cantar canções de embalar
é que imita Cesária, não duvidem.

Eu brindo a Cesária.
Morreu o ano passado,
                                      mas vive nas minhas têmporas,
ali onde a música conecta
com as fosforescentes
medulas da vida.


quarta-feira, 29 de setembro de 2021

PABLO GARCÌA CASADO


 PADRE

en el ford por carreteras del nord 
frías estaciones de servicio largos cafés con cristaleras

donde ella sopla una y otra vez las velas de una tarta 

la veo crecer perdiéndose entre las mesas hablando con                                 desconocidos
quedándose más tarde de las ocho luego de las diez luego de las                   doce
y yo buscándola en mac donalds hospitales comisarías
y ella gritando de rabia por qué te follaste a mamá

cabrón hijo de puta

demasiado cobarde para pagar impuestos un día detuve el coche
en mitad de la nieve puse el volante entre sus manos

saqué mi equipaje y mis pocas pertenencias
y ella se alejó en mi ford


       xxxxxxxxxxxxxxx


PAI

no ford por estradas do norte
viajando com sara a minha filha de oito anos
frias estações de serviço grandes cafés com cristaleiras

onde ela sopra uma e outra vez as velas de um bolo

vejo-a crescer perdendo-se entre as mesas falando com                                 desconhecidos
ficando mais tarde que as oito depois das dez logo das doze
e eu procurando-a em mac donalds hospitais esquadras
e ela gritando de raiva por que fodeste a mamã

cabrão filho da puta

demasiado cobarde
para procurar casa pagar impostos um dia parei o carro
no meio da neve pus-lhe o volanta nas mãos

saquei as malas e os meus poucos pertences
e ela afastou-se no meu ford

terça-feira, 28 de setembro de 2021

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


LA MADRE

Muy de mañana, en la primera escena,
la risa de la madre absuelve el mundo:
acaricia las manos de su niña
y su niña desea que esa risa
sea verdad y dure para siempre.
En la escena siguiente es ya de noche
y ambas siguen cogidas de la mano,
pero, si bien la madre haya cambiado,
su niña es una anciana que agoniza
y llena de estrañeza se despide.
Sólo la madre permanece indemne
entre la ida al infierno y el regreso;
ni la niña lo logra ni la anciana.
Sólo en ella la vida aún no es vida,
es algo que precede al desconcierto.


     xxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


A MÃE

Muito cedo, na primeira cena,
o riso da mãe absolve o mundo:
acaricia as mãos da sua filha
e a sua filha deseja que esse riso
seja verdade e dure para sempre.
Na cena seguinte, já é de noite
e ambas continuam de mãos dadas,
mas, enquanto a mãe não mudou,
a sua filha é uma anciã que agoniza
e cheia de estranheza se despede.
Só a mãe permanece indemne
entre a ida ao inferno e o regresso;
nem a menina o logra, nem a anciã.
Só nela a vida ainda não é vida,
é algo que precede o desconcerto.

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

ANTHOHY HECHT

A DEATH IN WINTER

                                 IN MEMORY OF JOSEPH BRODSKY,
                                                             born May 24, 1940, Leningrad,
                                                             died January 28, 1996, BROOKLYN.



Delicate sensors registered the shock,
Cool scanners  shuddered but went unobserved;
It was very dark, of course, the city scarved
In the sleeping death of each day's light, each clock

Reckoning that brief moment only in passing.
Historian, watchman, made their careful note
Of power surges and ebbs, who's in, who's out.
At he hourly Bellevue bed-check no one was missing.

But this tremor, beyond the ten-tone Richter scale,
Unsettles us more, with its quiet ultra-sound,
Than could tectonic plates, the underground
Turning of coats and strata, the old turmoil

And trepidation od societies and spheres.
Spaces are mourners. Prospect Park is the first
To cloak itself in darkness. Well rehearsed,
The Nevsky Prospect blacks out, disappears,

And before St. Mark's, the whole world living room
Empties and floats away (as the spirit does)
With its pigeons and its tiny orchestras,
While the Luxembourg' stone gentry pace and roam

In solitary grief. Time itself mourns,
Going back to the same hour as if in search,
Time and again, of bedroom, study, porch,
In nightly, demented, desperate returns,

Looking for something lost, a loss untold,
Greater than many of us understand.
In the Republic of Letters one fine hand,
Cyrillic, cursive, American, has been stilled.

Survivor of show trial, of state oppression,
Exiled from parents, language, neighbourhood,
Tjis man was the lasting sovereignity of the word,
Beyond the grasp of politics or fashion,

The hawk's domain and climate, whose largesse
Comes as a gift of snow from the obscure
Mid-winter gray in verse precise and pure,
He now dwells in the care of each of us.

Reader, dwell with his poems. Underneath
Their gaiety and music, note the chilled strain
Of irony, of felt and mastered pain,
The sound of someone laughing through clenched teeeth.


      xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx

UMA MORTE NO INVERNO
                                              IN MEMORY OF JOSEPH BRODSKY,
                                                                                     nascido 24 de Maio de i940, Leninegrado,
                                                                                     falecido 28 de Janeiro de 1996, Brooklyn.

Sensores delicados registaram o choque,
Antenas indiferentes tremeram, mas não foram observadas;
Estava muito escuro, é certo, a cidade encaixada
Na morte do sono da vida de cada dia, os relógios

Reconhecendo esse momento breve, apenas pela passagem.
Historiador, vigilante, tomaram nota cuidadosa
Das marés do poder, quem dentro, quem fora,
Na horária contagem de camas de Bellevue ninguém faltava.

Mas este tremor, além dos dez graus da escala de Richter,
Perturba-nos mais, com o seu ultra-som tranquílo,
que placas tectónicas gélidas, a subterrânea
Revolução de camadas e estratos, o velho tumulto

E trepidação de sociedades e esferas.
Os espaços lamentam. Prospect Park é o primeiro
A revestir-se de escuridão. Bem ensaiada,
Nevsky Prospect desmaia, desaparece,

E à frente de S. Marcos, a sala de visitas universal
Esvazia-se e escapa flutuando (tal como o espírito)
Com os seus pombos e orquestras diminutas,
Enquanto a nobreza de pedra de Luxemburgo paseia e vagueia

Em pesar solitário. O próprio tempo a carpir,
Regressando à mesma hora, como se buscasse,
Uma vez e outra, quarto de dormir, estúdio, alpendre,
Em retornos loucos, desesperados, todas as noites,

À procura de algo perdido, uma perda inenarrada, 
Maior do que muitos de nós compreendem.
Na República das Letras uma mão admirável,
Cirílica, cursiva, americana, foi calada.

Sobrevivnte de julgamentos fantoches, da opressão do estado,
Exilado de família, língua, vizinhança,
Deste homem era a soberania persistente da palavra,
Para além do alcance de política ou moda,

O domínio e a atmosfera do falcão, cuja amplitude
Chega como dádiva de neve do obscuro
Cinzento do meio do inverno em verso preciso e puro.
Agora permanece ao cuidado de cada um de nós.

Leitor, habita os seus poemas. Por baixo
Da sua jovialidade e música, nota a tensão gelada
Da ironia, de dor sentida e dominada.
O som de alguém a rir, entre dentes cerrados.

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

LUIS ALBERTO DE CUENCA


SOBRE UN POEMA DE LACENAIRE

¿Quién va a decirme qué es la vida?
¿Quién va a decirme qué es la muerte?
¿Qué es virtud? ¿Qué es filosofia?
Ver cómo sopla la fortuna.
¿Ciencia, honor? Ilusión, mentira.
¿Oro? Tumba de la inocencia.
Hasta la amistad es un sueño.
Sólo en ti mesmo está la dicha.

