terça-feira, 29 de junho de 2021

 LUCIANO ERBA


IL CAVALIERE DEL GARBO 

Oppure 
svernare agli ultimi piani 
nelle cento città. Una corda 
molte corde 
da una parete all’altra, da soffitti 
al pavimento. Tese. 
E il qiueto soleggiare sulle dimore. 
Mie Rosalbe Carriere 
rivedrò i vostri ombrelli piumate? 
Miei sogni aprirò 
le vostre chiuse cerniere?


     xxxxxxxxxxxxxxx


O CAVALEIRO DO GARBO 

Ou então 
passar o inverno nos últimos pisos 
nas cem cidades. Uma corda 
muitas cordas 
de uma parede à outra, do tecto 
ao soalho. Esticadas. 
E o pacato soalheiro nas residências. 
Minhas Rosalbas Carriera 
verei de novo as vossas sombrinhas plumadas? 
Os meus sonhos abrirão 
os vossos fechos cerrados?

segunda-feira, 28 de junho de 2021

 THIBAUT IV DE CHAMPAGNE
(TEOBALDO I DE NAVARRA)
          (...1201-1253...)



Ausi comme unicorne sui
que s'esbahist en regardant,
quant la pucele va mirant.
Tant est liee de son ennui,
pasmee chiet en son giron;
lors l'ocit en traison;
Et moi ont mort d'autel semblant
amors et ma dame, por voir:
mon cuer ont, n'en puis poinr ravoir.

Dame, quant je devant vous fui
et je vous vi premierement,
mes cuers aloit si tressaillant,
qu'il vous remest, quant je m'en mui.
Lors fu menez sanz raençon
en la douce chartre en prison
dont le piller sont de talento
et li huis sont de biau veoir
et li anel de bon espoir.

De la chartre a la clef Amors
et si a mis trois portiers:
Biau Semblant a non li premiers,
et Biautez cele en fet seignors;
Dangier a mis a l'uis devant,
un ort, felon, vilain, puant,
qui mult est maus et pautoniers.
Cil trois sont et viste et hardi:
mult ont tost un homem saisi.

Qui porroi sosfrir les tristors
et les assautz de ces huissiers?
Onque Rollanz ne Oliviers
ne vainquirent si granz estors;
ils vainquirent en combatant,
mès ceus vaint on humiliant.
Sousfrir en est gonfanoniers;
en estor dont je vous di
n'a nul secors fors de merci.

Dame, je ne dout mès tiens plus
que tant que faille a vous amer.
Tant ai apris a endurer
que je suis vostre tout par us;
et se il vous en pesoit bien,
ne m'en puis le partir pour rien
que je n'aie le remembrer
et que mes cuers ne soit adès
en la prison et de moi près.

Dame, quant je ne sai guiller,
merciz seroit de seson mès
de soustenir greveus fès.


         xxxxxxxxxxxx


Tal como o unicórnio sou,
que se espanta de ver
que a donzela o contempla.
Tão aturdido pelo medo,
cai, no seu regaço, desmaiado:
então, matam-no, à traição.
E a mim mataram de forma semelhante
o amor e a minha dama, na verdade:
têm o meu coração, não o posso resgatar.

Senhora, quando na vossa presença estive
e vos vi, pela primeira vez,
o meu coração tanto estremeceu,
que se quedou convosco, quando parti.
Então fui levado, sem resgate,
ao doce cárcere, à prisão,
cujos pilares são a vontade
e as portas formosa mirada 
e as argolas boa esperança.

Do cárcere tem a chve Amor
e destinou-me três carcereiros:
Semblante Formoso chama-se o primeiro,
de Beleza faz o seu senhor;
Perigo colocou diante da porta,
frio, malvado, vilão, malcheiroso,
que muito é mau e perverso.
Estes três são céleres e atrevidos:
de pronto, prendem um homem.

Quem poderia suportar a maldade
e os assaltos destes carcereiros?
Nunca Roldão e Oliveiros
venceram tão grande batalha;
eles venceram combatendo,
mas a estes vence-se pela humilhação.
O Sofrimento é o porta-estandarte;
neste combate de que vos falo,
não há outro socorro que piedade.

Senhora, a nada temo mais,
que o deixar de amar-vos.
Tanto aprendi a sofrer,
que sou vosso para sempre,
ainda que tal vos pesasse,
não poderia, por nada, partir,
sem preservar a lembrança
e sem que o meu coração continuasse
no cárcere e eu preso.

Senhora, como não sei enganar,
já seria o momento de apiedar-vos
e aliviar fardo tão pesado.





domingo, 27 de junho de 2021

 DURS GRÜNBEIN


BANHEIRAS

Que objectos adoráveis são as banheiras, esmaltadas
                  e lustrosas e completamente
                      inaproximáveis com as suas

curvas heróicas de ferro forjado
                 velhas senhoras ainda vivaças
                     depois da menopausa.

Móveis típicos (quando é
                que alguma delas se ergueu
                    e partiu) e contudo

continuamente enchidas, toda a sujidade
                dissolvida e enxaguada
                   para a rede de esgoto

é empurrada para esse estreito
               buraco de saída na base. Verdadeiras má-
                   quinas de suicídio, nas suas      

pernas atarracadas, quentes camas de água
              com o espaço suficiente para apenas
                  um único par copulador

em tantos apartamentos, algo como
              um oásis de bolhas
                                              nostálgicas.
         

sábado, 26 de junho de 2021

 SIMONIDES


Ao trazerem a Apolo
as oferendas de Esparta,
um mar, uma noite, um barco
afundaram estes homens.



