quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

LUCIANO ERBA


EPIFANIA


C’e in questo cielo di gennaio
della dodicesima notte
un’infinita pazienza
non nasconde domande
non ocorre alzare glo occhi allo zenith
e non fa differenza seguire
la linea dei camini sui tetti
o lungo il granito dei muri
vedere, non vedere
tanto passare di umane ombre nere. 


            xxxxxxxxxxxxxxxxx



EPIFANIA


Há neste céu de janeiro
na dudodécima noite
uma infinita paciência
não nascem perguntas
não ocorre alçar os olhos para o zénite
e não faz diferença seguir
a linha das chaminés nos telhados
ou ao longo do granito das paredes
ver, não ver
tanta passagem de humanas sombras negras.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2022

 O DE KÜRENBERG

    (...1150-1170)

- Estive até muito tarde nas ameias
e ouvi um cavaleiro que cantava muito bem,
entre a gente, ao modo do de Kürenberg:
se não deixar a minha terra, há de ser meu.

- Trazei-me já o meu cavalo e a loriga,
que, por uma dama, devo partir desta terra:
quer obrigar-me a que seja seu servo;
ficará, para sempre, sem o meu amor.


           xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


Quando me deito sozinha, no meu quarto,
e penso em ti, nobre cavaleiro,
encho-me de rubor, como a rosa no espinho,
e invade-me o coração uma grande tristeza.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2022

 DURS GRÜNBEIN

PERPETUUM MOBILE

Fim da idade do gelo... (um filme?) : Tchuang-Tse
       encontra Ezra Pound no outro mundo
            e benze-o com o sinal da cruz.

Os deuses da fortuna irónicos sorriem, os seres humanos
       pestanejam preguiçosamente ao sol.
            Já ninguém sonha o sonho

de uma idade em que as máquinas       
       com cabeça ocupam o lugar
            entre flora e fauna.
            ..............................

Num piscar de olhos foge-se
       do ruído da cidade como a flecha do tempo
            através do espelho da ficção científica

em direcção ao silêncio galáctico dos 
                                                poetas do Tao.

domingo, 23 de janeiro de 2022

SIMIAS


 Gentilmente abraça, ó hera,
o túmulo de Sófocles,
entrelaça a tua verdura
com as pétalas da rosa
e os novos rebentos da trepadeira,
em louvor da sabedoria e da beleza
desse coração, através do qual
cantaram os Imortais.

sábado, 22 de janeiro de 2022

 LI SHANG-YIN

O vento de leste sopra, trazendo uma chuva morna:
Além do tanque dos nenúfares, o barulho ténue do trovão.
Um sapo de ouro abocanha a fechadura. Abre-a, queima incenso.
Retira água do poço, puxa a corda que tem um tigre de jade.
A filha de Jia espreitou palo biombo: um jovem encantador.
A Deusa do Rio deixou a almofada ao Príncipe de Wei.
Que nunca o teu coração acorde com as flores da Primavera.
Um punhado de amor é um punhado de cinzas.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

 CHARLES SIMIC

CLASSIC BALLROOM DANCES

Grandmothers who wring the necks
Of chickens; old nuns
With names like Theresa, Marianne,
Who pull schoolboys by the ear;

The intricate steps of pickpockets
Working the crowd of the curious
At the scene of an accident; the slow shuffle
Of the evangelist with a sandwich-board;

The hesitation of the early morning costumer
Peeking through the window-grille
Of a pawnshop; the weave of a little kid
Who is walking to school with eyes closed.

And the ancient lovers, cheek to cheek,
On the dancefloor of the Union Hall,
Where they also hold charity raffles
On rainy Monday nights of an eternal November.


               xxxxxxxxxxxxxxxx


DANÇAS DE SALÃO CLÁSSICAS

Avós que torcem pescoços 
De galinhas; freiras velhas
Com nomes como Theresa, Marianne,
Que puxam as orelhas dos alunos;

Os passos intricados de carteiristas
Trabalhando a multidão de curiosos
No local de um acidente; o andar lento
Do evangelista ensaduichado num cartaz;

A hesitação do cliente madrugador
Espreitando pela grelha da janela
De uma casa de penhores; os baldões de uma criança 
Que caminha para a escola de olhos fechados;

E os velhos amantes, de cara encostada,
No piso de dança do Union Hall,
Onde também se realizam sorteios de caridade
Em noites chuvosas de segunda-feira de um Novembro eterno.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