¡Feliz quien sueña que es amado!
¡Ojalá no despierte nunca!
El corazón se engaña siempre:
no hay sentimiento sin dolor.
Si te amas a ti mesmo, cumples
lo que Natureza ordena.
Si Dios existe, Dios es alguien
que disfruta consigo mismo

Dime, muchacho, ¿por qué huyes
de la muerte con tanto ahinco?
¿Por qué te aferras a la vida?
¿No ves lo absurdo que es vivir?
¿Por qué tiemblas ante un enigma
cuya solución no conoces?
¿Qué es nuestra alma? Un brillo inútil
que se apaga en la sepultura.

Abre los ojos, mira: todo
lo que respira nace y muere.
Sólo el orgullo de los hombres
presume de supervivencias.
Cuando llegue mi última hora,
pisoteadme y maldecidme.
¿De qué le sirven las plegarias
al árbol roto por el viento?

Me he reído de vuestros dioses
y de vuestras viles miserias.
Mi alma se perdió de niña
en la oscura noche del mundo,
pero no fue nunca perversa,
y los tristes la bendijeron.
Hay virtud en mi corazón:
una virtud que no es la vuestra.


         xxxxxxxxxxxxxx


SOBRE UM POEMA DE LACENAIRE

Quem vai dizer-me o que é a vida?
Quem vai dizer-me o que é a morte?
Que é virtude? Que é filosofia?
Ver como sopra a fortuna.
Ciência, honra? Ilusão, mentira.
Ouro? Túmulo da inocência.
Até a amizade é um sonho.
Só em ti mesmo está a ventura.

Feliz quem sonha que é amado!
Oxalá não desperte nunca!
O coração engana-se sempre:
não há sentimento sem dor.
Se te amas a ti mesmo, cumpres
o que a Natureza ordena.
Se Deus existe, Deus é alguém
que desfruta consigo mesmo.

Diz-me, rapaz, por que foges
da morte com tanto afinco?
Por que te aferras à vida?
Não vês o absurdo que é viver?
Por que tremes perante um enigma
cuja solução não conheces?
Que é a nossa alma? Um brilho inútil
que se apaga na sepultura.

Abre os olhos, observa: tudo
o que respira nasce e morre.
Só o orgulho dos homens
presume a sobrevivência.
Quando chegar a minha última hora,
pisai-me e maldizei-me.
De que servem as súplicas
à árvore partida pelo vento?

Ri-me dos vossos deuses
e das vossas vis misérias.
De criança a minha alma perdeu-se
na noite escura do mundo,
mas nunca foi perversa
e os tristes bendizaram-me.
Há virtude no meu coração:
uma virtude que não é a vossa.

  

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

 JON JUARISTI


ROSARIO 


Yo la quería mucho, pero entonces
amar y destruir sonaban parecido,
como en los más confusos poemas de Aleixandre.
Nos casamos con otros. Talvez así perdimos
lo mejor de la vida. Quién sabe. Hubo una noche
en que ambos concordamos que pude ser distinto
el rumbo de esta historia de culpa y cobardía.
Se quitó el pasador de su cabello oscuro.
y me lo dio al marchar, y nunca volví a verla.
Murió. No lo he sabido hasta esta tarde misma,
varios años después, en su pequeño pueblo
y frente a la serena desolación del mar.
Ahora intento invocarla, pero se desvanece:
No he encontrado siquiera su pasador de rafia.


                   xxxxxxxxxxxxxxxxxxx

ROSARIO

Eu gostava muito dela, mas nessa altura
amar e destruir soavam semelhantes,
como nos poemas mais confusos de Aleixandre.
Casámos com outros. Talvez tenhamos, assim,          perdido
o melhor da vida. Quem sabe. Houve uma noite 
em que ambos concordámos que poderia ter sido        distinto
o rumo desta história de culpa e cobardia.
Retirou a fita do seu cabelo escuro
e deu-ma ao partir, e nunca voltei a vê-la.
Morreu. Só o soube nesta mesma tarde,
vários anos depois, na sua pequena aldeia
e frente à serena desolação do mar.
Agora procuro evocá-la, mas desvanece-se:
Não encontrei sequer a sua fita de ráfia.

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

WELDON KEES


DEAD MARCH

Under the bunker, where the reek of kerosene
Prepared the marriage rite, leader and whore.
Imperfect kindling even in this wind, burn on.

Someone in uniform hums Brahms. Servants prepare
Eyewitness stories as the night comes down, as smoking coals await
Boots on the stone, the occupying troops. Howl ministers.

Deep in Kyffhauser Mountain's underground,
The Holy Roman Emperor snors on, in sleep enduring
Seven centuries. His long red beard

Grows through the table to the floor. He moves a little.
Far in the labyrinth, low thunder rumbles and dies out.
Twitch and lie still. Is Hitler now in the Himalayas?

We are in Cleveland, or Sioux Falls. The architecture
Seems like Omaha, the air pumped in from Düsseldorf.
Cold rain keeps dripping just outside the bars. The testicles

Burst on the table as the commissar
Untwists the vise, removes his gloves, puts down
Izvestia. (Old saboteurs, controlled by Trotsky's

Scheming and unconquered ghost, still threaten Novgorod.)
- And not far from the pits, these bones of ours,
Burned, bleached, and splintering, are shoveled, ready for the fields.


              xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


MARCHA FÚNEBRE

Debaixo do bunker, onde o fedor de querosene
Preparou a cerimónia de casamento, comandante e puta,
Acendalha imperfeita mesmo com este vento, continuam a arder.

Alguém em uniforme trauteia Brahms. Criados preparam
Histórias de testemunhas oculares, enquanto a noite desce, carvões       fumarentos aguardam
Botas na calçada, as tropas de ocupação. Ministros do Uivo.

Nas profundezas subterrâneas da Montanha Kyffhauser
O Sagrado Imperador Romano ressona, um sono que dura
Há sete séculos. A sua comprida barba vermelha

Cresce através da mesa até ao chão. Mexe-se um pouco
Ao longe, no labirinto, o trovão soturno ressoa e apaga-se.
Estremece e aquieta-se. Hitler está agora nos Himalaias?

Nós estamos em Cleveland, ou Sioux Falls. A arquitectura
Lembra Omaha, o ar bombado desde Düsseldorf.
Chuva fria continua a gotejar logo à saída dos bares. Os testículos

Explodem na mesa, enquanto o comissário 
Desenrosca o torno, tira as luvas, pousa
O Izvestia. (Velhos sabotadores, controlados pelo fantasma

Intriguista e inconquistado de Trotsky, ainda ameaçam Novgorod.)
- E não longe das trincheiras estes nossos ossos
Queimados, descorados e em estilhas, são empilhados, prontos para    os campos.


terça-feira, 21 de setembro de 2021

 VÍCTOR BOTAS


PIADOSÍSMO CULTO

Oh amogos, ya en los tiempos
de aquel atroz caudillo profesaba
de liberal. Ya entonces
- y para qué negarlo: no sería
sino falsa modestia - me jugaba
continuamente el puesto (y por lo tanto
el cocido) metiendo en las molleras
de mis muchos discípulos el pío
cullto a la Democracia. No podríais
imaginar siquiera aquellas noches
insomnes, intentando
compaginar mi innato - ¡Oh cuantísimo
cuantísimo sufrí en aquel entonces! -,
innato, sí, os decía
talante democrático y el recto
severísimo oficio
de censor.


   xxxxxxxxxxxxx


PIEDOSÍSSIMO CULTO

Ó amigos, já nos tempos
de aquele atroz caudilho professava
de liberal. Já então
- e para quê negá-lo: não seria
senão falsa modéstia - arriscava
constantemente o posto de trabalho (e portanto
o cozido) metendo nas mioleiras
dos meus muitos discípulos o pio
culto da Democracia. Não podereis
imaginar sequer aquelas noites 
insones, tentando
conciliar o meu inato - ó tantíssimo,
tantíssimo sofri naquela altura! -,
inato, sim, dizia-vos,
talante democrático e o recto
severíssimo ofício
de censor.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

 J. V. CUNNINGHAM


IN THE THIRTIETH YEAR

In the thirtieth year of life
I took my heart to be my wife,

And as I turn in bed by night
I have my heart for my delight.

