sexta-feira, 31 de julho de 2020

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI



   ER BON PADRE SPIRITUALE


"Accùsatti figliuola." "Me vergogno".
"Niente, ti aiuto io con tutto il cuore.
Hai detto parolacce?" "A un ber zignore". "
E cosa, figlia mia?" "Bbrutto caroggno",

"Hai mai rubato?" "Padre, sì, un cologgno".
"A chi?" "Ar zor Titta." "Figlia, fai l'amore?"
"Padre, sì". "E come fai?" "Da un cacatore
ciarlamo": "E dite?" "Cuer che cc'è bbisoggno".

"La notte dormi sola?" "Padre sì".
"Ciài pensiere cattivi" "Padre, oibbò".
"Dove tieni le mani?" "O cqui o lli..."

"Non ti stuzzichi?" "E cc'ho da stuzzicà?"
"Lì fra le cosce..." "Sin'adesso no,
( ma sta notte sce vojjo un po' pprovà)"

                                                  11 Dicembre 1832


            xxxxxxxxxxxxx


   O BOM PADRE ESPIRITUAL

 "Filha, confessa-te". “Tenho vergonha”.
“Não; ajudo-te do fundo do coração.
Disseste palavrões?” “A um cavalheiro”:
 “O quê, minha filha?” “Grande cabrão”.

“Terás roubado?” “Sim, padre, um marmelo”.
“A quem?” “Ao sor Titta”. “Filha, namoras?”
“Padre, sim” “E que fazes?” “Falamos,
na cagadeira”. “Que dizes?” “O necessário”.

“À noite, dormes sozinha?” “Padre, sim”.
“Tens maus pensamentos?” “Padre, jamais”.
“Onde pões as mãos?” “Aqui e acolá...”

”Não te tocas?” “E onde havia de tocar?”
“Aí, entre as coxas...” Até agora, não
(mas esta noite hei-de provar)”.

                                                   11 de Dezembro 1832





    L’INGEGGNO DELL’OMO

Er venardì de llà, a la vemmmaria,
io incontranno ar Corzo Margherita,
je curze incontro a bbracciuperte: "Oh Ghita,
propio me n'annerebbe fantasia!".

Disce: "Ma indove?" Allora a l'abborrita
je messe er fongo e la vardrappa mia,
e ddoppo tutt'e dua in compagnia
c'imbusciassimo drento a Caravita.

Ggià llì pare de stà sempr'in cantina:
e cquer lume che cc'è, doppo er rosario
se smorzò ppe la santa disscprina.

Allora noi in d'un confessionario
ce dassimo una bbona ingrufatina
de piede a la stazzione der Zudario.

                                                       18 Dicembre 1832


            xxxxxxxxxxxxx


   O ENGENHO DO HOMEM

Há duas semanas, pelas avé-marias,
encontrei na rua Margarida,
saudei-a de braços abertos: "Oh Guida,
fico sem siso, empreendo fantasias!"

Diz-me: "Mas onde?" Então cobri-a
com o chapéu e o manto que trazia
e assim os dois, em companhia,
entrámos dentro da igreja.

Ali parecia estarmos num sótão:
as velas que ardiam, depois do rosário,
apagaram-se pela santa disciplina.

Então, entrando num confessionário,
entregámo-nos a uma boa esfrega,
de pé, junto à estação do Sudário.

                                                    18 de Dezembro 1832

quinta-feira, 30 de julho de 2020

SA'DI (SÉC XIII)


A natureza da pessoa má
está-lhe no sangue,
a nobreza não chega com altos
cargos e muito dinheiro -
pensei que, agora, que eras
rico serias generoso,
mas cães são sempre cães,
mesmo com coleira de ouro.


              xxxxxxx


Quando a alma está pronta para partir,
todos os cirurgiões e a sua ciência irão falhar,
pois que um burro morto não se erguerá,
por muito que lhe puxem orelhas e rabo.


             xxxxxxxx


Ah, arrependi-me, pus vestes piedosas,
ouvi, tomei nota, sempre que os sábios falavam,
mas depois vi esse rapaz, corpo de cipreste,
e, de repente, esqueci os ensinamentos...