RUSSELL EDSON


THE BLANK BOOK
 
    The book was blank, all the words had fallen out.
   Her husband said, the book is blank.
   His wife said, a funny thing happened yo me in my way to the present moment. I was shaking the book, to get all the typos out, and all of a sudden all all the words and punctuation fell out too. Maybe the whole book was a typo?
   And what did you do with the words? said her husband.
   I made a package and mailed it to a fictitious address, she said.
   But no one lives there. Don't you know, hardly anyone lives in a fictitious address. There's barely enough reality there to provide even a mailing address, he said.
   That's why I sent them there. Words all mixed up can suddenly coalesce into rumours and malicious gossip, she said.
   But don't these blank pages also present a dangerous invitation to rumours and malicious gossip? Who knows what anyone might write  in his absent-mindedness? Who knows what chance might do
with such a a dangerous invitation? he said.
   Perhaps we shall have to send ourselves away to some fictitious address, she said.
   Is it because words keep falling out of our mouths, words that could easily start rumours and malicious gossip ? he said.
   It is because , somehow we keep falling out of ourselves, like detached shadows; shaking as if we could get all the typos out of our lives, she said.
   Well, at least, if this doesn't hurt reality, it does, in fact, give reality a well earned rest.


               xxxxxxxxxxxxxxxxxx


O LIVRO EM BRANCO

   O livro estava em branco, toda as palavras tinham caído.
   O marido disse-lhe, o livro está em branco.
   A mulher disse, aconteceu-me uma coisa estranha a caminho do momentonactual. Estava a sacudir o livro, para eliminar todas as gralhas e, de súbito, todas as palavras e a pontuação também caíram.
Talvez todo o livro fosse uma gralha?
   E o que fizeste às palavras? disse o marido.
   Embrulhei-as e mandei-as para um endereço fictício, disse ela.
   Mas ninguém lá vive. Não sabes que é raro alguém viver num endereço fictício. A realidade quase não chega para fornecer um simples endereço postal, disse ele.
   É por isso que as enviei para lá. Palavras todas misturadas podem de repente coalescer em boatos e mexericos maliciosos, disse ela.
   Mas estas páginas em branco não representam também um convite perigoso a boatos e mexericos maliciosos? Quem sabe o que pode alguém distraidamente escrever? Quem sabe o que o acaso pode fazer com um convite tão perigoso? disse ele.
   Talvez tenhamos que nos enviar para um endereço fictício, disse ela.
   Será porque as palavras persistemem sair das nossas bocas, palavras que poderiam facilmente originar boatos e mexericos maliciosos? disse ele.
   É porque, seja como for, nos degradamos, como sombras separadas, tremendo como se conseguíssemos retirar todas as gralhas das nossas vidas, disse ela.
   Bom, pelo menos, se isto não fere a realidade, oferece, de facto, à realidade um repouso bem merecido.
      

quarta-feira, 19 de janeiro de 2022

 AUGUST KLEINZAHLER


SUNSET IN CHINATOWN

The massive cable turns on its spool, pulling
carloads of tourists to the city's crest

            as the sun sits low
in the hills above Chinatown, exploding

suddenly in the window of Goey Loy Meats, high
along the top of the glass,

showering light over barbecued ducks -

a somehow elegiac splash
that evening, the last week before Labor Day

as if summer, in tandem with the sun,
were being pulled down

and away from us by the great spool's turning.

Thus, the sullen old man in his Mao cap
plucks the zither for change

on a crate outside the geegaw shop:

first, the ancient "Song of Cascading Water",
followed by the plaintive
              "Lament of the Empress Ch'ou"

and even the bad little boy from Wichita Falls
trailing behind his parents in a sulk

registers that twinge  

birds in the sky, insects and beasts no less
than the immortals

feel

when the plangent notes take shape in the air,
aligning their souls with Heaven and Earth.


                xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


PÔR DO SOL EM CHINATOWN

O cabo maciço roda no carreto, puxando
cabinas cheios de turistas para o cume da cidade

           quando o sol já se põe
nas colinas sobre Chinatown, explodindo

subitamente na janela de Goey Loy Meats,
ao longo do topo do vidro,

banhando de luz patos grelhados -

um borrifo algo elegíaco
neste fim de tarde, a última semana antes do Dia do Trabalhador

como se o verão, em conjunto com o sol,
estivessem a ser arrastados para baixo

e para longe de nós pela rotação do grande carreto.