No other heart may mine estrange
For my heart changes as I change.

And it is bound, and I am free
And with my death it dies with me.

        xxxxxxxxxxxxxx


NO TRIGÉSIMO ANO

No trigésimo ano da minha vida
Tomei o meu coração como companheira,

E quando dou voltas, na cama, à noite
Tenho o meu coração para me aprazer.

Nenhum outro coração o meu poderá alhear,
Que o meu coração muda quando eu mudo,

E ele está preso e eu estou livre
E com a minha morte morre comigo.


     

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

 DICK DAVIS


WE SHOULD BE SO LUCKY

Here is a shameful, strong
    Nostalgia - to have been
A minor functionary
    At some respledent scene,

A man trained up in skills
    And complicated rules,
Leaving small room for genius
    And even less for fools,

Someone who knows exactly
    How and what to do,
Who works discretly, knowing
    Others know this too.

A journeyman magician
    Grimly fuming at
His self-important patrons'
     Catatonic chat;

A portrait painter able -
    Happy - to revoke
Defects of nature with
    A defter, softer stroke;

Or best, court panegyrist,
    Where a perfect rhyme
Might mean a pension paid,
    Perpetually, on time.


      xxxxxxxxxxxxx

DEVIAMOS TER TANTA SORTE

Aqui está uma nostalgia
    Vergonhosa, intensa - ter sido
Um funcionário menor
    Em qualquer cena resplandecente,

Alguém treinado em perícias
    E regras complicadas,
Com pouca margem para génios
    E ainda menos para tolos,

Alguém que sabe exactamente
    Como e o que fazer,
Que trabalha discretamente, sabendo
    Que os outros também o sabem.

Um músico assalariado
    Ferozmente irado perante
O palavreado catatónico
    De clientes presumidos;

Um pintor de retratos capaz -
    Contente - de eliminar
Defeitos da natureza com
    Uma pincelada mais hábil e leve;

Ou melhor, panegirista da corte,    
    Onde uma rima perfeita 
Poderá significar pagamento de pensão
    Vitalícia e a horas.    

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

 MIGUEL D'ORS


MIS SIETE MOTIVOS PARA DESEAR 

QUE NO ME DEDIQUEN UNA CALLE

Primero: que quién sabe
dónde iria parar mo pobre nombre.
no iba a estar mi recuerdo mosqueado
si le pantan al lado un puticlub,
una herrika taberna o hasta puede un banco.

Segundo: por no ver entre los bombos
retóricos de la inauguración
- solo con otras caras y otras fechas -
los mismos figurones que ahora
me honran con su despego.

Tercero: porque mi imaginacíon
ya está assistiendo al pleno en que otro ayuntamiento
aprueba echar abajo mi memoria
para sustituirla por sabe Diós cuál otra 
más políticamente fotogénica.
Arróhemosle trabajo a los ilustrisísimos.

Cuarto: que los conozco
y sé que a finde cuentas lo que me dedicasen
iba a ser una rúa o una kalea,
pero nunca la calle prometida,
que no está el horno para mucha España.

Quinto: porque el futuro,
al verme celebrado por mi tiempo,
acaso pensaría que fui cómplice de él.
Que quede claro, frères humains, que yo no tuve
nada que ver con esto.
 
Sexto: porque uno es 
tan redondamente vanidoso
que prefiere mil veces presumir de modestia
a presumir de placa,
así fuese de bronce de Carrara.

Y además, que la d, la O y el apóstrofo
no se ponen así.
                                            Santiago,17/XI/Poyo 18/XI-2009


    xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


OS MEUS SETE MOTIVOS PARA DESEJAR
QUE NÃO ME DEDIQUEM UMA RUA

Primeiro: quem sabe
onde irá parar o meu pobre nome.
Não ia estar a minha recordação manchada
se o plantam ao lado de uma casa de putas,
uma herrika taberna ou até mesmo um banco.

Segundo: para não ver entre os bombos
retóricos da inauguração
- só que com outras caras e outras datas -
os mesmos figurões que agora mesmo
me honram com o seu despego.

Terceiro: porque a minha imaginação 
já está assistindo ao plenário em que outra câmara                          
aprovou deitar abaixo a minha memória
para substituí-la por sabe Deus qual outra
mais politicamente fotogénica.
Poupemos trabalho aos ilustrissíssimos.

Quarto: que os conheço
e sei que, no fim contas, o que me dedicassem
iria ser uma rúa ou uma kalea,
nunca a rua prometida,
que não convém a muita Espanha.

Quinto: porque o futuro
ao ver-me celebrado no meu tempo,
acaso pensaria que fui cúmplice dele.
Que fique claro, fréres humains, que não tive
nada a ver com isto.

Sexto: porque se é 
tão supinamente vaidoso,
que se prefere mil vezes parecer maldito
que fingir de placa,
ainda que fosse de bronze de Carrara.

E, além disso, que o D, o O e o apóstrofe
não se colocam assim.

                                                  Santiago, 17/XI/Poyo, 18/XI/2009

terça-feira, 14 de setembro de 2021

GIOVANNI PASCOLI

(San Marco di Romagna, 18855-1912)


TEMPORALE

Un bubbolìo lontano...

Rosseggia l'orizzonte,
come affocato, a mare:
nero di pece, a monte,
stracci di nubi chiare:
tra il nero un casolare:
un'ala di gabbiano.


          xxxxxxx


TEMPORAL

Um estrondo longínquo...

Avermelha-se o horizonte
como abrasado para o mar:
negro de breu, para o monte,
farrapos de nuvens claras:
depois do negro um casinhoto:
uma asa de gaivota.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

FRANK O'HARA



CAMBRIDGE


It is still raining and the yellow-green cotton fruit
looks silly round a window giving out on winter trees
with only three drab leafs left. The hot plate works,
it is the sole heat on earth, and instant coffee. I
put on my warm curdoroy pants, a heavy marron sweater,
and wrap myself on my old marron bathrobe. Just like Pasternak
in Marburg (they say Italy and France are colder, but
I'm sure that Germany's at least as cold as tis) and,
lacking the Master's inspiration, I may freeze to death
before I can get out into the white rain. I could have left
the window closed last night? But that's where health
comes from! His breath from the Urals, drawing me into flame
like a forgotten cigarette. Burn! this is not negligible,
being poetic, and not feeble, since it's sponsored by
the greatest living Russian poet at incalculable cost.
Across the street there is a house under construction,
abandoned to the rain. Secretly, I shall go to work on it.
                                                                                             1956


CAMBRIDGE

Ainda chove e o fruto amarelo-verde do algodão
no peitoril parece tonto dando no inverno troncos
com apenas três folhas pardacentas. A chapa de aquecimento funciona,
é o único calor na terra, e café instantâneo. Eu
visto as minhas calças de veludo quentes, uma camisola grossa castanha
e envolvo-me no meu velho roupão castanho. Como Pasternak
em Marburg (dizem que a Itália e a França são mais frias, 
mas estou certo que a Alemanha é tão fria como isto) e,
faltando-me a inspiração do Mestre, posso morrer gelado
antes de conseguir sair para a chuva branca. Poderia ter deixado
a janela fechada durante a noite? Mas é de onde a saúde 
vem! A sua respiração desde os Urais, incendiando-me 
como um cigarro esquecido. Arde! isto não é negligível,
sendo poético, não sendo frágil, pois que é patrocinado pelo
maior poeta russo vivo com um custo incalculável.
Do outro lado da rua há uma casa em construção,
abandonada à chuva. Secretamente, irei trabalhar nela.