           xxxxxxxxx


Todos os dias chegas com algo novo,
mais amável sempre que te vejo:
disse, "irei contigo ao juiz recuperar
o meu coração". Mas temo que roubes o dele.

quarta-feira, 29 de julho de 2020

AURORA LUQUE (ALMERIA, 1962)


         PROBLEMAS DE DOBLAJE

En la toma perfecta, cuando el guion es bueno
y los actores fingen dignamente ser héroes,
el tiempo marca estrás, va apagando
uno a uno los focos y la banda
sonora se interrumpe.
Sensación de pantalla desgarrada
la insuficiencia siempre de vivir.
Qué frágil la película
que intentamos rodar en esas horas
para sesión privada y clandestina
en la pantalla interna de los párpados.
Un insípido tono pudoroso
de noche americana
en las irisaciones del deseo,
ni siquiera el siena matizado
del pasado incoloro nos acude.
Sueño de gabardinas
por calles satinadas de humedad,
lábios muy densos, casi
negros desde la sala. Juventud,
cintas de celuloide erosionado,
un guion mediocre,
problemas de doblaje.


        xxxxxxxxxxx


   PROBLEMAS DE DOBRAGEM

Na cena perfeita, quando o guião é bom
e os actores fingem dignamente ser heróis,
o tempo marca estrias, vai apagando
um a um os projectores e a banda
sonora interrompe-se.
Sensação de pantalha desgarrada
e insuficiência sempre de viver.
Que frágil a película
que intentamos rodar nessas horas
para sessão privada e clandestina
na pantalha interna das pálpebras.
Um insípido tom púdico
de noite americana
nas irisações do desejo,
nem sequer o siena matizado
do passado incolor nos acode.
Sonho de gabardines
por ruas acetinadas de humidade,
lábios muito densos, quase
negros desde a sala. Juventude,
fita de celulóide erodida,
um guião medíocre,
problemas de dobragem.

terça-feira, 28 de julho de 2020

PABLO GARCÍA CASADO (CÓRDOVA, 1972)


   PAREJAS

lentos los automóviles buscan un solar en las afueras
cada uno se adueña de su pedazo de cielo
en las líneas vacías de los planos urbanísticos

el profesor de biología con su alumna aventajada
el cantante de boleros con la cajera del supermercado
el asesino a sueldo con la hija del gobernador civil

lópez con paredes paredes con ruiz ruiz con ibáñez
en un lugar más extenso que todos los hoteles
más incierto que todos los amores a primera vista

jugando a combinar los primeros apellidos


           xxxxxxxxxxxxxxx


   CASAIS

lentos os automóveis buscam um terreno nos arredores
cada um se apropria do se próprio pedaço de céu
nas linhas vazias dos planos urbanísticos

o professor de biologia com a sua aluna dotada
o cantor de boleros com a caixeira do supermercado
o assassino a soldo com a filha do governador civil

lópez com paredes paredes com ruiz ruiz com ibáñez
num lugar mais amplo que todos os hotéis
mais incerto que todos os amores à primeira vista

jogando a combinar os primeiros apelidos

segunda-feira, 27 de julho de 2020

JULIO MARTÍNEZ MESANZA (MADRID, 1955)


 TAMBIÉN MUEREN CABALLOS EN COMBATE


También mueren caballos en combate
y lo hacen lentamente, pues reciben
flechazos imprecisos. Se desangran
con un noble y callado sufrimiento.
De sus ojos inmóviles se adueña
una distante y superior mirada,
y sus oídos sufren la agonía
furiosa y desmedida de los hombres.


          xxxxxxxxxxxxx


 TAMBÉM MORREM CAVALOS EM COMBATE

Também morrem cavalos em combate
e fazem-no lentamente, pois recebem
frechadas imprecisas. Dessangram-se
com um nobre e calado sofrimento.
Dos seus olhos imóveis apropria-se
um distante e superior olhar,
e os seus ouvidos sofrem a agonia
furiosa e desmedida dos homens.