Teodoro regozija-se
porque estou morto.
Outro se regozijará
quando ele morrer.
Todos pertença da morte.

sexta-feira, 25 de junho de 2021

 LI SHANG-YIN


Cauda de fénix em seda perfumada, desenho azul,
No dossel, linha após linha, ela bordou pela noite dentro.
O leque, em forma de lua, não escondia o seu embaraço.
A carruagem partiu trovejando, sem tempo para a última palavra.
No quarto silencioso escureceu o ouro do pavio:
Desde então nenhuma mensagem, já a romã está vermelha.
O cavalo aguarda, amarrado, no cais, junto aos salgueiros;
Onde esperar que um vento benigno sopre de sudoeste?

quinta-feira, 24 de junho de 2021

CHARLES SIMIC


HAPPY END

And then thry pressed the melon
And heard it crack
And then they ate enough to burst
And then the bird sung oh so sweetley 
While they sat scratching without malice
Good I said for just then
The cripples started dancing on the table
That night I met a kind of angel
Do you have a match she said
As I was unzipping her dress
Already there were plenty of them
Who had ascended to the ceiling
Lovers they were called and they held
Roses between their teeth while the Spring
Went on outside the wide open windows
And even a stick used in childbeating 
Blossomed by the little crooked road
My hunch told me to follow


              xxxxxxxxxxxx


HAPPY END

E depois apertaram o melão
E ouviram-no estalar
E depois comeram até rebentar
E depois o pássaro cantou oh tão docemente
Enquanto se sentavam coçando-se sem malícia
Bom disse eu pois nesse momento
Os coxos começaram a dançar em cima da mesa
Nessa noite encontrei uma espécie de anjo
Tens lume perguntou ela
Quando eu lhe desapertava o vestido
Já havia muitos deles
Que tinham trepado para o tecto
Amantes chamavam-lhes e seguravam
Rosas entre os dentes enquanto a Primavera
Prosseguia para lá das grandes janelas abertas
E até um pau usado para bater em crianças
Floriu junto à estrada tortuosa
Que um palpite me mandou seguir

quarta-feira, 23 de junho de 2021

 RUSSELL EDSON


FIRE IS NOT A NICE GUEST

     I had charge of an insane asylum, as I was insane.
     A fire came, which got hungry; so I said, you may eat a log, but do not go upstairs and eat a dementia precox.
     I said, insane people, go into the attic while a fire eats a kitchen chair for breakfast.
     But fire wanted a kitchen curtain, which it ate and climbed at the same time, and went then into the ceiling to eat a rafter.
    I said, if you're so hungry eat a rafter, but do not eat a maniac.
    Meanwhile, a maniac in the attic, with a hatchet, began to attack the sky.
    You'll make it rain, you do that, I said, you'll wound it to rain.
    The fire ws eating an old lady. I said, one old lady, yes, and a child for desert.
     I said to the fire that it may take a siesta in the maniac's bed. But the fire wanted to eat the bed. You are too hungry, fire, I said, But, by that time the fire's whole family had moved in, and was eating out the corners of the asylum - Hey, that's where the dusts have built their cities.
    But the fires will not listen as they do not like to starve.
    So I called the lunatics out of the attic and said to them that this was a war of nutrition, and that they must eat the fire, which, if not, will eat them.
    But they said, we are not fire-eaters, we are sword-swallowers...


                              xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


O FOGO NÃO É UM CONVIDADO AMÁVEL

    Eu era encarregado de um manicómio, pois estava louco.
    Chegou um fogo, que ficou esfomeado; por isso, eu disse podes comer um toro, mas não subas as escadas e não comas uma dementia praecox.
    Eu disse, doidos, ide para o sótão, enquanto um fogo come uma cadeira da cozinha ao pequeno- almoço.
    Mas o fogo queria uma cortina de cozinha, que comeu e trepou ao mesmo tempo, e depois foi para o tecto comer um caibro.
    Eu disse, se tens tanta fome come um caibro, mas não comas um maníaco.
    Entretanto, um maníaco no sótão, com um machado, começou a atacar o céu. 
    Vais provocar chuva, é o que vais fazer, disse eu, feri-lo até que chova.
    O fogo estava a comer uma senhora idosa. Eu disse, uma senhora idosa, vá lá, e uma criança para sobremesa.
    Eu disse ao fogo que podia dormir a sesta na cama do maníaco. Mas o fogo queria comer a cama. Estás muito esfomeado, fogo, disse eu.
    Mas, por essa altura, toda a família do fogo já tinha entrado e estava a comer os cantos do manicómio - Eh, é aí onde os mortos construíram as suas cidades.
    Mas os fogos não queriam ouvir porque não gostam de passar fome.
    Por isso, pedi aos lunáticos que saíssem do sótão e disse-lhes que era uma guerra de nutrição e que deviam comer o fogo, ou então ele os comeria.
    Mas elas disseram, nós não somos comedores de fogo, somos engolidores de espadas...


terça-feira, 22 de junho de 2021

 AUGUST KLEINZAHLER


LIKE CITIES, LIKE STORMS

Like cities, like storms

these alto and tenor men
blow back cool legato or a rope of cries
against a world pouring down
so hard and fast

the bass and drums are about to fly
off the beat
and lose the soloist orbiting
round it

but don't, somehow
thirty or forty years ago at the Royal
Roost, Five Spot or studio
in Hackensack.