domingo, 12 de setembro de 2021

 W. H. AUDEN


HORAE CANONICAE

1. PRIME

Simultaneously, as soundlesly.
 ("Immolatus vicerit")
       Spontaneously, suddenly
As, at the vaunt of the dawn, the kind
       Gates of the body fly open
To its world beyond, the gates of the mind,
       The horn gate and the ivory gate
Swing to, swing shut, instantaneously
       Quell the nocturnal rummage
Of its rebellious fronde, ill-favoured,
       Ill-natured, and second-rate,
Disenfranchised, widowed and orphaned
       By an historical mistake:
Recalled from the shades to be a seeing being
       From absence to be on display,
Without a name or history I wake
       Between my body and the day.

Holy this moment,wholly in the right,
       As, in complete obedience
To the light's laconic outcry, next
       As a sheet, near as a wall,
Out there as as a mountain's poise of stone,
       The world is present, about,
And I know that I am, here, not alone
       But with a world and rejoice
Unvexed, for the will has still to claim
       This adjacent arm as my own,
Te memory to name me, resume
       Its routine of praise and blame,
And smiling to me in this instant while
       Still the day is intact, and I
The Adam sinless in our beginning,
       Adam still previous to any act.

I draw breath; That is of course to wish
       No matter what, to be wise,
To be different, to die and the cost,
       No matter how, is Paradise.
Lost of course and myself owing a death:
       The eager ridge, the steady sea,
The flat roofs of the fishing village
       Still asleep in its bunny,
Though as fresh and sunny still are not friends
       But things to hand, this ready flesh
No honest equal, but my accomplice now,
       My assassin to be, and my name
Stands for my historical share of care
       For a lying self-made city,
Afraid of our living task, the dying
       Which the coming day will ask.

2.TERCE

       After shaking paws with his dog
(Whose bark would tell the world that he is always kind),
       The hangman sets off briskly over the heath;
He does not know yet who will be provided
       To do high works of Justice with:
Gently closing the door of his wife's bedrroom
       (Today she has one of his headaches),
With a sigh the judge descends his mrble stair;
       He does not know by what sentence
He will apply on earth the Law that rules the stars:
       And the poet, taking a breather
Round his garden before starting his eclogue,
       Does not know whose Truth he will tell.

       Sprites of hearth and store-room, godlings
Of professional mysteries, the Big Ones
       Who can anuhilate a city
Cannot be bothered with this moment: we are left,
       Each to his secret cult. Now each of us
Prays to an image of an image of himself;
       "Let me go through this coming day
Without a dressing down from a superior,
       Being worsted in a repartee,
Or behaving like an ass in front of the girls;
       Let something exciting happen,
Let me find a lucky coin on a sidewalk,
       Let me hear a new funny story."

       At this hour we all might be anyone:
It is only our victim who is without a wish,
       Who knows already (that is what
We can never forgive. If he knows the answers,
       Then why are we here, why is there evn dust?),
Knows already that, in fact, our prayers are heard,
       That no one of us will slip up,
That the machinery of our world will function
       Without a hitch, that today, for once,
There will be no squabbling on Mount Olympus,
        No Chtonian mutters of unrest,
But no other miracle, knows that by sundown
       We shall have had a good Friday.


3. SEXT

I

You need not see what someone is doing
to know if it is his vocation,

you have only to watch his eyes:
a cook mixing a sauce, a surgeon

making a primary incision,
a clerk completing a bill of lading,

wear the same rapt expression,
forgeting themselves in a function.

How beautiful it is,
that eye-on-the. object look.

To ignore the appetitive goddesses,
to desert the formidable shrines

of Rhea, Aphrodite, Demeter, Diana,
to pray instead to St. Phocas,

St. Barbara, San Saturnino,
or whoever one's patron is,

that one may be worthy of their misery,
what a prodigious step to have taken.

There should be monuments, there should be odes,
to the nameless heroes who took it first,

to the first flaker of flints
who forget his dinnr,

the first collector of sea-shells
to remain celibate.

Where should we be but for them?
Feral stiil, un-housetrained, still

wandering through forests without
a consonant to our names,

slaves of Dame Kind, lacking
all notion of a city,

and, at this moon, for this death,
there would be no agents.

II

You need not hear what orders he is giving
to know if someone has authority,

you have only to watch his mouth:
when a besieging general sees

a city wall breached by his troops,
when a bacteriologist

realizes in a flash what was wrong
with his hypothesis, when,

from a glance at the jury, the prosecutor
knows thw defendant will hang,

their lips and the lines around them
relax, assuming an expression

not of simple pleasure at getting
their own sweet way but of satis faction

at being right, an incarnation 
of Fortitude, Justicia, Nous.

You may not like them much
(Who does?) but we owe them

basilicas,divas,
dictionaries, pastoral verse,

the courtesies of the city:
without these judicial mouths

(which belong for the most part
to very great scoundrels)

how squalid existnce would be,
tethered for life to some hut village,

afraid of the local snake
or the local ford demon,

speaking the local patois
of some three hundred words

(think of the family squabbles and the
poison-pens, think of the inbreeding),

and, at this noon, there would be no authority
to command this death.

III

Anywhere you like, somewhere 
on broad-chested life-giving Earth,

anywhere between her thirstlands
and undrinkable Ocean,

the crowd stands perfectly still,
its eyes (which seem one) and its mouths

(which seems infinitely many)
expressonless, perfectly blank.

The crowd does not see (what everyone sees9
a boxing match, a train wreck,

a battleship being launched,
does not wonder (as everyone wonders)

who will win, what flag she will fly,
how many will be burned alive,

is never distracted
(as everyone is always distracted)

by a barking dog, a smell of fish,
a mosquito or a bald head:

the crowd sees only one thing
(which onlythe crowd can see),

an epiphany of that
which does whatever is done.

Whatever god a person believes in,
in whatever way he believes

(no two are exactly alike)
as one of the crowd he believes

and only believes in that
in which there is only one way of believing.

Few people accept each other and most
will never do anything properly,

but the crowd rejects no one, joining the crowd
is the only thing men can do.

Only because of that can we say
all men are our brothers,

superior, because of that,
to the social exoskeletons: When

have they ever ignored their queens,
for one second stopped work

on their provincial cities, to worship 
The Prince of this world like us,

at this noon, on this hill,
in the occasion of this dying?


4. NONES

What we know to be not possible,
       Though time after time foretold
By wild hermits, by shaman and sybil
       Gibbering in their trances,
Or revealed to a child in some chance rhyme
       Like will and kill, comes to pass
Before we realize it. We are surprised
       At the ease and speed of our deed
And uneasy: It is barely three,
       Mid-afternoon, yet the blood
Of our sacrifice is already
       Dry on the grass, we are not prepared
For silence so sudden and so soon;
       The day is too hot, too bright, too still,
Too ever, the dead remains too nothing.
       What shall we do till nightfall?

The wind has dropped and we have lost our public,
       The faceless many who always
Collect when any world is to be wrecked,
       Blown up, burnt down, cracked open,
Felled, sawn in two, hacked trough, turn apart,
       Have all melted away. Not one
Of these who in the shade of walls and trees
       Lie sprawled now, calmly sleeping,
Harmless as sheep, can remember why
       He shouted or what about
So loudly in the sunshine this morning;
        All if challenged would reply
- "It was a monster with one red eye,
       A crowd that saw him die, not I." -
The hangman has gone to wah, the soldiers to eat:
       We are left with our fear.