domingo, 26 de julho de 2020

ANTHONY HECHT


   BIRDWATCHERS OF AMERICA

                                          I suffer now continually from vertigo, and today, 23rd of January, 1862, I                                              received a singular warning: I felt the wing of the wing of madness pass                                                over me.
                                                      Baudelaire, Journals

It's all very well to dream of a dove that saves,
                Picasso's or the Pope's,         
The one that annually coos in Our Lady's ear
                Half the world's hopes,
And the other one that shall cunningly engineer
The retirement of all businessmen to their graves,
                And when this is brought about
Make us the loving brothers of every lout -

But in our part of the country a false dusk
                Lingers for hours, it steams
From the soaked bay, wades in the cloudy woods,
                Engendering other dreams,
Formless and soft beyond the fence it broods
Or rises as a faint and rotten musk
                Out of a broken stalk,
There are some things of which we seldom talk;

For instance, the woman next door, whom we hear at night,
                Claims that when she was small
She found a man stone dead near the cedar trees
                After the first snowfall.
The air was clear. He seemed in ultimate peace
Except that he had no eyes. Rigid and bright
                Upon the forehead, furred
With a light frost, crouched an outrageous bird.


                xxxxxxxxxxxxxxxx


   OBSERVADORES DE AVES DA AMÉRICA

                                                           Sofro agora continuamente de vertigens, e hoje, 23 de Janeiro                                                               de 1862, recebi um aviso singular: senti o vento da asa da                                                                     loucura passar sobre mim.
                                                                                                 BAUDELAIRE, Diários

Está muito bem sonhar com uma pomba que salva,
               De Picasso ou do Papa,
A que anualmente arrulha no ouvido de Nossa Senhora
               Metade das esperanças do mundo,
E a outra que planeará astutamente
A aposentação de todos os negociantes para o túmulo,
               E quando isto acontecer
Fará de nós os irmãos extremosos de qualquer papalvo -

Mas na nossa parte do patinha os aís um falso crepúsculo
               Arrasta-se por horas, evapora-se
Do feno encharcado, patinha nos bosques enevoados,
               Engendrando outros sonhos.
Informe e macio além da sebe incuba
Ou ergue-se como almíscar tímido e podre
               Desde uma haste quebrada.
Há coisas de que raramente falamos; 

Por exemplo, a vizinha, que ouvimos à noite,   
               Afirma que quando era pequena
Descobriu um homem mais que morto junto aos cedros
               Depois do primeiro nevão.
O céu estava límpido. Rígido e resplandecente,
               Pousado na testa, revestido
De uma película de geada, acaçapava-se uma ave abominável.

sábado, 25 de julho de 2020

L UIS ALBERTO DE CUENCA


    CONVERSACIÓN


Cada vez que te hablo, otras palabras
escapan de mi boca, otras palabras.
No son mías. Proceden de otro sítio.
Me muerden en la lengua. Me hacen daño.
Tienen, como las lanzas de los héroes,
doble filo, y los labios se me rompen
a su contacto, y cada vez que surgen
de dentro -o de muy lejos, o de nunca-,
me fluye de la boca un hilo tibio
de sangre que resvala por mi cuerpo.
Cada vez que te hablo, otras palabras
hablan por mí, como si ya no hubiese
nada mío en el mundo, nada mío
en el agotamiento interminable
de amarte y de sentirme desarmado.


          xxxxxxxxxxxx


   CONVERSA

Cada vez que falo contigo, outras palavras
escapam da minha boca, outras palavras.
Não são minhas. Procedem de outro sítio.
Mordem-me na língua. Ferem-me.
Têm, como as lanças dos heróis,
fio duplo, e os lábios rompem-se-me
ao seu contacto, e cada vez que surgem
de dentro -ou de muito longe, ou de nunca-,
flui-me da boca um fio tépido
de sangue, que resvala pelo meu corpo.
Cada vez que falo contigo, outras palavras
falam por mim, como se já não houvesse
nada meu no mundo, nada meu
no esgotamento interminável
de amar-te e de sentir-me desarmado.



sexta-feira, 24 de julho de 2020

JON JUARISTI


INVITATION TO A BEHEADING

       En la inauguración del monumento a Unamuno, en Bilbao, su villa natal, el 27 de septiembre
       de 1984.