With fhe owner counting heads
and the kid
down from Yale working his way up
his girlfriend's thigh

the rhythm men keep holding on

a feet off the ground
but holding.


      xxxxxxxxxxxxxxxxxx


COMO CIDADES, COMO TEMPESTADES

Como cidades, como tempestades

estes saxofonistas alto e tenor
sopram um legato cool ou uma corda de gritos
contra um mundo despejando-se
tão rígido e veloz

que o baixo e a bateria estão quase a voar
fora do ritmo
e a perder o solista que orbita
à volta

mas não, de certa forma
há trinta ou quarenta anos no Royal
Roost, no Five Spot ou no estúdio
em Hackensack.

Com o proprietário a contar cabeças
e o miúdo
vindo de Yale a desbravar caminho
pela coxa da namorada

os homens do ritmo conseguem aguentar-se

um metro acima do solo,
mas aguentam-se.

segunda-feira, 21 de junho de 2021

 ALEKSANDAR RISTOVIC


AO AR LIVRE

Ao atravessar um campo,
alguém que, de momento,
está preocupado com pensamentos de suicídio,
é forçado pelo chamamento da natureza
a adiar o acto
e, assim, de cócoras,
descobre-se a apreciar
alguns pés de relva,
como se os visse, pela primeira vez, 
de tão perto,
enquanto fica corado
e se esforça para tirar do bolso
uma folha de papel,
com a sua nota de despedida
já escrita.

domingo, 20 de junho de 2021

FERNANDO ORTIZ


MARZO

En la tarde de Marzo restalla la flor de azahar
y el azul es tan vivo como en libro miniado.
El aire, a veces frío, aún recuerda el invierno
y hay sol de primavera.
Detrás de un portalón está el zaguán, un patio, la húmeds
                                                                          [penumbra,
y en su interior un pájaro que anuncia ya el estío.
Qué sorpresa ante el pájaro,
la flor, el cielo azul, el aire tornadizo
y este aleteo de cenizas,
su ciego afán inútil para no dispersarse en la tarde de marzo.


        xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


MARÇO

Na tarde de Março crepita a flor da laranjeira
e o azul é tão vivo como em livro de miniaturas.
O ar, por vezes frio,, ainda recorda o inverno
e há sol de primavera.
Detrás de um portão  está o vestíbulo, um pátio, a húmida
                                                                         [penumbra,
e no seu interior um pássaro anuncia já o estio.
Que surpresa perante o pássaro,
a flor, o céu azul, o ar inconstante
e este esvoaçar de cinzas,
o seu afã inútil para não dispersar-se na tarde de março. 

sábado, 19 de junho de 2021

 D. J.  ENRIGHT


APOCALYPSE

"After the New Apocalypse, very few members were still in possesion of their instruments. Hardly a musician could call a decent suit his own. Yet, by the early summer of 1945, strins of sweet music floated on the air again. While the town still reeked of smoke, charred buildings and the stench of corpses, the Philarmonic Orchestra bestowed the everlasting and imperishable joy which music never fails to give." 
       (from The Muses on the Bank of the Spree, a Berlin tourist brochure)

It soothes the savage doubts.
One Bach outweighe ten Belsens. If 200.000 people
Were remaindered at Hiroshima, the sales of So and So´s
New novel reached a higher figure in as short a time.
So, imperishable paintings reappeared:
Texts were reprinted:
Public buildinga reconstructed:
Human beings reproduced.

After the Newer Apocalypse, very few members
Were stillin possesion of their instruments
(Very few were still in possesion of their members),,
And their suits were chiefly indecent:
Yet, while the town still reeked of smoke, etc.,
The Philarmonic Trio besyowed, etc.

A civilization vindicated,
A race with three legs still to stand on!
True, the violin was shortly silenced by leukaemia,
And the pianoforte crumbled softly into dust.
But the flute was left. And one is enough.
All, in a sense, goes on. All is in order.

And he ten-tongued mammoth larks,
The forty-foot crickets and the elephantine frogs
Decided that the little chap was harmless.
At least he made no noise, on the banks of whatever river
                                                 it used to be.
One day, a reed-warbler stepped on him by accident.
However, all, ina sense, goes on. Still the everlasting and
                                                imperishable joy
Which music never fails to give is given.


          xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


APOCALIPSE

"Depois do recente Apocalipse, muito poucos membros estavam ainda na posse dos seus instrumentos. Quase nenhum músico podia chamar seu um fato decente. Ainda assim, no Verão de 1945, sons de música aprazível flutuaram no ar, de novo. Enquanto a cidade ainda estava cheia de fumo, edifícios devorados pelo fogo e o fedor de cadáveres, a Orquestra Filarmónica ofereceu a duradoura e imperecível alegria, que a música nunca deixa de oferecer."
             (em As Musas nas Margens do Spree, uma brochura turística de Berlim)

Acalma as dúvidas selvagens.
Um Bach vale mais que dez Belsen. Se 200.00 pessoas
Estiveram em saldo em Hiroshima, as vendas de Fulano
Nunca atingiram um número tâo alto em tão pouco tempo.
Logo, pinturas pinturas imperecíveis reapareceram.
Textos foram re-impressos.
Edifícios públicos reconstruídos;
Seres humanos reproduzidos.