The Maddona with the green woodpecker,
       The Maddona of the fig-tree,
The Maddona beside the yellow dam,
       Turn their kind faces from us
And our projects under construction,
       Look only in one direction,
Fix their gaze on our completed work:
       Pile-driver, concrete-mixer,
Crane and pick-axe wait to be used again,
       But how can we repeat this?
Outliving our act, we stand where we are,
       As disregarded as some
Discarded artifact of our own,
       Like torn gloves, rusted kettles,
Abandoned branch-lines, worn lop-sided
       Grindstones buried in nettles.

This mutilated flesh, our victim,
       Explains too nakedly, too well,
The spell of the asparagus garden,
       The aim of our chalk-pit game, stamps,
Birds' eggs are not the same, behind the wonder
       Of tow-paths and sunken lanes,
Behind the rapture on the spiral stair,
       We shall always now de aware
Of the deed into which they lead, under
       The mock chase and mock capture,
The racing and tussling and splashing,
       The panting and the laughter,
Be listening for the cry and stillness
       To follow after: wherever
The sun shines, brooks run, books are written,
       There will also be this death.

Some cool tramontana will stear the leaves,
       The shops will re-open at four,
The empty blue bus in the empty pink square
       Fill up amd depart: we have time
To misrepresent, excuse, deny,
       Mistify , use this event
While, under a hotel bed, in prison,
       Down wrong turnings, its meaning
Waits for our lives. Sooner than we would choose
       Bread will melt, water will burn,
And the great quell begin, Abbadon
       Set up his triple gallows
At our seven gates, fat Belial make
       Our wives waltz naked; meanwile
It would be best to go home, ir we have a home,
       In any case good to rest.

That our dreaming wills may seem to escape
       This dead calm, wander instead
On knife edges, on black and white squares,
       Across moss, baixe, velvet, boards,
Over cracks and hillocks, in mazes
       Of strind and penitent cones,
Down granite ramps and damp passages,
       Through gates that will not relatch
And doors marked Private, pursued by Moors
       And watched by latent robbers,
To hostile villages at the head of fjords,
       To dark chateaux where wind sobs
In tha pine-trees and telephones ring,
       Inviting trouble, to a room,
Lit by one weak bulb, where our Double sits
       Writing and does not look up.  

That, while we are thus away, our own wronged flesh
       May work undisturbed, restoring
The order we try to destry, the rythm
       We spoil out of spite: valves close
And open exactly, glands secrete,
       Vessels contract and expand
At the right moment, essential fluids
       Flow to renew exhausted cells,
Not knowing quite what has happened, but awed
       By death like all the creatures
Now watching this spot, like the hawk looking down
       Without blinking, the smug hens
Passing close by in their pecking order,
       The bug whose view balked by grass,
Or the deer who shyly from afar
      Peer through chinks in the forest.


5. VESPERS

     If the hill overlooking our city has always been known as Adam's Grove, only at dusk can we see the recumbent giant, his head turned to the west, his right arm resting for ever on Eve's haunch,

     can you learn, from the way he looks up at at the scandalous pair, what a citizen really thinks of this citizenship,

     just as now you can hear in a drunkard's caterwalk his rebel sorrows crying for a parental discipline, in lustful discipline, in lustful eyes percieve a disconsolate soul,

     scanning with desperation all passing limbs for some vestige of her faceless angel who in that long ago when wishing was a help mounted her once and vanished:

     For Sun and Moon supply their conforming masks, but in the hour of civil twilight all must wear their own faces.

     And it is now that our two paths cross.

     Both simultaneously recognise his Anti.type: that I am an Arcadian, that he is a Utopian.

     He notes, with contempt, my Aquarian belly: I note, with alarm, his Scorpion's mouth.

     He would like to see me cleaning latrines: I would like to see him removed to some other planet.

   Neither speaks. What experience could we possibly share?

   Glancingly at a lampshade in store windows, I observe it is too hideous for anyone in their senses to-buy: He observes it is too expensive for a peasant to buy.

     Passing a slum child with rickets, I look the other way: He looks the other way if he passes a chubby one.

     I hope our senators will behave like saints, provided they don't reform me. He hopes they will behave like baritoni cattivi, and, when lights burn late on the Citadel,

    I (who have never seen the inside of a police station) am shocked and think, "Were the city as free as they say, after sundown all her bureaus would be huge black stones":

     He ( who has been beaten up several times) is not shocked at all but thinks, "One fine night our boys will be working up there."

     You can see, then, why, between my Eden and his New Jerusalem, no treaty is negociable.

     In my Eden a person who dislikes Bellini has the good manners not to get born. In his New Jerusalem a person who dislikes work will be very sorry to be born.

     In my Eden we have a few beam-engines, saddle-tank locomotives, overhot waterwhheels and other beutiful of obsolete machinery to play with. In his New Jerursalem even chefs will be cucumber-cool machine minders.

     In my Eden our only source of political news is gossip. In his New Jerusalem there will be a special daily in simplified spelling for non-verbal types.

     In my Eden each each observes his compulsive rituals and superstition tabus but we have no morals. In his New Jeusalem the temples will de empty but all will practise the rational virtues.

      One reason for his contempt is that I have only to close my eyes, cross the iron footbridge to the tow-path, take the barge through the short brick tunnel and

     there I stand in Eden again, welcomed back by the krum-horns, doppions, sordumes of jolly miners and a bob major from the Cathedral (romanesque) or St. Sophie (Die Kalte):

     One eason for my alarm is that, when he closes his eyes, he arrives, not in New Jerusalem, but on some august day of outrage when hellikins cavort through ruined drawing-rooms and fishwives intervene  in the Chamber or

     some autumn night of delations and noyades, when the unrepentant thieves (including me) are sequestred and those he hates shall hate themselves instead.

     So with a passing glance we take the other's posture. Already our steps recede, heading, incorrigible each, towards his kind of meal and evening.

     Was it (as it must look to any god of cross-roads) simply a furtuitous intersection of life-paths, loyal to differen fibs?

     Or also a rendezvous between two accomplices who, in spite of themselves cannot resist meeting

     to remind the other (do both, at bottom, desire truth?) of that half of their secret which he would most like to forget,

     forcing us both, for a fraction of a second, to remember our victim (but for him I could forget the blood, but for me he could forget the innocence),

     on whose immolation (call him Abel, Remus, whom you will, it is one Sin Offering) arcadias, utopias, our dear old bag of a democracy are alike founded:

     For without a cement of blood (it must be himan, it must be innocent) no secular wall will safely stand.


6. COMPLINE

Now, as desire and the things desired
       Cease to require attention,
As, siezing its chance, the body escapes,
       Section by section, to join
Plants in their chaster peace whjch is more
       To its real taste, now a day is its past,
Its last deed and feeling in, should come
       The instant of recollection
When the whole thing makes sense: it comes, but all
        I recall are doors banging,
Two housewives scolding, an old man gobbling,
       A child's wild look of envy,
Actions, words, that could fit any tale,
       And I fail to see either plot
Or meaning, I cannot remember
       A thing between noon and three.

Nothing is with me now but a sound,
       A heart's rythm, a sense of stars
Leisurely walking around, and both
       Talk a language of motion
I can measure but not read: maybe
       My heart is confessing her part
In what happened to us from noon till three,
       That cons tellation indeed
Sing of some hilarity beyond
       All liking and happening,
But, knowing I neither know what they know
       Not what I ought to know, scorning
All vain fornication of fancy,
       Now let me, blessing them both
For the sweetness of their cassations,
       Accept our separations.