Assim, o velho taciturno com a sua boina de Mao
dedilha a cítara por trocos

numa cesta à porta de uma loja de ninharias:

primeiro a antiga "Canção da Cascata",

seguida pela dorida
        "Lamento da Imperatriz Ch'ou"

e mesmo o miúdo malcriado de Wichita Falls
arrastando-se amuado atrás dos pais

regista esse remorso

pássaros no céu, insectos e bestas tal
como os imortais

sentem 

quando as notas plangentes se formam no ar,
as suas almas alinhando-se com o Céu e a Terra.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2022

 ALEKSANDAR RISTOVIC


PRETO NO BRANCO OU FUNDO VERDE

O meu corvo prefer andar a voar,
seja sobre um relvado ou um campo nevado.
Talvez tenha chegado à conclusão
que é mais digno caminhar quw voar?

Por vezes, rncontramo-nos sós, num campo.
Ele não se devia e eu também não.
Ficamos a olhar um para o outro:
uma criatura teimosa em frente de outra.

Depois, um de nós desiste,
digamos que ele - mas não levanta voo,
limita-se a rodar e dirigir-se
para a esquerda ou para a direita.

Fico a pensar, este meu corvo não é uma ave,
apenas tem parecenças,
com o seu bico, asas e garras,
mas os seus propósitos e comportamento são humanos.

Agora, enquanto observo, através da janela, no crepúsculo,
a neve rodopia à volta da árvores desnudas,
ouço-o grasnar para si mesmo,
recusando nitidamente guardar o que tem em mente.

Uma mulher atira-lhe para os pés
bugigangas, jóias baratas e pérolas.
Por último, mostra-lhe o peito roliço
e o corvo solta um suspiro.

domingo, 16 de janeiro de 2022

 FERNANDO ORTIZ


UNA AMIGA

He preferido siempre las mañanas.
Aún no enroquecida la ciudad
hice grata costumbre del paseo
por avenidas gratas de silencio.
Hubo una perra, Rufa era su nombre,
Que salía conmigo y con el alba
al claro frescos de la prima hora.
Huameaba la la perra en los rincones,
me adelantaba y esperaba luego
para juguetear y saludarme.
Refregaba su lomo por la hierba
de un cercano jardín. Y si ella erguía
hocico, orejas, cueelo, allí, sin duda,
por el suelo saltaban unos pájaros.
Quiso Rufa cazarlos muchas veces
y nunca jamás pudo, aunque puso
constancia e ilusión de tenaz niño.
Y, sorprendida por el vuelo súbito,
me miraba con ojos inocentes
como quien quiere que le explique algo
alguien de confianza, un buen amigo.
De vuelta a casa, muy de amanecida
- mis hijas, aún pequeñas, descansaban -
solo en mi gabinete, con mis libros,
Rufa se retiraba a su rincón
donde se ensimismaba en sus assuntos.

Hoy que me he despertado con el alba,
me veo inclinado sobre mi escritorio,,
absorto, en mi pequeño apartamiento.
Mis hijas, ya mayores, vendrán luego
a visitarme. Aberta la ventana,
se oye el lejano aullido de algún perro. 


               xxxxxxxxxxxx


UMA AMIGA

Preferi sempre as manhãs.
Ainda não enroquecida a cidade
faz grato costume o passeio
por avenidas gratas de silêncio.
Tive uma cadela, Rufa de seu nume,
que saía comigo e com a alvorada
para o claro fresco da primeira hora.
Farejava a cadela pelos cantos,
adiantava-se e logo esperava
para brincar e saudar-me.
Roçava o lombo pela erva
de um jardim próximo E se erguia
focinho, orelhas, pescoço, aí, sem dúvida,
pelo solo saltavam uns pássaros.
Quis Rufa caçá-los muitas vezes
e nuca conseguiu, ainda que empenhasse
constância e ilusão de tenaz criança.
E, surpreendida pelo voo súbito,
mirava-me com olhos inocentes
como quem quer que lhe explique algo
alguém de confiança, um bom amigo.
De volta a casa, muito cedo
- as minhas filhas, ainda pequenas, descansavam -
sozinho no meu gabinete, com os meus livros,
Rufa retirava-se para o seu canto
onde se ensimesmava nos seus assuntos.