 Depois do ainda mais Recente Apocalipse, muito poucos membros
Ainda possuíam os seus instrumentos
(Muito poucos ainda possuíam os seus membros)
E os seus fatos estavam, na maior parte, indecentes.
Ainda assim, enquanto a cidade ainda estva cheis de fumo, etc.,
O Trio Filarmónico ofereceu, etc.

Uma civilizção justificada.
Uma raça ainda com três pernas para se erguer!
É verdade que o violino, em breve, foi silenciado por leucmia.
E o pianoforte se desfez suavemente em pó.
Mas a flauta sobreviveu. E um é bastante.
Tudo, em certo sentido, continua. Tudo está em ordem.

E o mamute de dez línguas diverte-se,
Os grilos de quarenta pés de comprimento e as rãs elefantinas
Decidiram que o tipo pequenino era inofensivo,
Pelo menos não fazia barulho, nas margens de qualquer rio
                                                   onde estivesse.
Um dia, um rouxinol dos pauis pisou-o por acidente.
Todavia, em qualquer sentido, tudo continua. Ainda assim a alegria
                                                             duradoura e imperecível
Que a música nunca deixa de oferecer, é oferecida. 









quarta-feira, 16 de junho de 2021

 MIROSLAV HOLUB


NÓS QUE RIMOS

Fomos expulsos
da sala de aula, da praça,
do salão de jogos,
da Bolsa, do marcado,
do ecrã de televisão e
da moldura dourada
e de qualquer
história,  
              nós
                     que rimos.

A cidade inchou de importância
dois andares
e os aparelhos de escuta telefónica
escutaram melhor
(no silêncio)
e o porteiro
montou melhor vigilância
e o amor procurou uma faca
e a faca procurou sangue
(no silêncio)
e os ratos ficaram ainda mais
ratos (que nunca riem)
enquanto nós eramos expulsos
                    nós
                            que rimos.
Alguns pterodáctilos
aos círculos no céu de chumbo
e cavalinha e licopódio
cresceram nos canteiros
e um mastodonte elegíaco
observava desde a Câmara
para ver se regressávamos
                  nós
                         que riamos.

Não regressávamos.
Caminhámos pela calçada gasta
da rua sem fim,
entre o armazém e as fábricas,
entre a loja de peças e os montes de detritos,
entre as paredes com graffiti
e as casas vazias,
passos, passos, passos,
pelo espaço alongado
entre moitas, entre formigueiros
e
campos de minas
e
alguém tropeçou...e depois nada. Apenas silêncio.
Foi por isso que rimos.

terça-feira, 15 de junho de 2021

 AURORA LUQUE


LA CHANCA, VERANO 1962

                           Sobre una fotografía de Carlos Pérez Siquier

Un niño se hace el muerto. Presenta asimetrías su calzón.
Está descalzo y juega a hacerse el muerto. 
La niña está vestida. Mira al niño jugar.
Alargaron, con una franja a rayas, su vestido
de flores, por lo demás descoloridas.
Acarrea un botijo. Ya usa delantal.
Tres mujeres regresan de una fuente,
magras, morenas, jóvenes.
Aún no visten de negro. A la cintura,
delantales, cántaros escorados
y un botijo en la mano, a contrapeso.
Han ido a succionar, como avispas hidrófilas,
un água pequeñita.
Las casas son cubículos, panales
con cortezas de cal.
No hay caminos trazados, solamente
solares y barrancos con su polvo solar.
su solanera. Hace una solanera.
Es decir, que la luz
chupa con furia el mundo
y el sol baja y embiste como el toro
de la calamidad.
                            No hay nada en esta imagen
que no existiera ya en el neolítico.
La oscuridad del siglo va por dentro.
Desierto con criaturas,
criaturas con desierto,
la sed, la sed, la sed.
                                  Yo nací ese verano.
Carlos, con teinta años, retratab,
con sus ojos de bardo,
la blanca y negra sed.
la ciega cara oscura de la luz.


        xxxxxxxxxxxxxx


LA  CHANCA, VERÂO DE 1962

                                           Sobre uma fotografia de Carlos Pérez Siquier

Um menino finge-se morto. Os seus calções são assimétricos.
Está descalço e brinca a fingir-se morto.
A menina está vestida. Observa o menino brincar.
Alargaram com uma franja às riscas o seu vestido
de flores, além do mais descoloridas.
Acarreta uma bilha. Já usa avental.
Três mulheres regressam de uma fonte,
magras, morenas, jovens.
Ainda não vestem de preto. À cintura,
aventais, cântaros escorados
e uma bilha na mão como contrapeso.
Foram sugar, como vespas hidrófilas,
um bocadinho de água.
As casas são cubículos, favos
com casca de cal.
Não há caminhos traçados, somente
baldios, barrancos, com o seu pó solar,
a sua soalheira. Faz uma soalheira.
Quer dizer, a luz 
chupa com fúria o mundo
e o sol baixa e investe como o touro
da calamidade. 
                          Não há nada nesta imagem
que não existisse já no neolítico.
A escuridão do século está por dentro.
Deserto com pessoas,
pessoas com deserto,
a sede, a sede, a sede.
                                    Nasci nesse verão.
Carlos, com trinta anos, retratava
com os seus olhos de bardo,
a branca e negra sede,
a cega cara escura da luz.