A stride from now will take me into dream,
       Leave me, without a status,
Among its unwashed tribes or wishes
       Who have no dances and no jokes
But a magic cult to propitiate
       What happens from noon till three,
Odd rites which they hide from me - should I chance,
       Say, on youths in a oak-wood
Insulting a white deer, bribes nor threats
       Will get them to blab - and then,
Past untruth is one way to nothing,
       For the end, for me as for cities,
Is total absence: what comes to be
       Must go back into non-being
For the sake of the equity, the rythm
       Past measure or comprehending.

Can poets (can men in television)
       Be saved? It is not easy
To believe in unknowable justice
       Or pray in the name of a love
Whose name one's forgotten: libera
       Me, libera C (dear C)
And all poor s-o-b's who never
       Do anything properly, spare
Us in the youngest day when all are
       Skahen awake, facts are facts,
(And I shall know exactly what happened
       Today between noon and three)
That we, too, may com to the picnic
       Wuth nothing to hide, joun the dance
As it moves in perichoresis,
       Turns about the abiding tree.


7. LAUDS

Amond the leaves the small birds sing;
Th crow of the cock commands awaking:
In solitude, for company.

Bright shines the sun on creatures mortal;
Men of their neighbours become sensible: 
In solitude, for company.

The crow of the cock commands awaking;
Already the mass-bell goes ding-dong:
In solitude, for company.

Men of their neighbours become sensible;
God bless the Realm, God bless the People: 
In solitude, for company.

Already the mass-bell goes dong-ding;
The dripping mill-wheel is again running:
In solitude, for company.

God bless the Realm, God bless the People;
God bless this green world temporal:
In solitude, for company.

The dripping mill-wheel is again turning;
Among the leaves the small birds sing:
In solitude, for company.


       xxxxxxxxxxxxxxxxx


HORAE CANONICAE
   ("Immolatus vicerit")



1. PRIMA

Simultâneos, tão silenciosos,
       Espontâneos, súbitos,
Como, na jactância da aurora, os portões
      Gentis do corpo se abrem
Ao seu mundo subterrâneo, os portões da mente,
       O portão de corno e o portão de mármore
Oscilam, fecham de repente
       Sobre a confusão nocturna
Da sua revolta desfavorecida,
       Desnaturada e bastarda,
Despossuída, viúva e orfã
       De um erro histórico:
Recuperado das sombras para a visão,
       Da ausência para um papel,
Sem nome nem história acordo
       Entre o meu corpo e o dia.

Momento sagrado, por direito íntegro,       
       Em que, em obediência completa
Ao lamento lacónico da luz, próxima
       Como um lenço, vizinha como uma parede,
Lá fora, como montanha que expõe a rocha,
       O mundo está presente,
Cercando a minha certeza de esatr aqui,
       Acompanhado pelo mundo e um júbilo
Tranquilo de que a vontade precisa para reclamar
       Este braço anexo como meu,
Para a memória me nomear, para retomar
       A rotina de adulação e injúria
E sorri-me este instante em que
       O dia está aida intacto e eu sou
O Adão inocente do nosso início,
       O Adão anterior a qualquer acto.

Tomo fôlego: o mesmo é desejar
       Não importa o quê, ser sensato,
Ser diferente, morrer e o preço
       É, a todo o custo, o Paraíso,
Obviamente perdido e eu que devouma morte:
       A escarpa inquieta, o mar calmo,
Os telhados da aldeis piscatória,
       A dormir ainda no seu berço,
Ainda que frescura e soalheiro não emparelhem,
       Com eles tem de lidar esta carne disponível,
Companheira desigual, mas minha cúmplice actual,
       Meu assassino futuro, e o meu nome
Reservado para o meu quinhão de cuidados
       Por uma cidade ensimesmada,
Receosa dos nossos afazeres, os moribundos
       Que o próximo dia reclamará.


2. TERCIA

       Depois de apertar as patas com o cão
(Cujo latido testemunharia ao mundo a sua delicadeza)
       O carrasco apressa-se a atravessar a charneca;
Ainda não sabe a quem lhe está destinado
       Ministrar o alto ofício da Justiça:
Fechando cuidadosamente a porta do quarto da esposa
       (Hoje ela está com um das tais dores de cabeça),
Com um suspiro o juíz desce a escada de mármore;
       Ainda não sabe com que sentença 
Aplicará a Lei que governa as estrelas
       E o poeta, que no seu jardim 
Passeia, antes de começar a écloga,
       Não sabe que Verdade irá contar.

       Espíritos do lar e da dispensa, divindades
Dos mistérios profissionais, os Insignes
       Que podem aniquilar uma cidade
Não podem ser perturbados com este momento: estamos
       Abandonados ao nosso culto secreto. Agora cada um
Reza a uma imagem da sua imagem de si mesmo;
       "Que sobreviva ao dia que se avizinha,
Sem reprimendas dos superiores,
       Sem que um sarcasmo me humilhe,
Sem fazer de parvo junto das raparigas;
       Que algo excitante ocorra,
Que encontre uma moeda da sorte no passeio,
       Que ouça uma história nova divertida."

       Nesta hora todos podemos ser qualquer um:
Só a nossa vítima é que não tem desejos,
       Sabe desde já (é isso
Que nunca perdoaremos. Se sabe as respostas,
       Por que estamos aqui, onde até o pó sobeja?),
Sabe já que as nossas preces são ouvidas,
       Que nenhum de nós escapará,
Que a maquinaria deste mundo funcionará
       Sem entraves, que hoje e por uma vez
Não haverá altercação no Monte Olimpo,
       Nem murmúrios ctónicos de inquietude,
E mais nenhum milagre, sabe que ao pôr-do-sol
       Teremos tido uma sexta-feira santa.


3. SEXTA

I

Não é necessário observar o trabaçho de alguém
para saber se é essa a sua vocação,

basta olhá-lo nos olhos:
um cozinheiro apurando um molho, um cirurgião

abrindo a pele,
um escriturário preenchendo uma relação de embarque,

têm a mesma expressão distraída,
embevecidos na sua tarefa

Que bela é
essa devoção do olho pelo objecto.

Ignorar a deusa sedutora,
abandonar os sacrários magníficos

de Rea, Afrodite, Demeter, Diana,
preferir rezar a S. Focas,

Santa Bárbara, S. Saturnino,
ou outro padroeiro qualquer,

de cujo mistério se seja merecedor,
que passo de gigante foi dado.

Deveria haver monumentos e odes
aos heróis desconhecidos que começaram,

a quem arrancou as primeiras faíscas da pederneira
e esqueceu o jantar,

ao primeiro coleccionador de conchas,
que ficou celibatário.

Se não fossem eles, onde estaríamos?
Ainda ferozes, sem hábitos caseiros,

errando através das florestas,
com nomes sem consoantes,

escravos da Dama gentil, sem
noções de civilidade

e hoje, à tarde, para esta morte
não haveria agentes funerários.

II

Não é preciso ouvir as ordens que dá
para perceber que alguém tem autoridade,

basta olhar-lhe a boca:
quando um general sitiante vê

as suas tropas romperem a parede da cidade,
quando um bacteriologista

de súbito percebe o que estava 
errado na sua hipótese, quando

o procurador, num relance ao júri,
sabe que o réu será enforcado,

os seus lábios e as rugas em torno
relaxam, adquirindo um esgar

que não é do prazer singelo de vencerem,
mas da satisfação de estarem

certos, uma incarnação 
de Fortitude, Justicia, Nous.