Hoje que acordei com a alvorada,
vejo-me inclinado sobre a minha secretária,
absorto, no meu pequeno apartamento.
As minhas filhas, já crescidas, virão mais tarde
visitar-me. Aberta a janela,
ouve-se o longínquo latido de algum cão.

sábado, 15 de janeiro de 2022

D. J. ENRIGHT


BACK

Where is that sought-for place
Which grants a brief release 
From locked impossibilities?
Impossible to say,
No signposts point the way.

Its very terrain vague
(What mountainside? What lake?)
It gives the senses nothing.
Nothing to carry back,
No souvenir, no photograph.

Towards its borders no train shrieks
(What meadowland? What creeks?)
And no plane howls towards its heart.
It is yourself you hear
(What parks? What gentle deer?)

Only desperation finds it,
Too desperate to blaze a trail.
It only lives by knowing lack.
The single sign that you were there is,
You know that you are back.


         xxxxxxxxxxx

DE REGRESSO

Onde está esse lugar desejado
Que garante uma breve libertação
De impossibilidades encerradas?
É impossível dizer,
Não há tabuletas para indicar o caminho.

Até o terreno é vago
(Que encostas? Que lago?)
Não oferece nada aos sentidos,
Nada com que voltar.
Nem lembrança, nem fotografia.

Em direcção às suas fronteiras nenhum comboio guincha
(Que pastagens? Que enseadas?)
E nenhum avião ruge em direcção ao seu centro.
È a ti mesmo que ouves
(Que parques? Que veado dócil?)

Só o desespero o encontra.
Demasiado desesperado para encontrar um rasto.
Apenas vive por conhecer a falta.
O único sinal de que estiveste lá é
Que sabes que regressaste.

sexta-feira, 14 de janeiro de 2022

MIROSLAV HOLUB



BREVE REFLEXÃO SOBRE MATAR A CARPA DE NATAL

Pega-se num malho de cozinha
e uma faca 
e golpeia-se
no sítio exacxto, para que não se contorça, pois
contorcer-se só significa complicações e reduz o lucro.

E quem observa já cerra os olhos, já admira a destreza,
já puxa pela carteira. Há papel disponível
para a embrulhar. E fumo sai das chaminés.
E o Natal espreita pelas janelas, desliza pelo solo
e mergulha em barris.

Tal é a lei da felicidade.

Apenas me pergunto se a carpa é a criatura certa.

Uma criatura bastante melhor seria seguramente uma
que - esticada - achatada - bem segura -
rodasse o seu olho azul
para o malho, a faca, a carteira, o papel,
os espectadores e as chaminés
e o Natal.

E rapidamente

dissesse alguma coisa. Por exemplo

Estes são os meus dias mais felizes, estes são os meus dias dourados.
Ou
O céu estrelado sobre mim e a lei moral em mim,
Ou
E contudo move-se.

Ou pelo menos
Aleluia!
 

quinta-feira, 13 de janeiro de 2022

AURORA LUQUE


BICHOS


Qué bichos raros somos los poetas.
En nuestra casa apenas nos soportan.
En el trabajo usado para fines nutricios
nos ven como a pedantes infelices.
No les puedes contar de nuevo el mismo sueño.
A solas con nosotros, con la página
acariciada casi de algún otro poeta
infeliz y pretérito,
nos redimimos, ebrios,
en un ritual patético y sedante.

Qué bichos raros somos los poetas.
Un monedero apenas de momentos menudos
de concordia, de ardor y de verdad
es la ganancia mínima que deja
nuestra libresca vida con su magra
maleta malcerrada,
                                cuando nos detenemos
en alguna estación donde la muerte
con su vagón sobierbo y antilírico
frena brusca una noche
y nos va recogiendo en su silencio.


         xxxxxxxxxxxxxxx


BICHOS

Que bichos estranhos somos os poetas.
Na nossa casa mal nos suportam.
No trabalho usado para fins nutritivos
vêem-nos como pedantes infelizes.
Não se lhes pode contar, de novo, o mesmo sonho.
A sós connosco, com a página
quase acariciada de algum outro poeta
infeliz e pretérito,
redimimo-nos, ébrios,
num ritual patético e sedativo.