Posiblemente conociera
otras mujeres y otros libros.
Sólo dejó memoria de una
oscura nínfula y esposa
y hermana y madre y que sé yo
y la tediosa biblioteca
que algun chicano recorrió.
Su pueblo -el nuestro- le irritaba
(y no es difícil comprendelo):
huyó a las mugres intrahistóricas
de las ciudades mesetarias.
Otero le llamó lechuzo
y exageró (Blas, siempre viendo
en el ajeno ojo la paja).
Algo de cierto hubo, con todo,
en la leyenda, más que negra,
caliginosa que aún perdura
sobre su herida vanidad.
Y sin embargo, convillanos,
alcalde, conde de Motrico,
maceros, guardias, afición
en general ¿no nos habremos
pasado un poco al erigirle
esta picota ignominiosa
para castigo y escarmiento
de disidentes, poetastros
y otra gentuza desafecta?


    xxxxxxxxxxxx


INVITATION TO A BEHEADING

       Na inauguração do monumento a Unamuno, em Bilbau, sua cidade natal, a 27 de Setembro
       de 1984

Provavelmente conheceria
outras mulheres e outros livros.
Só deixou memória de uma
obscura ninfeta e esposa
e irmã e mãe e sei lá que mais
e a entediante biblioteca
que algum chicano percorreu.
O seu povo -o nosso- irritava-o
(e não é difícil compreendê-lo):
fugiu para as sebentas intra-históricas
das cidades mesetárias.
Otero chamou-lhe corujo
e exagerou (Blas, sempre a ver
o argueiro no olho alheio).
Algo de certo houve, contudo,
na lenda mais que negra,
caliginosa, que ainda perdura,
sobre a sua ferida vaidade.
E, porventura, conterrâneos,
alcaide, conde de Motrico,
fâmulos, guardas, adeptos
em geral, não nos teremos
passado um pouco ao erigir-lhe
este pelourinho ignominioso
para castigo e escarmento
de dissidentes, poetastros
e outra gentalha desafecta?

quinta-feira, 23 de julho de 2020

WELDON KEES



FOR MY DAUGHTER

Looking into my daughter's eyes I read
Beneath the innocence of morning flesh
Concealed, hintings os death she does not heed.
Coldest of winds have blown this hair, and mesh
Of seaweed snarled these miniatures of hands;
The night's slow poison, tolerant and bland,
Has moved her blood. Parched years that I have seen
That may be hers appear: foul, lingering
Death in certain war, the slim legs green.
Or, fed on hate, she relishes the sting
Of other's agony; perhaps the cruel
Bride of a syphillitic or a fool.
These speculations sour in the sun.
I have no daughter. I desire none.


             xxxxxxxxxxxx


PARA A MINHA FILHA

Olhando para os olhos da minha filha leio
Debaixo da inocência da carne matutina
Escondidas, sugestões de morte que ela não pressente.
O mais frio dos ventos soprou este cabelo e molhos
De algas enredaram-se nestas miniaturas de mãos;
O lento veneno da noite, tolerante e suave,
Agitou o seu sangue. Anos ressequidos que vi
Poderem ser seus aparecem: sórdidos, prolongada
Morte em alguma guerra, verdes as pernas delgadas.
Ou, alimentada a ódio, tem prazer no ferrão
Da agonia de outros; talvez a noiva
Cruel de um sifilítico ou de um louco.
Estas especulações amargam à luz do sol.
Não tenho filha. Nem desejo tê-la.

quarta-feira, 22 de julho de 2020

VICTOR BOTAS


  VENUS DE CNIDO

Las manos de la diosa
no prodigan
calor.
          Vale mil vezes
más la humilde ternura de esas otras,
comunes y encontradas
en la noche del puerto,
que toda la destreza de Praxíteles.