segunda-feira, 14 de junho de 2021

 PABLO GARCÍA CASADO


MEMPHIS, TN

memphis 7:11 tren expreso procedente
de kansas entrada en vía dos lleva retraso
rogamos disculpen las molestias

7:12 vía dos mujer blanca treinta treinta y cinco

7:13 conington sin paradas vía cuatro 7:15
detroit paradas nashville dayton vía cinco
7:20 oklahoma conexión dallas vía nueve

7:20 mujer blanca treinta años metro setenta
aplastamiento en zona cervical fracturas múltiples
muerte instantánea

7:20 tren expreso procedente de kansas
va a efectuar su entrada en vía dos


           xxxxxxxxxxxxxxxxxx


MEMPHIS, TN

memphis 7:11 comboio expresso procedente
de kansas entrada na linha dois com atraso
pedimos que desculpem o incómodo

7:12 linha dois mulher branca trinta trinta e cinco anos

7:13 covington sem paragens linha quatro 7:15
detroit paragens nashville dayton linha cinco
7:20 oklahoma ligação dallas linha nove

7:20 mulher branca trinta anos metro e setenta
afundamento na zona cervical fracturas múltiplas
morte instantânea

7:20 comboio expresso procedente de kansas
vai efectuar entrada na linha dois

sexta-feira, 11 de junho de 2021

JULIO MARTÍNEZ MESANZA


HERÁLDICA

Y mí alma puede ser un descampado
en el que quedan restos de unas casas
humildes junto a montes de basura.
Cuando cae la tarde, un jorobado
y un perro asustadizo y diminuto,
vienen donde no se sabe dónde y vagan
por sus valles umbríos y apacibles.


          xxxxxxxxxxxxxxxx


HERÁLDICA

E a minha alma pode ser um descampado
onde quedam restos de umas casas
humildes junto a uns montes de lixo.
Quando cai a tarde, um corcunda
e um cão assustadiço e diminuto
vêm não se sabe donde e vagueiam
pelos seus vales sombrios e aprazíveis.

quinta-feira, 10 de junho de 2021

 ANTHONY HECHT


DEATH THE MEXICAN REVOLUTIONARY

Wines of the great châteaux
Have been uncorked for you;
Come, take this terrace chair;
Examine the menu.
The view from here is such
As cannot find a match,
For even as you dine
You're so placed as to watch
Starvation in our streets
That gives your canapé
A more exquisite taste
By contrast, like the play
Of shadow and of light.
The misery of the poor
Appears, as on TV,
Set off by the allure
And glamour of the ads.
We recommend the quail,
Which you would do well to eat
Before your powers fail,
For I inaugurate
A brand new social order
Six cold, decisive feet
South of the border.


   xxxxxxxxxxxxx


MORTE, O REVOLUCIONÁRIO MEXICANO

Vinhos de grandes châteaux
Foram desarrolhados para ti;
Vem. senta-te nesta cadeira do terraço;
Consulta o menú.
A vista daqui é tal
Que não há parecida,
Pois mesmo durante o jantar
Estás bem colocado para observar
A fome nas nossas ruas,
Que fornece ao teu canapé
Um gosto mais refinado
Por contraste como o jogo
De sombra e de luz.
A miséria dos pobres
Aparece, como na TV,
Embaciada pela sedução
E o esplendor dos anúncios.
Recomendamos a galinhola,
Que te faria bem comer,
Antes que os poderes fraquejem,
Porque eu inauguro 
Uma ordem social toda nova,
Seis gélidos, decisivos metros
A sul da fronteira

quarta-feira, 9 de junho de 2021

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


EPIGRAMA

Me gustó imaginar, como a todos los hombres,
que la chica que amaba se acostaba com otros,
que se lo hacía incluso con gente de su sexo,
para darle más morbo e más psicopatía.
Me divirtió sufrir con esos disparates,
pensar que aquellas curvas que tanto me excitaban
habían sido de tirios y serían de troyanos-
Pero traspasé el limite. Lo tomé tan en serio
que tuve que vengar mi honor nunca ofendido
en el plano real, que es el que menos cuenta.
Sí. La maté en el mismo lecho en que imaginaba
que me había endañado tan deliciosamente,
y luego me maté, por si cubieran dudas
de mi amor, silenciando críticas venideras.

Caminante que pasas al lado de esta tumba,
que estas palabras guíen tus pasos en la vida.
Por más que te divierta imaginarla en brazos
de alguien que no seas tú, no pierdas el sentido.
Mátala sólo a ella, trocea su cadáver
y búscate otra chica para seguir soñando. 


           xxxxxxxxxxxxxxx


EPIGRAMA

Gostava de imaginar, como todos os homens,
que a rapariga que amava dormia com outros,
que até o fazia com gente do seu sexo,
pra aumentar a morbidez e a psicose.
Divertia-me sofrer com esses disparates,
pensar que aquelas curvas que tanto me excitavam
tinham sido de gregos e seriam de troianos.
Mas ultrapassei o limite. Tomei-o tão a sério,
que tive de vingar a minha honra não ofendida
no plano real, que é o que menos conta.
Sim. Matei-a na mesma cama em que imaginava
que me enganava tão deliciosamente,
e, de seguida, matei-me, para se houvesse dúvidas
do meu amor, silenciando críticas vindouras.