Que bichos estranhos somos os poetas.
Apenas um mealheiro de momentos miúdos
de concórdia, de ardor e de verdade
é o ganho mínimo que deixa 
a nossa livresca vida com a sua magra
maleta mal fechada,
                                  quando nos detemos
nalguma estação onde a morte
com o vagão soberbo e anti-lírico
trava bruscamente uma noite
e nos vai recolhendo no seu silêncio.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

 PABLO GARCÍA CASADO


SABBAT

Los polígonos, las áreas comerciales, las oficinas ilumi-
nadas. En todas partes el rostro de la angustia, los hora-
rios, y esa puerta que nunca cierra. El cansacio de
abrirmos sábado tarde, el lunes se lo instalan, Antonio,
acompaña el señor hasta la puerta. Y las tarjetas pasan-
do por las ranuras, los coches atestados de familia, los
teléfonos de servicio. Dulces operadoras que trabajan
hasta muy tarde, ahorrando para un sábado futuro de
zapatillas, cine en casa y ojos cerrados. Buenas tardes, le
atende Luisa, en que puedo ajudarlo.


                   xxxxxxxxxxxxxxxx


SABBAT

Os polígonos, as áreas comerciais, as oficinas ilumi-
nadas. Em toda a parte o rosto da angústia, os horá-
rios e essa porta que nunca se fecha. O cansaço de
abrirmos aos sábados à tarde, segunda-feira, instalam-no, Antonio,
acompanha o senhor à porta. E os cartões passan-
do pelas ranhuras, os carros atestados de família, os
os telefónes de serviço. Doces operadoras que trabalham
até muito tarde, poupando para um sábado futuro de
sapatilhas, cinema em casa e olhos fechados. Boas tardes,
chamo-me Luisa, em que posso ajudá-lo.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2022

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA

A VECES SIENTO LO QUE PENSARÍA

A veces siento lo que pensaría
si un dia me perdiera donde mueren 
los sonorosos tranvías de San Siro.
Si un día, bajo el blanco sol perdido,
de improviso dejaron de importarme
las cartesianas cruces que me guían:
el claro espacio y el complejo tiempo,
la tirania del después y el antes
y la balanza de alegría y culpa.


              xxxxxxxxxxx


ÀS VEZES SINTO O QUE PENSARIA

Às vezes sinto o que pensaria
se um dia me perdesse onde morrem
os sonoros rléctricos de San Siro.
Se um dia, sob o branco sol perdido,
de repente deixassem de importar-me
os cartesianos cruzamentos que me guiam:
o claro espaço e o complexo tempo,
a tirania do depois e o antes
e a balança de alegria e culpa. 

sábado, 8 de janeiro de 2022

ANTHONY HECHT


A FALL


Those desolate, brute, chilling sublimities,
Unchanging but as the light may chance to fall, 
Deserts of snow, forlorn barrens of rock,
What could be more indifferent to man´s life
Than your average Alp, stripped to the blackened band sheets one
Above the tree line, except where the ice rags,
Patches, and sheets of winter cling yearlong?
The cowbell's ludicrous music, the austere
Sobrieties of Calvin, precision watches,
A cheese or two, and that is all the Swiss
Have given the world, unless we were to cite
The questionable morals of their banks.
But how are people to live in dignity
When at two p.m. the first shadows of night,
Formed by the massive shoulder of some slope,
Cast, for the rest of the day, entire valleys -
Their window boxes of geraniums,
Their cobbles, pinecones, banners and coffee cups -
Into increasing sinks and pools of dark?
And that is but half the story. The opposing slope
Keeps morning from its flaxen charities
Until, on midsummer days, eleven-thirty,
When fresh birdsong and cow dung rinse the air
And all outdoors still glistens with night-dew. 
All this serves to promote a state of mind
Cheerless and without prospects. But yesterday
I let myself, in spite of dark misgivings,
Be talked into a strenuous excursion
Along one high ridge promising a view.
And suddenly, at a narrowing of the path,
The whole earth fell away, and dizzily
I beheld the most majestic torrent in Europe,
A pure cascade, over six hundred feet,
Falling straight down - it was like Rapunzel's hair,
But white, as if old age and disappointment
Had left her bereft of suitors. Down it plunged,
Its great, continuous, unending weight
Toppling from above in a long shaft
Or carven stem that broke up at its base
Into enormous rhododendron blooms
Of spray, a dense array of shaken blossoms.
I teetered perilously, scared and dazed,
And slowly, careful of both hand and foot,
Made my painstaking way back down the trail..
That evening in my bedroom I recalled
The scene's terror and grandeur, my vertigo
Mixed with a feeling little short of awe.
And I retraced my steps in the secure
Comfort of lamplight on a Baedeker.
That towering waterfall I just had viewed
At what had seemed the peril of my life
Was regarded locally with humorous
Contempt, and designated the Pisse-Vache.


               xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


UMA QUEDA

Estas sublimidades desoladas, grosseiras, arrepiantes,
Imutáveis, excepto pelo acaso da luz que nelas cai,
Desertos de neve, aridez desamparada de rocha
Que poderia ser mais indiferente à vida humana
Que o mais trivial dos Alpes, despojado até ao osso escurecido
Acima da linha das árvores, a não ser, os farrapos de gelo,
Manchas e lençóis do inverno se grudam todo o ano?
A música risível dos chocalhos das vacas, as sobriedades
Austerras de Calvino, relógios de precisão,
 Um queijo ou dois, é tudo o que os suíços
Deram ao mundo, a não ser que se cite
A moral questionável dos seus bancos.
Mas, como poderão as pessoas viver com dignidade,
Quando às duas da tarde as primeiras sombras da noite,
Formadas pelos bordos massivos de alguma encosta
Arrastam, pelo resto do dia, vales inteiros -
As caixas de gerânios nas janelas,
Calçadas, pinhas, bandeiras e chávenas de café -
Para crescentes fossas e charcos de escuridão?
E isso é apenas metade da história. A encosta oposta
Mantem a manhã afastada das suas esmolas de linho
Até que, nos dias do meio do verão, às onze e meia,
Novos cantos de pássaros e esterco de vaca se elevam
E todo o exterior ainda brilha com orvalho nocturno.
Tudo isto serve para promover um estado de espírito
Sem jovialidade e sem perspectivas. Mas, ontem
Consenti-me , apesar de pressentimetos sombrios,
Ser convencido por uma excursão esforçada
Ao longo de uma crista desolada prometendo uma vista.
E, de súbito, quando a vereda estreitava,
A terra inteira desabou e estonteado
Contemplei a torrente mais majestosa da Europa,
Uma cascata pura, de mais de seiscentos pés,
Caindo a pique - era como o cabelo de Rapunzel,
Mas branco, como se desapontamento e velhice
Lhe tivessem roubado os pretendentes. Mergulhava,
O seu peso enorme, contínuo, infindável,
Desabando desde cima numa longa coluna
Ou caule cinzelado que rebentava na base
Em gigantescas florescências de rododendro
De espuma, um arranjo denso de flores sacudidas.
Vacilei perigosamente, assustado e aturdido,
E lentamente, tendo cuidado com mãos e pés,
Regressei laboriosamente ao declive da vereda.
Nessa noite, no meu quarto, recordei
O terror e a grandeza da cena, a minha vertigem
Misturada com uma emoção muito próxima do terror.
E percorri de novo os meus passos no conforto
Seguro da luz da lâmpada, num Roteiro Turístico.
Essa queda de água grandiosa que tinha visto,
Ao que me pareceu em risco de vida,
Era considerada localmente com desprezo 
Humorado e designada Pisse-Vache.


quarta-feira, 5 de janeiro de 2022

LUIS ALBERTO DE CUENCA


 EL ENCUENTRO

                            a Juan Manuel de Prada

En Salamanca, el último noviembre,
te encontré por la calle, tan delgada
como entonces, pero con más arrugas.
Dabas clases de no sé qué muy raro
(Textologia, por ejemplo) y eras
muy feliz explicando a tus alumnos
lo divino y lo humano. Me dijiste
que tus hijos quedaron en Madrid,
con su padre, y que sólo los veías
- ya eran mayores- tres o cuatro veces
al año; que te habías doctorado
(¡por fin!) y que ahora sólo te faltaba
ser funcionaria para ver el mundo
desde el lugar que merecías.
                                               Yo
te dije que bueno, que pasaba
por allí casualmente, que tenía
un amigo escritor en Salamanca
y que había venido a visitarlo.
Tú me dijiste: "¿Tienes mucha prisa
o podemos tomarnos algo juntos?"