         xxxxxxxxxxx


  VÉNUS DE CNIDO

As mãos da deusa
não oferecem
calor.
          Vale mil vezes
mais a ternura humilde dessas outras,
comuns e encontradas
na noite do porto,
que toda a destreza de Praxíteles.

terça-feira, 21 de julho de 2020

J. V. CUNNINGHAM



EPIGRAMS     (6)


Homer was poor. His scholars live at ease,
Making as many Homers as you please,
And every Homer furnishes a book.
Though guests be parasitic on the cook
The moral is: It is the guest who dines.
I'll write a book to prove I wrote these lines.


               xxxxxxxxxxxxxxx


EPIGRAMAS     (6)


Homero era pobre. Os seus escoliastas com boa vida,
Produzindo tantos Homeros quantos se quiser,
E cada Homero produz um livro.
Embora os convidados garantam o cozinheiro
A moral é: É o convidado que janta.
Escreverei um livro a provar que escrevi estas linhas.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

DICK DAVIS



    TRAVELLING

1 Pastoral

With lavender and mint;
                                        the mind's bemused
Sheep browse - croppimg the serious anedocte,
Eschewing the dust of small-talk.
                                                       Nearby,

Reason is a small boy who throws stones, sends
His yapping dog, to guide the errant flock.



An Arrival

Stranger, accept the little that is given -
The evening crowds, the quick unlooked-for smile
And the benediction of the sunset:
                                                        who knows
But the tryst with the unknown god is here?



                  xxxxxxxxxxx



    EM VIAGEM

1   Pastoral

Alfazema selvagem e hortelã;
                                                 as ovelhas
Estupefactas da mente pastam - tosquiando a anedota séria,
Evitando o pó da conversa fiada.
                                                      Por perto,

A razão é um rapazinho que atira pedras, ordena
Ao seu rafeiro que guie o rebanho errante.



2   Uma  Chegada

Estrangeiro, aceita o pouco que é dado -
As multidões vespertinas, o sorriso breve, inesperado
E a bênção do acaso:
                                   quem sabe
Se o encontro com o deus desconhecido é aqui?

domingo, 19 de julho de 2020

MIGUEL D'ORS



    CUERVOS

Han bajado al rastrojo
llevados por su instinto: buscarse el alimento,
llegar vivos a cada atardecer,
reproducirse, repetir el ciclo
que desde los orígenes del tiempo
les impone su especie. Ni felices
ni tristes, van y vienen sobre el campo
invernizo. No saben
que lo que están haciendo es vivir. No sospechan
el simbolismo funeral del negro,
ni que su vuelo pronostica lluvia,
ni lo que significa "Nevermore".
Y menos todavía
que en este instante están imitando un Van Gogh.

                                                          12-V-2011


         xxxxxxxxxxx


     CORVOS

Baixaram ao restolho
levados pelo seu instinto: buscar alimento,
chegar vivos a cada tarde,
reproduzir-se, repetir o ciclo
que desde as origens do tempo
a sua espécie lhes impõe. Nem felizes,
nem tristes, vão e vêm sobre o campo
invernal. Não sabem
que o que estão fazendo é viver. Não suspeitam
o simbolismo fúnebre do negro,
nem que o seu voo prediz chuva,
nem o que significa "Nevermore".
E ainda menos
que, neste instante, estão imitando um Van Gogh.

                                                          12-V-2011

sábado, 18 de julho de 2020

LUCIANO ERBA


      VERSO JAIPUR 


Sulla strada di Jaipur 
le alture sono basse come colline 
ma triangolari e rocciose come montagne 
le plante grigie ai lati della strada 
hanno foglie ad altezza di cammello 
o di altri animali di lungo collo 
brucano tutti com l’innocenza degli inizi 
e la grande pazienza della fine. 


           xxxxxxxxxxxx


     A CAMINHO DE JAIPUR 


Na estrada de Jaipur 
as elevações são baixas como colinas 
mas triangulares e rochosas como montanhas 
as plantas cinzentas na beira da estrada 
têm folhas ao alcance do camelo 
ou de outros animais de pescoço longo 
desfolham-nas com a inocência dos inícios 
e a grande paciência do fim.

sexta-feira, 17 de julho de 2020

ARNAUT DANIEL


    Lo ferm voler q'el cor m'intra
no-m pot jes becs escissendre ni ongla
de lausengisr, qui pert per maldir s'arma;
e car  non l'aus batr'ab ni ab verga,
sivais a frau, lai on non aurai oncle,
jauzirai joi, en vergier o dinz cambra.