Caminhante que passas ao lado deste túmulo,
que estas palavras guiem os teus passos na vida.
Por mais que te divirta imaginá-la nos braços
de alguém que não sejas tu, não percas o juízo.
Mata-a apenas a ela, retalha o seu cadáver
e procura outra rapariga para continuar sonhando.

terça-feira, 8 de junho de 2021

 JON JUARISTI


SÁTIRA PRIMERA (A RUFO)

Te has decidido, Rufo, a probar suerte
en un certamen de provincias donde
ejerzo casualmente de jurado,
y encuentro razonable que me llames,
al cabo de diez años de silencio,
preguntando qué pasa con mi cátedra,
qué fue de aquella chica pelliroja
con quien lligué el ochenta en Jarandilla,
cómo siguen mis viejos, si padezco
todavía del hígado y se he visto
a la alegre cuadrilla del Pecé.
Pues bien, ya que deseas que te cuente
de mí y mí circunstancia, has de saber
que un punto de Alcalá me la birló,
en Jodellanos gran especialista,
a quien pago el café cada mañana
y sustituo volontiers los dias
en que marcha a simposios en San Diego,
en Atlanta, Florencia o Zaragoza.
Se casó con Gonzalo. El hijo de ambos
va al colegio del mío, pero en vano
acudo a todas las convocatorias,
reuniones, funciones navideñas.
La pícara me elude, y yo departo
interminablemente sobre fútboç
con el cretino del marido, mientras
asesinan los críos una sórdida
versión del Cascanueces. Bien conoces
el pelma de Gonzalo. Creo, incluso,
que fuiste tú quien lo presentó.
No pruebo ni una gota últimamente,
después de la biopsia. Te confieso
que añoro aquellos mares de vermú,
aunque el água es sanísima. Vicente,
antiguo responsable de mi célula,
es viceconsejero de Comercio
por el Partido Popular, y, claro,
se mueve en otros medios. Otra gente
parece preferir ahora Vicente.
Mis padres van tirando. Cree, Rufo,
que nada tengo contra ti. Al contrario,
te recuerdo con franca simpatía.
Sobradas pruebas de amistad me diste
en el tiempo feliz de nuestra infancia.
Es cieto que arruinaste mi mecano,
que me rompiste el cambio de la bici.
que le contaste a mi primera novia
lo mío con tu pima, la Piesplanos.
Eras algo indiscreto, pero todos
tenemos unos cuantos defectillos.
Veré qué puedo hacer. No te prometo
nada: somos catorce y, para colmo,
corre el rumor de que Juan Luis Panero. 


       xxxxxxxxxxxxxxxxx


SÁTIRA PRIMEIRA (PARA RUFO)

Decidiste, Rufo, tentar a sorte
num certame de provincia, onde
exerço casualmente de jurado,
e parece-me razoável que me contactes,
depois de dez anos de silêncio,
perguntando o que se passa com a minha cátedra,
que aconteceu àquela rapariga ruiva
com quem namorei nos oitenta em Jarandilla,
como passam os mus velhos, se ainda 
padeço do fígado e se tenho visto
aquela quadrilha do P. C. .
Ora bem, já que queres que te conte
sobre mim e a minha circunstância, saberás
que um tipo de Alcalá ma roubou,
grande especialista em Jodellanos,
a quem pago o café todas as manhãs
e substituo volontiers nos dias
em que se ausenta para simpósios em San Diego,
em Atlanta, Florença ou Saragoça.
Casou-se com Gonzalo. O filho deles
anda no colégio do meu, mas em vão
acudo a todas as convocatórias,
reuniões, festas natalícias.
A pícara evita-me e eu converso
interminavelmente sobre futebol
com o cretino do marido, enquanto
os putos assassinam uma versão 
sórdida do Quebra-Nozes. conheces bem
o chato do Gonzalo. Creio, até,
que foste tu que os apresentaste.
Não provo nem uma gota ultimamente,
depois da biópsia. Confesso-te
que tenho saudades daqueles mares de vermute,
embora a água seja salutarissima. Vicente,
antigo responsável da minha célula,
é vice-conselheiro do Comércio
do Partido Popular e, claro,
move-se noutros círculos. Outra gente
parece, agora, preferir Vicente.
Os meus pais vão andando. Crê, Rufo,
que nada tenho contra ti. Pelo contrário,
recordo-te com franca simpatia.
Muitas provas de amizade me deste
no tempo feliz da nossa infância.
É certo que estragaste o meu mecano,
que avariaste as mudanças da bicla,
que contaste à minha primeira namorada
aquilo entre mim e a tua prima, a Pés-chatos.
Eras algo indiscreto, mas  todos
temos uns quantos defeitozinhos.
Verei o que posso fazer. Não te prometo
nada: somos catorze e, para cúmulo,
corre o boato de que Juan Luis Panero. 

segunda-feira, 7 de junho de 2021

 WELDON KEES


1926

The porchlight coming on again,
Early November, the dead leaves
Raked in piles, the wicker swing
Creaking. Across the lots
A phonograph is playing Ja-Da.