Podemos não gostar deles
(quem gosta?), mas devemos-lhes

basílicas, divas,
dicionários, elegias,

cortesias citadinas:
sem estas becas judiciais

(que, na maioria, pertencem
a grandes patifes).

como seria sórdida a existência,
para sempre acorrentada a palhotas,

receosa das víboras locais
ou do ogre indígena,

falando o dialecto local
de apenas trezentas palavras

(pensem nas rixas familiares, nos
envenenamentos e na endogamia)

e hoje à tarde não haveria autoridade
para ordenar esta morte.

III

Algures, no sítio que escolherem,
no dorso da Terra Mãe,

entre os seus campos sedentos
e o Oceano impotável,

a multidão está impávida,
de olhos (que parecem um) e bocas

(que parecem infinitas),
inexpressivas, totalmente vazias.

A multidão não vê (o que todos vêem)
um combate de boxe, um acidente de comboio,

um navio de guerra lançado à água,
não pergunta (como todos perguntam)

quem irá ganhar, qual a bandeira arvorada,
quantos serão queimados vivos,

nunca se distrai
(como todos se distraem)

com um cão que ladra, com um cheiro a peixe,
um mosquito numa careca:

a multidão só vê uma coisa
(que só ela pode ver),

uma epifania daquilo
que faz o que está a ser feito.

Qual seja o deus em que se acredita
e a forma como se acredita

(não há duas iguais),
como alguém da multidão acredita

e só acredita naquilo
em que só há uma forma de acreditar.

Poucas pessoas aceitam os outros e a maioria
nunca fará nada certo,

mas a multidão não rejeita ninguém e juntar-se-lhe
é tudo o que um homem pode fazer.

Só por via disso podemos dizer
que todos os homens são nossos irmãos,

superiores, por isso,
aos exosqueletos sociais. Alguma

vez poderiam ignorar as suas rainhas,
deixar, por um segundo, de trabalhar

nas suas cidades de província para adorar,
como nós, O Príncipe deste mundo

nesta tarde, neste cômoro,
na ocasião desta morte?


4. NOA

O que sabemos não ser possível,
        Embora eremitas, chamãs e sibilas
Na algaravia dos seus transes, de tempos 
        A tempos o profetizem,
Ou uma criança numa rima ocasional,
       Como desejar e matar, acaba por ser revelado
Antes de nos apercebermos. Surpreendem-nos
       A leveza e fugacidade dos nossos propósitos
E inquietos: Ainda não são três
       Da tarde já o sangue
Do nosso sacrifício secou na relva;
       Não estamos preparados
Para um silêncio  tão súbito e tão precoce;
      O dia está muito quente, brilhante,
Calmo, etéreo, o morto continua nada.
       Que faremos até chegar a noite?

O vento amainou e perdemos o nosso público,
       A turba anónima que sempre
Se junta quando qualquer mundo vai naufragar,
       Estilhaçado, ardido, estoirado, arruinado,
Serrado ao meio, retalhado, espedaçado
       Desapareceu por completo. Nenhum
Dos que dormem pacificamente, deitados
      Na sombra de muros ou árvores,
Inocentes como cordeiros, se lembra
       Por que gritou ele ou porquê
Tão alto nesta manhã soalheira;
       Se lhes perguntassem responderiam
- "Foi um monstro com um olho vermelho,
       A multidão viu-o morrer, eu não" -
O carrasco foi lavar-se, os soldados foram comer,
       Ficámos sós com a nossa façanha.

A Madona com o pica-pau verde,
       A Madona da figueira,
A Madona junto do açude amarelo,
       Desviam as faces gentis de nós
E dos nossos projectos em construção
       Apenas olham num sentido,
Contemplando a nossa obra construída:
       Empilhadora, misturadora de cimento,
Grua e alvião esperam novo uso,
       Mas como poderemos recomeçar?
Sobreviventes dos nossos actos, ficamos onde estamos,
       Tão desesperado como
A bugiganga de que nos desfizemos,
       Como luvas rotas, chaleiras ferrujentas,
Ramais abandonados, mós gastas,
       Enterradas de esguelha nas urtigas.

Esta carne mutilada, nossa vítima,
       Explica da forma mais crua
O encanto da horta de espargos,
       O objectivo do nosso jogo da macaca: selos,
Ovos de pássaro não são o mesmo, depois
       Do espanto de reboques e veredas submersas,
Depois do extâse na escada de caracol,
       Agora estaremos sempre avisados
Da proeza a que conduzem, sob
       O fingimento da caça e da captura,
A corrida e a altercação e o mergulho
       E a pateada e o riso,
Atentos ao grito e ao silêncio
       Que se segue onde quer que o sol
Brilhe, regatos corram, livros se escrevam,
       Também haverá esta morte.

Em breve a fria tramontana arrepiará as folhas,
       As lojas reabrirão às quatro,
O vazio autocarro azul na vazia praça cor-de-rosa
       Enche-se e parte: temos tempo
De representar mal, de desculpar, negar,
       Mitificar, usar este acontecimento,
Enquanto debaixo da cama do hotel, na prisão,
       Em encruzilhadas dúbias, o seu significado
Espera as nossas vidas. Mais depressa que desejaríamos
       O pão derreterá, a água arderá
E a grande opressão começará. Abaddon
       Há-de encerrar com grilhetas triplas
As nossas sete portas, o gordo Belial
       Fará dançarem nuas as nossas mulheres; entretanto
Seria preferível ir para casa, se tivermos uma,
       Onde seja possível descansar.

Que os nossos desejos sonhados possam parecer escapar
       A esta calma mortal, prefiram vaguear
No fio das facas, em praças pretas e brancas,
       Através de musgo, baeta, veludo, pranchas,
Sobre fendas e outeiros, em novelos
       De corda e cones penitntes,
Por rampas de granito e passagens encharcadas,
       Portões cujo trinco não fecha
E portas dizendo Privado, perseguidos por Mouros
       E vigiados por ladrões latentes,
Para aldeias hostis no cabo dos fiordes,
       Para castelos escuros onde o vento geme
Nos pinheiros e telefones tocam,
       Convidando a turbação para um quarto,
Iluminado por fraca lâmpada, onde está snetado o noss Duplo,
       Que escreve sem levantar os olhos.

Que, enquanto assim nos ausentamos a nossa carne enganada
       Possa trabalhar sem discórdia, restaurando
A ordem que teimamos destruir, o ritmo
       Que demasiado esbanjamos; as válvulas fecham
E abrem comprecisão, as glândulas segregam,
        Os vasos contraem-se e expandem-se
No momento certo, fluidos essenciais
       Fluem para renovar células exaustas,
Não sabendo bem o que aconteceu, mas atemorizados
       Pela morte como todas as criaturas
Que agora observam este local, como o falcão vigiando, 
       Sem pestanejar, as galinhas enfatuadas
Que se alinham na bicha da bicada,
       O insecto cuja visão a erva frusta,
Ou o veado que, de longe, timidamente
       Espreita pelas frinchas da floresta.


5. VÉSPERAS

    Se a colina que contempla a nossa cidade sempre foi conhecida como o Túmulo de Adão, só no crepúsculo de pode ver o gigante jacente, com a cabeça virada para oeste, o braço direito descansando para sempre na coxa de Eva,

    se poderá perceber, pela forma como observa o par escandaloso, o que, no fundo, a cidade pensa da sua cidadania,

    tal como na gritaria de um bêbedo se podem ouvir as suas mágoas rebeldes exigindo uma disciplina paterna, em olhos luxuriosos adivinhar uma alma desenganada,

    procurando, com desespero, em todas as pernas que passam algum vestígio do seu anjo sem rosto , que nesse tempo distante em que um desejo era consolo a invadiu e desapareceu:

    Pois a Lua e o Sol fornecem as máscaras resignadas, mas nesta hora de crepúsculo civil todos devem usar as próprias caras.