    Qan mi soven de la cambra
on a mon dan sai que nuills hom non intra
anz me son tuich plus que fraire ni oncle,
non ai membre no-m fremisca, neis l'ongla,
aissi cum fai l'enfans denant la verga:
tal paor ai no-l sia trop de l'arma.

    Del cors li fos, non de l'arma,
e conssentis m'a celat dinz sa cambra!
Que plus mi nafra-l cor que colps de verga
car lo sieus sers lai on ill es no intra;
totz temps serai ab lieis cum carns et ongla,
e non creirai chastic d'amic ni d'oncle.

    Anc la seros de mon oncle
non amei plus ni tant, per aqest'arma!
C'aitant vezis cum s lo detz de l'ongla;
s'a liei plagues, volgr'esser de sa cambra,
mos cors no-is part de lieis tant cum ten l'ongla.

    Pois flori la seca verga
ni d'En Adam mogron nebot ni oncle,
tant fin'amors cum cella q'el cor m'intra
non cuig fos anc en cors, ni eis en arma;
on q'ill estei, for sen plaz', o dins cambra,
mos cors no-is part de lieis tant cum ten l'ongla.

   C'aissi s'enpren e s'enongla
mos cors sen lei cum l'escorss en la verga;
q'ill m'es de joi tors e palaitz e cambra,
e non am tant fraire, paren ni oncle:
q'en paradis n'aura doble joi m'arma,
si ja nuills hom per ben amar lai intra.   

Arnautz tramet sa chansson d'ongl'e d'oncle,
a grat de lieis que de sa verg'a l'arma,
son Desirat, cui pretz en cambra intra.


             xxxxxxxxxx


    O firme desejo que no coração me entra
não o podem arrancar bico nem unha
de adulador, que perde, por malícia, a alma;
e como não me atrevo a bater-lhe com ramo ou verga,
mesmo que às escondidas, lá onde não tenho tio,
gozarei alegre no jardim, ou no quarto.

    Quando me lembro do quarto,
onde sei, que para meu mal, ninguém entra
e todos me vigiam mais que irmão ou tio,
todos os membros me tremem até à unha,
tal como a criança diante da verga:
tanto medo tenho de não ser seu de toda a alma.

    Com o corpo seria, não com a alma,
se me acolhesse no seu quarto!
Mais me fere o coração que golpe de verga,
que o seu servidor onde ela está não entra,
com ela sempre serei carne com unha
e não aceitarei reprimenda de amigo ou tio.

    Nunca à irmão de um tio
amei tanto, por minha alma!
Quanto está perto o dedo da unha,
se lhe prazesse, quereria estar no seu quarto;
de mim pode fazer o amor, que no coração entra,
tudo o que queira como homem forte, com débil verga.

    Desde que floresceu a seca verga
e de Adão descendeu sobrinho e tio,
tão fiel amor como no coração me entra,
não creio que houvesse no corpo, nem na alma:
onde ela esteja, na praça ou no quarto,
o meu coração não se aparta a distância de uma unha.

   Assim empreende e se desunha
o meu coração nela, como casca em verga;
é da minha alegria torre, palácio e quarto
e não amo tanto o irmão, parente ou tio:
no paraíso gozo dobrado terá a minha alma,
se por bem amar houver quem lá entra.