An orange moon. I see the lives
Of neighbors, mapped and marred
Like all the wars ahead, and R.
Insane. B. with his throat cut,
Fifteen years from now, in Omaha.

I did not know them then.
My airedale scratches at the door.
And I am back from seeing Milton Sills
And Doris Kenyon. Twelve years old.
The porchlight coming on again.


         xxxxxxxxxxxxxx


1926

A luz da varanda de novo acesa
Início de Novembro, as folhas secas
Juntas em pilhas, o balanço de verga
Rangendo. Através dos lotes
Um gramofone toca Ja-Da.

Uma lua laranja. Observo as vidas
De vizinhos mapeadas e arruínadas
Como todas as guerras próximas, e R.
Louco, B. com a garganta cortada,
Daqui a quinze anos, em Omaha.

Então, não os conhecia.
O meu airedale arranha a porta.
E estou de volta de visitar Milton Sills
E Doris Kenyon. Doze anos de idade.
A luz da varanda de novo acesa. 

domingo, 6 de junho de 2021

 VÍCTOR BOTAS


EL HOMBRE DEL SACO

Cuando era niño
me enseñaban la luna y mira me
decían allá arriba hay un hombre
con un saco, ¿lo ves?
                                   Y era
mentira. Claro
que ya entonces me daba
perfecta cuenta
del assunto: la gente
mayor miente muchísimo
a los niños, los toma 
pot idiotas o -quién
sabe - a lo mejor es eso
precisamente lo que intentavolvrlos
(y con bastante éxito) cretinos
vitalicios; o sea,
de esos que nunca pierden
comba, ni palmoteo
indigno, si se trata 
de mejorar la nómina.
                                    Hoy, desde
esta nocturna e inquieta
ventanilla de un tren, Luna, te miro
y veo a Diana y veo
la esquiva media luna
de Ibn Hazm de Córdoba y aquella
(más poética aún) de la astrofísica y la 
bicorne luna antigua
del viejo Horacio y otra
que no contemplará ninguna noche
quien yo bien me sabia,
de mi mano. No quisiera seguir;
a ver si alguno piensa
que me las estoy dando
de erudito a estas horas, cuando tan 
sólo trato (qué facil
os los pongo) , oh lenguas
viperinas, de imitar
una vez más a Borges - gaudeamus
igitur - 
             También veo
por cierto (y ya termino)
al hombre aquel
del saco.


         xxxxxxxxxxx


O HOMEM DO SACO

Quando era criança
mostravam-me a lua e repara
diziam-me lá em cima há um homem
com um saco, vê-lo?
                                  E era
mentira. Claro
que já então me dava 
perfeita conta 
do assunto: a gente
adulta mente muitíssimo
às crianças, toma-as 
por idiotas ou - quem
sabe - é isso
precisamente o que intenta. torná-los
(e com bastante êxito) cretinos
vitalícios; ou seja,
de esses que nunca perdem
oportunidade, nem aplauso
indigno, se se trata 
de melhorar o soldo.
                                  Hoje, desde
esta nocturna e inquieta
janela de um comboio, lua, olho-te
e vejo Diana e vejo
a esquiva meia-lua
de Ibn Hazm de Córdova e aquela
(mais poética ainda) da astrofísica e a
bicorne lua antiga 
do velho Horácio e outra
que não contemplará em nenhuma noite
quem eu bem sabia,
pela minha mão. Não quereria continuar;
talvez alguém pense
que estou a fazer-me 
de erudito, a estas horas, quando
apenas trato (como 
vos facilito), ó línguas 
viperinas, de imitar
uma vez mais a Borges - gaudeamus 
igitur - .
              Também vejo,
por certo (e já termino),
aquele homem
do saco.

sábado, 5 de junho de 2021

 J. V. CUNNINGHAM


EPIGRAMS : A JOURNAL

[33]

Silence is noisome, but the loud logician
Raises more problems by their definition-
Then let your discourse be a murmured charm
And so ambiguous none hears its harm.


[35]

Hang up your weaponed wit
Who were destroyed by it.
If silence fails, then grace
Your speech with commonplace.
And studiously amaze
Your audience with your phrase.
He will commend your wit
When you abandon it.


   xxxxxxxxxxxxxx


[33]

O silêncio é ruidoso, mas o lógico barulhento
Acrescenta mais problemas, ao defini-los.
Que o teu discurso seja um feitiço murmurado
E tão ambíguo que ninguém ouça como fere.