    É agora que os nossos caminhos se cruzam.

    Em simultâneo, ambos reconhecemos o nosso Anti-tipo, que eu sou um Arcádio e ele um Utópico.

    Ele, com desgosto, nota o meu ventre de Aquário, eu. com alarme, a sua boca de Escorpião.

    Ele gostaria de ver-me limpar latrinas, eu gostaria de o ver desterrado noutro planeta.

    Nenhum fala. Que experiência, poderíamos, porventura, partilhar?

    Observando um candeeiro num escaparate, eu opino que é demasiado feio para alguém sensato comprar: Ele observa que é demasiado caro para um camponês comprar.
    
    Ao passar por um miúdo andrajoso, raquítico, olho para o lado. Ele olha para o lado se vê um anafado.

    Eu desejo que os nossos senadores se comportem como santos, desde que não queiram emendar-me. Ele espera que se comportem como baritoni cattivi e quando luzes tardias na Cidadela,

    Eu (que nuca vi o interior de uma esquadra) sinto-me chocado e penso: "se a cidade fosse tão livre como dizem, depois do pôr-do-sol todos os ministérios seriam grandes blocos negros de pedra";

    Ele (que foi espancado várias vezes) não se espanta e pensa: "Um dia destes os nossos rapazes estarão ali a trabalhar."

    Eis por que entre o meu Éden e a sua Nova Jerusalém não há acordo possível.

    No meu Éden um tipo que não goste de Bellini tem o bom gosto de não ter nascido. Na sua Nova Jerusalém quem despreza o trabalho lamentará ter nascido.

   No meu Éden temos alguns arados mecânicos, locomotivas com cisterna, rodas de fluxo sobre---axial e outras peças maravilhosas de  com que podemos brincar. Na sua Nova Jerusalém até os encarregados zelarão pelas máquinas com a frieza de um pepino.

    No meu Éden a única fonte de notícias políticas é a bisbilhotice; na sua Nova Jerusalém haverá um diário especial com soletração simplificada para quem não verbaliza.

    No meu Éden todos observamos rituais compulsivos e tabus supersticiosos, mas não temos moral: na sua Nova Jerusalém os templos estarão vazios e todos serão devotos das virtudes acionais.

    A razão do seu desprezo é que eu só tenho de fechar os olhos, atravessar a ponte férrea, pelo caminho de sirga e tomar a barcaça através do pequeno túnel de tijolo e

    estou no meu Éden de novo, festejado pelos cromornos, doppions, sordumes de alegres mineiros e um carrilhão da Catedral (românica) de S. Sofia (Die Kalte):

    A razão do meu alarme é que, quando ele fecha os olhos, não chega à Nova Jerusalém, mas a um dia augusto de ultraje, em que diabretes espinoteiam (eu incluído), em escritórios arruínados e peixeiras intervêm na Cãmara ou

    a alguma noite outonal de delações e afogamentos, em que ladrões impenitentes (eu incluído) são sequestrados e os que ele odeia por sua vez se odiarão.

    Assim, num relance, tomamos a postura do outro. Já os nossos passos recuam, dirigindo-se, ambos incorrigíveis, para o seu tipo de tarde e refeição.

    Foi (como pareceria a um deus das encruzilhadas) apenas uma intersecção fortuita de vidas, leal a embustes diversos?

    Ou também um encontro de dois cúmplices que, apesar deles, não resistem a encontrar-se

    para lembrarem ao outro (algum deseja, no fundo, a verdade?) essa metade do desjo comum, que cada um mais desejaria esquecer,

    obrigando-nos, por jma fracção de segundo, a recordar a nossa vítima (não fosse por ele eu conseguiria esquecer o sangue, não fosse por mim ele consguiria esquecer a inocência),

    em cuja imolação (chamemos-lhe Abel, Remo, o que quiserem, é uma Oferenda de Pecado) são igualmente fundadas arcádias, utopias, o nosso velho traste de democracia:

    Porque sem um cimento de sangue (que deve ser humano, que deve ser inocente) nenhuma parede secular resistirá por muito tempo.


6. COMPLETAS

Agora que o desejo e as coisas desejadas
       Cessaram de requerer atenção
E, agarrando a oportunidade, o corpo foge,
       Bocado a bocado, para se reunir
Às plantas numa paz casta que lhe fica
       Mais a gosto, agora um dia é o seu passado
Com os seus gestos e sentimentos, deveria
       Chegar o instante da recordação
Em que tudo tem sentido: chega, mas só
       Recordo portas que batem,
Donas de casa rabujando, um velho que se empanturra,
       O olhar de inveja de uma criança,
Acções, palavras que caberiam em qualquer história,
       De que não consigo entender a intriga,
Nem o sentido, não consigo lembrar-me
       De nada, entre o meio-dia e as três.

Um som apenas me acompanha agora,
       O bater do coração, um pressentimento de estrelas
Vagueando e ambos
       Falam uma língua de movimento
Que posso medir, mas não ler: talvez 
       O meu coração confesse a sua parte
No que nos aconteceu entre o meio-dia e as três,
       Cetamente as constelações
Cantarão algum sarcasmo, além
       De todo o afecto ou acontecimento,
Mas sabendo que não sei o que sabem
       Nem o que deveria saber, desprezando
As fornicações vãs da fantasia,
       Deixem-me, abençoando-os
Pela doçura das suas destituições,
       Aceitar os nossos desencontros.

Um paaso mais levar-me-ia ao sonho,
       Deixar-me-ia sem privilégios,
Entre as suas tribos sujas de desejos      
       Que não têm danças, nem jogos,
Apenas um culto mágico para propiciar    
       O que acontece entre o meio-dia e as três,
Rituais antigos que de mim escondem - se deparasse,
       Por exemplo, com jovens num souto
Insultando um veado branco, nem empenhos, nem ameaças
       Os obrigariam a trair - e depois,
A negação da mentira é um passo para o nada
       Para o fim, o meu e o das cidades,
É a ausência total: o que acontecer
       Deverá voltar para o não-ser,
Por respeito da equidade, do ritmo,
       Além de medida ou compreensão.

Os poetas podem ser salvos
      (E os homens na televisão)? Não é fácil
Acreditar na justiça incomprrensível
       Ou rezar em nome de um amor
Cujo nome se esqueceu: libera
       Me, libera C (caro C)
E todos os f-d-p que nunca fizeram
       Nada ceto, perdoem-nos
No dia primordial em que nos acordam
       Aos safanões, factos são factos
(E saberei exactamente o que aconteceu
       Hoje, entre o meio-dia e as três)
E também nós poderemos ir hoje ao piquenique
       Sem nada para ocultar, juntarmo-nos 
À dança que se move em pericorese,
       À volta da árvore votiva.


7. LAUDES

Na folhagem os passarinhos cantam;
O canto do galo comanda a madrugada:
Em solidão, por companhia.

O sol brilhante ilumina ascriaturas mortais;
O homem descobre o seu vizinho:
Em solidão, por companhia.

 O canto do galo comanda a madrugada;
Já repica o sino da igreja:
Em solidão, por companhia.

O homem descobre o seu vizinho;
Deus abençoe o Lugar e o Povo:
Em solidão, por companhia.

Já repica o sino da igreja;
A roda da azenha continua a girar:
Em solidão, por companhia.

Deus abençoe o Lugar e o Povo;
Deus abençoe este verde mundo efémero:
Em solidão, por companhia.

A roda da azenha continua a girar;
Na folhagem os passarinhs cantam:
Em solidão, por companhia.

 



 




  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...