Arnaut envia a sua canção de unha e de tio,
com permissão de quem tem de sua verga a alma,
ao seu Desejado, que por mérito, no quarto entra.


terça-feira, 14 de julho de 2020

GIUSEPPE GIOACHINO BELLI



ER DECORO 

Pussibbile che ttu che ssei romana 
nun abbì da capì sta gran sentenza, 
che ppe vvive in ner monno a la cristiana 
bisogna lascià ssarva l'apparenza! 

Co cche ccore, peddio!, co cche ccuscenza 
vòi port`scrito in fronte: Io sò puttana
Non ze pò ffà le cose co pprudenza? 
Abbi un po' de ggiudizzio, sciarafana. 

Guarda Fra Ddiego, guarda Don Margutto: 
c'è bbarba-d'-omo che nne pò ddi ggnente? 
Be', e la viggijja maggneno er presciutto. 

Duncue sta verità tiettela a mmente 
che cquaggiù, Checca mia, se pò ffà ttutto, 
bbasta de nun dà scànnolo a la ggente. 

                                                           8 Novembre 1832


              xxxxxxxxxxxx



    O DECORO 

Será possível que tu, que és romana, 
não consigas seguir o bom preceito 
de que para viver como cristã 
é preciso salvar as aparências? 

Por Deus, com que ânimo, com que consciência 
levas escrito na testa: Sou uma puta
Não sabes fazer as coisas com prudência? 
Tem um pouco de juízo, sê arguta. 

Observa Frei Diego, observa Dom Margutto: 
alguém parecerá mais impoluto? 
E, na abstinência, comem presunto. 

Tem, pois, esta verdade em mente 
que, minha Chica, podes fazer tudo, 
basta que não dês escândalo à gente. 

                                                         8 de Novembro 1832


    LA VIGGIJA DE NATALE 

Ustacchio, la viggija de Natale 
tu mmettete de guardia sur portone 
de cuarche mmonziggnore o ccardinale 
e vedrai entrà sta priscissione: 

Mo entra una cassetta de torrone, 
mo entra un bariolzzo de caviale, 
mo er porco, mo er pollastro, mo er cappone, 
e mmo er fiasco de vino padronale. 

Poi entra el gallinaccio, poi l'abbacchio, 
l'oliva dorce, er pessce de Fojjano, 
l'ojjo, er tonno, e línguilla de Comachio. 

Inzomma, inzino a nnotte, a mmano a mmano, 
tu llì accorgerai, padron Ustacchio, 
cuant'è ddivoto er popolo romano. 

                                                          30 Novembre 1832

   
            
                    xxxxxxxxxxxxxx




 A NOITE DE NATAL 

Eustáquio, na noite de Natal 
põe-te a vigiar os portões 
de qualquer monsenhor ou cardeal 
e verás entrar esta procissão: 

Entra primeiro uma caixa de torrão, 
depois uma barrica de caviar, 
mais o porco, mais o frango, mais o capão, 
e mais o tonel do vinho do patrão. 

Segue-se o peru, segue-se o anho, 
azeitonas doces, peixe de Fogliano, 
o azeite, o atum, as enguias de Commachio. 

Em suma, até à noite, a pouco e pouco, 
ali observarás, meu caro Eustáquio, 
como é devoto o povo romano. 

                                                   30 de Novembro 1832                          

segunda-feira, 13 de julho de 2020

JAMALLADIN ESFAHANI (SÉC XIII) 



 "A paciência depressa resolverá 
os teus problemas", 
disse o meu amigo: 
"a vida irá melhorar, água 
fresca voltará a encher 
o leito seco do riacho". 
"De que servirá a água - 
respondi-lhe - 
"a um peixe morto?"



 xxxxxxx 



 SHATRANJI (SÉC XIII) 



 Para aprender necessitas um professor, 
alguém que saiba. Acaso pensas 
que os livros serão suficientes? 
Serás como a galinha, que o galo 
evitou - ovos bonitos, 
mas deles não sairá pinto.