Después de muchas copas, con el alba
siguiendo nuestra pista, te lo dije:
"Desde entonces no ha habido otra mujer."
Y en mi interior bullia la mentira
al alimón con el deseo, y todo
- aquel horrible bar, tú y yo, la noche -
era tan esperpéntico y absurdo
que se parecía a la vida.


            xxxxxxxxxxxxxxx


O ENCONTRO

                       Para Juan Manuel de Prada

Em Salamanca, no último novembro,
encontrei-te na rua, tão magra
como antes, mas com mais rugas.
Davas aulas de não sei quê, muito estranho
(Textologia, por exemplo) e eras
muito feliz a explicar aos teus alunos
o divino e o humano. Disseste-me
que os teus filhos tinham ficado em Madrid,
com o pai e que só os vias
- já eram adultos - três ou quatro 
vezes por ano; que te havias doutorado
(por fim!) e que agora só te faltava
ser efectiva para ver o mundo
desde o lugar que merecias. 
                                              Eu
disse-te que ainda bem, que passava
por ali casualmente, que tinha
um amigo escritor em Salamanca
e que tinha vindo visitá-lo.
Disseste-me: "Tens muita pressa
ou podemos beber qualquer coisa?"

Depois de muitos copos, com a alvorada
a seguir a nossa pista, disse-te:
"Desde então não houve outra mulher."
E no meu interior bulia a mentira
em conjunto com o desejo e tudo
- aquele horrível bar, tu e eu, a noite -
era tão grotesco e absurdo
que se parecia com a vida.

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

JON JUARISTI



 PARA LA GUITARRA DE ÁNGEL GONZÁLEZ


                                                           Albuquerque, 1993

Oigan el corrido del caballo blanco
que partió al gaçope por tierra fragosa.
Iba con la mira de encontrar la rosa,
la secreta rosa vecina al barranco.

Al áspero mundo pidió paso franco.
Fatigó los años sin lograr gran cosa.
La carrera un dia se volvió penosa:
le sangraba el belfo, le estallaba el flanco.

Olvidó el aroma de la flor querida,
y supo que el mundo, se gane o se pierda,
es sólo una triste, desierta llanura

y que el arte hiela y corta la vida.
Pero cojeaba de la pata izquierda
y, a pesar de todo, siguió su aventura.


             xxxxxxxxxxxxxx


PARA A GUITARRA DE ÁNGEL GONZÁLEZ

                                                        Albuquerque, 1993

Ouçam o corrido do cavalo branco
que partiu a galope pela terra fragosa.
Ia com a mira de encontrar a rosa,
a secreta rosa vizinha do barranco.

Ao áspero mundo pediu passagem franca.
Fatigou os anos sem lograr grande coisa.
A corrida, um dia, tornou-se penosa.
Sangrava-lhe a beiça, estalava-lhe o flanco.

Olvidou o aroma da flor querida,
e soube que o mundo, ganhe-se ou perca-se,
é só uma triste, deserta planura

e que a arte gela e corta a vida.
Porém coxeava da pata esquerda
e, apesar de tudo, seguiu a sua aventura

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

WELLDON KEES

ASPECTS OF ROBINSON

Robinson at cards at the Algonquin; a thin
Blue light comes down once more outside the blinds.
Gray men in overcoats are ghosts blown past the door.
The taxis streak the avenues with yellow, orange, and red.
This is Grand Central, Mr. Robinson.

Robinson on a roof above the Heights; the boats
Mourn the lost. Water is slate, far down.
Through sounds of ice cubes dropped in glass, an osteopath,
Dressed for the links, describes an old Intourist tour.
- Here's where old Gibbons  jumped from, Robinson.

Robinson walking in the Park, admiring the elephant.
Robinson buying the Tribune, Robinson buying the Times, Robinson
Saying, "Hello. Yes, this is Robinson.. Sunday
At five? I'd love to. Pretty well. And you?"
Robinson alone at Longchamps, staring at the wall.

Robinson afraid, drunk, sobbing Robinson.
In bed with a Mrs. Morse. Robinson at home;
Decisions: Toynbee or luminol? Where the sun
Shines, Robinson in flowered trunks, eyes toward
The breakers. Where the night ends, Robinson in East Side bars.

Robinson in Glen plaid jacket, Scotch-grain shoes,
Black four-in-hand and oxford button-down,
The jeweled and silent watch that winds itself, the brief-
Case, covert topcoat, clothes for spring, all covering
His sad and usual heart, dry as a winter leaf.  


               xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


ASPECTOS DE ROBINSON

Robinson joga às cartas no Algonquin; uma fina
Luz desce, outra vez, fora das persianas.
Homens cinzentos com sobretudos são fantasmas atirados porta fora.
Os táxis riscam as avenidas de amarelo, laranja e vermelho.
Esta é Grand Central, Mr. Robinson.

