quinta-feira, 30 de abril de 2020

EPIGRAMAS PERSAS MEDIEVAIS
(UMA ANTOLOGIA)
Os poemas aqui incluídos foram selecionados e vertidos (de forma muito liberal) a partir das traduções inglesas do poeta Dick Davis, contida na sua antologia “Borrowed Ware – Medieval Persian Epigrams”.


AGHAJI ( SÉC. X)

O exército da neve precipita-se pelo ar,
como pombas brancas fugindo com medo do falcão.


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Querem prova de que não sou
criança mimada? Não sabem
em que me ocupo? Tragam-me
um cavalo, um arco, um livro,
alguns poemas, uma pena, um alaúde,
dados, vinho, ainda um tabuleiro de xadrez.


SHAHID (SÉC. X)


Se as penas fossem fogo, o fumo subiria,
escurecendo, para sempre, a terra e o céu;
corre o mundo, que nunca encontrarás
um homem que seja feliz e também sábio.



RUDAKI (SÉC X)

Vive a tua vida com alegria,
vive com raparigas de olhos negros, brilhantes,
pois o mundo é apenas
um sonho vazio, varrido pelo vento;
não temas o que irá acontecer,
nem lembres o que já passou –
aqui estou, com o seu cabelo negro
e a sua face é como a lua:
feliz o que jantou e partilhou,
infeliz o que não jantou –
vento e nuvens é este mundo,
o que tem de vir, venha: tragam vinho!


KHOSRAVANI (SÉC X)
Há quatro tipos de pessoa
com quem não gasto dinheiro,
já que nada de útil, vez
alguma obtive das suas artes –
os médicos com suas drogas,
os piedosos com as orações,
os bruxos com os feitiços
e astrólogos com as cartas.

quarta-feira, 29 de abril de 2020

  GIUSEPPE GIOACHINO BELLI
                                             
                        SONETOS
                                    


                         NOTA INTRODUTÓRIA
Giuseppe Gioachino Belli nasceu em Roma, em 1791. Contemporâneo da segunda geração romântica – descobri Belli, através da novela de Anthony Burgess “Abba Abba”, que efabula um encontro fictício, em Roma, de John Keats com Belli.
Viveu no estado pontifício quase toda a vida ( em 1798, a família fugiu para o reino das Duas Sicílias, após um primo do seu pai, o general Valentini, ter sido fuzilado por espia pela República jacobina). Trabalhou na Administração do Estado Papal e tem obra escrita em italiano “padrão”, incluindo, além de poesia, uma colecção enciclopédica de anotações e reflexões sobre inúmeros temas, intitulada Zibaldone (Miscelânea).
Contudo, a sua grande obra poética são os sonetos escritos em dialecto romano – 2279, ao todo, produzidos entre o final da década de 1820 e 1849.
Foi deles que tentei traduzir uma amostra. Se o meu domínio de italiano necessita do recurso frequente a dicionário, o dialecto romano, em que os sonetos estão escritos, pôs-me dificuldades, que seriam insuperáveis sem a ajuda das traduções em castelhano (Editorial Hiperión) e inglês (Hogarth Press), além das versões ( de J J Wilson) incluídas, por Burgess, na obra referida.

ER RICORDO
Er giorno che impiccorno Gammardella
 io m’ero propio allora acresimato.
 Me pare mó, ch’er zantolo a mmercato
 me pagò un zartapichio e ‘na sciamella.

Mi padre pijjò ppoi la carretella,
 ma pprima vorze gode l’impiccato: 
e mme tieneva in arto inarberato
discenno : “Va’ la forca cuant’è bella!”

Tutt’a un tempo ar paziente Mastro Titta 
j’apoggio un carcio in culo, e Trata a menne
 un schiaffone a la guancia de mandritta.

“Pijja,” me disse, “e aricordete bbene 
che sta fine medema sce sta scritta 
pr mmill’antri che ssò mmejjo de tene.”
                       
                                   29 settembre 1830
A RECORDAÇÃO
No dia em que enforcaram Gammardella 
eu tinha acabado de ser crismado. 
Eu e o meu padrinho fomos à feira, 
pagou-me uma ventoinha e farturas.

O meu pai alugou uma charrete, 
mas antes havia que desfrutar o enforcado: 
recomendava-me o espectáculo, dizia “vê como a forca é bela!”

Quando o paciente carrasco 
fez saltar o cu do condenado, 
chegou as mãos à minha tromba.

“Toma,” disse, “e recorda bem 
que este destino está prescrito 
para mil outros melhores que tu.”
                          29 de Setembro 1830


Se, há pouco tempo, me dissessem que iria criar e utilizar um blog (ou blogue?) responderia que era impossível - desde logo, saberia eu fazer tal coisa. Engano, claro; pus-me a tentar e, em vez de 1 criei 3, porque não conseguia entrar em nenhum - lá se conseguiu resolver a coisa (obrigado Miguel) e ficou este com P maiúsculo, não sei bem porquê.
O imbróglio tem alguma explicação; não sendo russo (nem romancista) e avesso a delírios franceses (mais precisamente franco-alemães) e ao epigonismo da academia americana no que respeita a teoria literária, psicanálise, desconstrucionismo, estruturalismo e pós- estruturalismo ( e todos os pós, incluindo o de arroz) dedico-me e, ainda mais, nestes tempos de reclusão, a ler poesia, eventualmente a tentar escrevê-la; claro que leio outras matérias, mas são os poetas que justificam esta empresa.
Traduzi e publiquei algumas traduções de poesia; entretanto prossegui tal tarefa, antes e durante este período de penitência; a publicação destas traduções já era problemática antes e, na presente situação,
ainda mais.
Este é o motivo do recurso a este meio - pôr a circular, ao ritmo de um a três poemas por dia, as traduções que fiz ou vou fazendo para quem tal possa interessar.
Não significa que não possa usar esta geringoça para outros fins; a ver vamos...
Agradeço, obviamente, qualquer comentário, sugestão , proposta de correcção das traduções, ou qualquer outra ideia ou pensamento, por superficial que pareça (e não será, dada a inevitável inteligência e bom-gosto de quem tiver a carolice de visitar o sítio (site?) de vez em quando.
José Alberto Oliveira

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