[35]

Pendura a sabedoria armada,
Quem por ela foi destruído.
Se o silêncio falha, então enfeita
A tua fala com lugares-comuns.
E estudiosamente espanta
A tua audiência com a sua frase.
Louvará a tua sabedoria
Quando a abandonares.

sexta-feira, 4 de junho de 2021

 DICK DAVIS


MAKING A MEAL OF IT

No point in murmuring
Againsr the life you live
No point in hangering
For what Fate cannot give;

No point in calling up
Vast, empty words like Fate -
The table's set, sit down
And eat what's in your plate.


      xxxxxxxxxxx


FAZENDO UMA REFEIÇÃO DISSO

Não adianta murmurar
Contra a vida que vives,
Não adianta ansiar
O que o Destino não pode dar;

Não adianta convocar
Palavras enormes, vazias, como Destino -
A mesa está posta, senta-te
E come o que tens no prato.

quinta-feira, 3 de junho de 2021

 MIGUEL D'ORS


DESPUÉS DE DONAR SANGRE

Un poco de mi vida, desconocido amigo.
para la tuya.
                     Ha estado bien cuidada:
no hace falta explicar que son los menús 
de una madre gallega
(y por mi parte nunca descuidé
el nível de sus glóbulos rioja);
a lo largo de casi medio siglo
jamás le permití perder la buena forma:
subió conmigo al Monte 
Perdido, al Mulhacén, al Peñalara.
al Aneto, al Taillon, al Almanzor,
cinquenta y cuatro veces al Veleta;
casi mil horas de su curso las
pasó pedaleando por asfaltos gallegos,
riojanos y andaluces; de tabaco, de noche,
de grasas saturadas, prácticamente cero.

Un poco de mi vida. No te extrañe
si alguna vez, pasando por Zuriza
o la Selva de Oza,
sientes un ciego impulso de trepar
por los hayedos y las cascajeras
hasta las nieves últimas
ove d'altra montagna ombra non tocchi,
si de repente notas  que te empiezan
a gostar las urracas,
los relatos de Borges, la voz de Judy Collins,
la música lluviosa del verso alejandrino,
o si algo se ilumina
en ti a llegar a Cotobade, o si
oyendo una trompeta nebulosa
amaga alguna lágrima en tus ojos.

Pero que sobre todo no te extrañe,
desconocido amigo,
lo que vas a sentir hasta en el pelo
si algún azar te pone alguna vez delante
a Concha Valadares.

                                             10-I-2009     


         xxxxxxxxxxxxxxx


DEPOIS DE DAR SANGUE

Um pouco da minha vida, amigo desconhecido,
para a tua.
                  Tem sido bem cuidada;
não é preciso explicar o que são os menus
de uma mãe galega
(e pela minha parte nunca descuidei
o nível dos seus glóbulos rioja);
ao largo de quase meio século
jamais lhe permiti perder a boa forma:
subiu comigo ao Monte
Perdido,ao Malhacén, ao Peñalara,
ao Aneto, ao Taillon, ao Almanzor,
cinquenta e quatro vezes ao Veleta,
quase mil horas de curso passou-
-as pedalando por asfaltos galegos,
riojanos e andaluzes; de tabaco, de noite,
de gorduras saturadas, praticamente zero.

Um pouco da minha vida. Não estranhes,
se alguma vez, passando por Zuriza
ou a Selva de Oza,
sentes um vago impulso de trepar
pelos bosques de faias e o cascalho
até às neves finais
ove d'altra montagna ombra non tocchi,
se ee repente notas que começas 
a gostar de pegas,
dos contos de Borges, da voz de Judy Collins,
da música chuvosa do verso alexandrino,
ou se algo se alumia
em ti, ao chegar a Cotobade, ou se
ouvindo uma trompete nebulosa
alguma lágrima ameaça os teus olhos.

Mas, acima de tudo, não estranhes,
amigo desconhecido,
o que vais sentir até à medula
se alguma azar te põe alguma vez diante
de Concha Valadares.

                                                   10-I-2009 


                          

terça-feira, 1 de junho de 2021

 FRANK O'HARA


2 POEMS FROM THE OHARA MONOGATARI


1

My love is coming in a glass
the blood of the Bourbons

saxophone or cornet
qu'importe où?

green of grass flowers dans le Kentucky

and always the same handkerchief
at the same nose damask

turning up my extravagant collar
tossing my scarf around my neck

the Baudelaire of Kyoto's never ending pureness
is he cracked in the head?


2

After a long trip to a shrine 
in wooden clogs so hard on the muscles

the sea is bitter and the breasts are hard
so much terrace for one evening

there is no longer no ocean
I don't see the ocean under my stilts
as I poke along

hands on ankles feet on wrists
naked in thought
like a whip made from sheerest stockings

the radio the radio is on the cigarette is puffed upon
by the pleasure of rolling in a bog
some call the Milky Way
in far-fetched Occidental lands above the trees
where dwell the amusing skulls

                                                                1954


                  xxxxxxxxxxxxxxxx


2 POEMAS DE OHARA MONOGATARI


1

O meu amor chega num copo
o sangue dos Bourbons

saxofone ou corneta
qu'importe où?

verde de flores de erva dans le Kentucky

e sempre o mesmo lenço
no mesmo damasco de nariz

virando o meu colarinho extravagante
levantando o meu cachecol no pescoço

o Baudelaire da pureza interminável de Kyoto
tem pancada na cabeça?


2

Depois de longa viagem a um santuário
em socos de madeira que cansam os músculos

o chá é mais amargo e os seios duros
tanto terraço para uma tarde

já não há mais oceano
não vejo o oceano debaixo das minhas andas
enquanto deambulo

as mãos nos tornozelos os pés nos pulsos
nu em pensamento
como um chicote feito de meias incomparáveis

o rádio está ligado o fumo do cigarro cai-lhe em cima
pelos prazeres de rebolar num pântano
a que chamam a Via Láctea
em terras ocidentais longínquas sobre as árvores
onde moram as caveiras hilariantes

                                                                    1954

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...