Robinson num telhado acima de Heights; os barcos
Carpem como os perdidos. A água é ardósia, lá em baixo.
Entre sons de cubos de gelo a cairem nos copos, um osteopata,
Vestido à maneira, descreve uma velha viagem Intourist.
- Foi daqui que o velho Gibbons saltou, Robinson.

Robinson passando no Parque, admirando o elefante.
Robinson comprando a Tribune, comprando o Times. Robinson
Dizendo."Olá. Sim, é Robinson. Domingo
Às cinco. Gostaria. Muito bem. E tu?"
Robinson sozinho em Longchamps, mirando a parede.

Robinson, com medo, bêbedo, Robinson a soluçar
Na cama com uma Mrs. Morse. Robinson em casa;
Decisões: Toynbee ou luminol? Onde o sol
Brilha, Robinson de calções às flores, a olhar para
A rebentação. Onde a noite termina, Robinson nos bares de East          Side.

Robinson num casaco de clã, sapatos de grão da Escócia,
Peitilho negro e uma camisa de colerinho com botões,
O relógio com jóias e silencioso, de corda automática, a
Pasta, casaca leve, roupas para a primavera, tudo cobrindo
O seu coração triste e habitual, seco como uma folha de inverno.



  

sábado, 1 de janeiro de 2022

 VÍCTOR BOTAS


ASTURCÓN
(Epílogo marcial)


Este caballo de pequena alzada
que ciñe, como puede el torpe casco
a un trote acompasado, vino a ti
desde Astúrias. Comprendo
que los hay en Bética más dóciles,
con más escuela, vamos, y capaces
de recorrer la vía
Hercúlea, meneando
las cachas, casi casi
igual que Telezusa (sí, la chica
aquella, gaditana por más señas,
que de sobra podría
levantársela a un muerto
con sus danzas. Pero éste,
éste que vino
a ti desde las brumas
sigilosas del Norte, atravesando
a trancas y barrancas las alturas
de los montes astures, tan huraño,
tan modestito él, tan poca
cosa y, por si no bastara,
cojitranco, contento
se daría en los dientes con un canto,
si acertara a traerte,
para adornar tu sien, no el oro,
no las rituales ínfulas, tampoco
insensatas guirnaldas (a la postre
no se trata, supongo, de inmolar
una cerda preñada 
a la pródiga Ceres), sino algo
(imagina un instante que ahora mismo
emprendes, yo que sé, un largo viaje
a las míticas fuentes
del somnoliento Nilo
con tu amor imposible,
romántico y secreto), sino algo, decía,
muy parecido en todo
a una emoción inquieta y - ¡por qué no! ¡por qué no,
a ver, por qué? - unas gotas
de sonriente coña beatífica.


              xxxxxxxxxxx


ASTURCÓN
(Epílogo marcial)

Este cavalo de pequeno porte
que molda, como pode, o torpe casco
a um trote pausado, chegou-te 
das Astúrias, - Compreendo
que os há na Bética mais dóceis,
com mais escola, e capazes 
de percorrer a via 
Hercúlea, meneando
as ancas, quase quase
como Telezusa (sim, aquela
iga, pelos traços gaditana,
que, de sobra, poderia
fazer empinar a de um morto
com as suas danças). Mas este, 
este que te
chegou desde as brumas
sigilosas do Norte, atravessando 
todos os obstáculos das alturas
dos montes asturianos, tão furtivo,
modestíssimo, tão pouca
coisa e, como se não bastasse,
coxo a olhos vistos, contente
ficaria, entre os dentes, com um canto,
se acertasse em trazer-te,
para adornar as tuas têmporas, não o ouro,
nem as rituais ínfulas, tão pouco
insensatas grinaldas (pr fim
não se trata, suponho, de imolar
uma porca prenhe
à pródiga Ceres) mas algo
(imagina um instante que agora mesmo
empreendes, sei lá, uma longa viagem
às míticas fontes
do sonolento Nilo
com o teu amor impossível,
romântico e secreto) mas algo, dizia,
muito parecido em tudo
a uma emoção inquieta e - por que não? por que não,
vejamos, por quê- umas gotas
de sorridente trapaça beatífica.


Nota do Autor: Não se inquiete o leitor: isto de "epílogo marcial" não implica nenhuma belicosidade; recorda simplesmente, que os primeiros versos, que estão em itálico, tirei-os de um brevíssimo texto de Marco Valerio Marcial, intitulado, claro, "Asturcón".

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...