domingo, 12 de julho de 2020

ANTHONY HECHT


   RITES AND CERIMONIES


I     THE ROOM

         Father, adonoi, author of all things,
                         of the three states,
         the soft light of the barn ay dawn, 
                         a wind that sings
         in the bracken, fire in iron gates,
                         the ram's horn,
         Furnisher, hinger of heaven, who bound 
                         the lovely Pleiades,
         entered the perfect treasuries of the snow,
                         established the round
         course of the world, birth, death and disease
                         and caused to grow
         veins, brain, bones in me, to breathe and sing
                         fashioned me air,
         Lord, who, governing cloud and waterspout,
                         o my King,
         held me alive this my forty-third year -
                         in whom we doubt -
         Who was that child of whom they tell
                         in lauds and threnes?
         whose holly name all shall pronouce
                         Emmanuel,
         which being interpreted means,
                         "Got mit uns" ?

I saw it on their belts. A young one, dead,
Left there on purpose to get us used to the sight,
When swe first moved in. Hedlmet spilled off, head
Blond and boyish and bloody. I was scared that night.
And the sign was there,
The sign of the child, the grave, worship and loss,
Gunpowder heavy as pollen in winter air,
An Iron Cross.

It is twenty years now, Father. I have come home.
But in the camps, one can look through a huge square
Window, like an aquarium, upon a room
The size of my livingroom filled with human hair.
Others have shoes, or valises
Made mostly of cardboard, wich once contained
Pills, fresh diapers. This is one of the places
Never explained.

Out of one trainload, about five hundred in all,
Twenty the next morning were hopelessly insane.
And some there be that have no memorial,
That are perished as though they werw never been.
Made into soap.
Who now remembers "The Singing Horses of Buchenwald"?
"Above all, the saving of lives," whispered the Pope.
Die Vögelein schweigen in Walde,

But for years the screaming continued, night and day,
And the little children were suffered to come along, too.
At night, Father, in the dark, when I pray,
I am there, I am there. I am pushed through
With the others to the strange room
Without windows; whitewashed walls, cement floor.
Millions, Father, millions have come to this pass,
Which a great church has voted to "deplore".

Are the vents in the ceiling, Father, to let the spirits depart?
We are crowded in here naked, female and male.
An old man is saying a prayer. And now we start
To panic, to claw at each other, to wail
As the rubber-edged door closes on chance and choice.
He is saying a prayer for all whom this room shall kill.
"I cried unto the Lord God with my voice,
And he has heard me out His holy hill."

quarta-feira, 1 de julho de 2020

LUIS ALBERTO DE CUENCA ( MADRID, 1950



          AMOUR FOU

 
Los reyes se enamoran de sus hijas más jóvenes.
Lo deciden un dia, mientras los cortesanos
discuten sobre el rito de alguna ceremonia
que se olvidó y que debe regresar del olvido.
Los reyes se enamoran de sus hijas, las aman
com látigos de hielo, possessivos, feroces,
obscenos y terribles, agonizantes, locos.
Para que nadie pueda desposarlas, plantean
enigmas insolubles a cuantos pretendientes
aspiran a la mano de las princesas. Nunca
se vieron tantos príncipes degollados en vano.

Los reyes se aniquilan con sus hijas más jóvenes,
se rompen, se destrozan cada noche en la cama.
De día ellas se alejan en las naves del sueño
y ellos dictan las leyes, solemnes y sombríos.


                 xxxxxxxxxxxxx


   AMOUR FOU


Os reis enamoram-se das suas filhas mais novas.
Um dia, decidem-no, enquanto os cortesãos
discutem o rito de qualquer cerimónia
que se esqueceu e deve regressar do esquecimento.
Os reis enamoram-se das suas filhas, amam-nas
com látegos de gelo, possessivos, ferozes,
obscuros e terríveis, agonizantes, loucos.
Para que ninguém possa desposá-las, colocam
enigmas insolúveis a quantos pretendentes
aspirem à mão das princesas. Nunca
se viu tantos príncipes degolados em vão.

Os reis aniquilam-se com as suas filhas mais novas,
dilaceram-se, destroçam-se todas as noites na cama.
De dia, elas afastam-se nas naves do sonho
e eles ditam as leis, solenes e sombrios.   

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...