sexta-feira, 30 de abril de 2021

 MIGUEL D'ORS


DÍAS FELICES

Aquel apartamento de alquiler,
embaldosado y frío como los mataderos.
Hacia las cuatro y media el sol se me ponía
detrás de aquellos patios desconchados
de cuadro hiperrealista.
Y los 1.800 marroqués 
del tercero. Que Alá no les perdone
aquellas noches de jamalajá
que me volvían musulmán pasivo.
(En la cocina el grifo, desvelado,
goteaba y goteaba, contando los segundos,
las horas, las semanas que me faltaban para
volver al Norte y mi vida).
                                             Pero
qué extraña beatitud
cuando, ya anocheciendo, regresaba
del trabajo, encendia, sin quitarme el abrigo,
a máxima potencia aquella estufa
prestada y, apretado contra ella,
volaba con la orquestra dorada de Glenn Miller.

                                                        Poyo, 17-XII-2009


             xxxxxxxxxxxxxxxxxx


DIAS FELIZES

Aquele apartamento de aluguer,
ladrilhado e frio como os matadouros.
Pelas quatro e meia o sol punha-se
atrás daqueles pátios baços
de quadro hiper-realista.
E os 1.800 marroquinos
do terceiro. Que Alá não lhes perdoe
aquelas noites de jamalajá
que me tornavam muçulmano passivo.
(Na cozinha a torneira, insone,
gotejava e gotejava, contando os segundos,
as horas, as semanas, que me faltavam
para regressar ao Norte e à minha vida).
                                                                  Mas
que estranha beatitude
quando, já anoitecendo, regressava
do trabalho e acendia, sem tirar o sobretudo,
na máxima potência aquela estufa
emprestada e, encostado a ela,
voava com a orquestra dourada de Glenn Miller.
 

quinta-feira, 29 de abril de 2021

 FRANK O'HARA


POEM

I watched an armory combing its bronze bricks
and in the sky there were glistening rails of milk.
Where had the swan gone, the one with the lame back?

         Now mounting the steps
         I enter my new home full
         of gray radiators and glass
         ashtrays full of wool.

Against the winter I must get a samovar
embroidered with basil leaves and Ukranian motos
to the distant sound of wings, painfully anti-wind,
       
        a little bit of the blue 
        summer air will come back
        as the steam chuckles in
        the monster's steamy atacck

and I'll de happy here and happy there, full
of tea and tears. I don't suppose I'll ever get
to Italy, but I have the terrible tundra at least.
       
       My new home will de full
       of wood, roots and the like
       while I pace in a turtleneck
       sweater repairing my bike.

I watched the palisades shivering in the snow
of my face, which had grown preternaturally pure.
Once I destroyed a man's idea of himself to have him.
      
      If I'd had a samovar then
      I'd have made him tea
      and as hyacints grow from
      a pot he would have loved me

and my charming room of tea cosies full of dirt
which is why I must travel, to colect the leaves.
O my enormous piano, you are not like being outdoors

     though it is cold and you
     are made of fire and wood!
     I lift your lid and mountains 
     return, that I am good.

The stars blink like a hairnet that was dropped
on a seat and now it is lying in the alley behind
the theater where my play is echoed by dying voices.

    I am really a woodcarver
    and my words are love
    which wilfully parade in
    its room, refusing to move.

                                                      1954


                   xxxxxxxxxxxx


POEMA 

Eu vi uma armaria pentear os seus tijolos de bronze
e no céu havia carris de leite brilhantes.
Para onde foi o cisne, aquele que era corcunda?

     Agora subindo as escadas
     entro na minha casa nova cheia
     de radiadores cinzentos e cinzeiros
     de vidro cheios de lã.

Tenho de descobrir um samovar para me defender do inverno
decorado com folhas de manjerico e provérbios ucranianos
ao som longínquo de asa que se magoam contra o vento,

     um pedacjnho do ar
     azul do verão regressará
     quando o vapor gargalhar
     na afronta fumegante do monstro

e serei feliz aqui e ali, saciado
de chá e lágrimas. Suponho que nunca alcançarei
a Itália, mas pelo menos tenho a tundra terrível.

      A minha casa nova estará cheia
      de madeira, raízes e similares,
      enquanto vagueio com a camisola
      de gola alta, reparando a bicicleta.

Eu vi as paliçadas tiritando na neve
da minha cara, que cresceu sobrenaturalmente pura.
Em tempos destruí a ideia que um homem de si tinha, para o possuir.

      Se então tivesse um samovar
      ter-lhe-ia feito chá
      e como jacintos a brotar
      de um ramo amar-me-ia

e ao meu delicioso quarto de bules de chá muito sujos,
é para isso que tenho de viajar, para colher as folhas.
Ó meu piano enorme, não és como estar lá fora

      mas está frio e tu
      és feito de fogo e de madeira!
      Levanto a a tua tampa e regressam
      montanhas, pois eu sou bom.

As estrelas cintilam como rede de cabelo esquecida
num assento e que agora está perdida na viela atrás
do teatro onde as vozes moribundas ecoam a minha peça.

     Na realidade sou um entalhador
     e as minhas palavras são amor
     que de boa vontade se demora no
     quarto, recusando mexer-se.

                                                                      1954

quarta-feira, 28 de abril de 2021

 W. H. AUDEN


IN MEMORY OF W. B. YEATS
           (d. January 1939)

I

He disappeared in the dead of winter:
The brooks were frozen, the airports almosr deserfed,
And snow disfigured the public statues;
The mercury sank im the mouth of the dying day.
What instruments we have agree
The day of his death was a dark cold day.

Far from his ilness
The wolves ran on through the evergreen forests,
The peasant river was untempted by the fashionable quays;
By mourning tongues
The death of the poet was kept from his poems.

But for him it was his last afternoon as himself,
an afternoon of nurses and rumours;
The provinces of his body revolted,
The squares of his mind were empty,
Silence invaded the suburbs,
The current of his feeling failed; he became his admirers.

How he is scattered among a hundred cities
And wholly given over to unfamiliar affections,
To fins his happiness in another kind of wood
And be punished under a foreign code of conscience.
The words of a dead man
Are modified in the guts of the living.

But in the importance and noise of to-morrow
When the brokers are roaring like beasts in the floor of the Bourse,
And the poor have the sufferings to which they are fairly accostumed,
And each in the cell of himself is almost convinced of his freedom,
A few thousand will think of this day
As one thinks of a day when one did something slightly unusual.
What instruments we have agree
The day of his death was a dark cold day.


II

You were silly like us; your gift survived it all:
The parish of rich women, physical decay,
Yourself. Mad Ireland burst you into poetry..
Now Ireland has her madness and her weather still,
For poetry makes nothing happen: it survives
In the valley of its making where executives
Would never want to tamper, flows on south
From ranches of isolation and the busy griefs,
Raw towns that we believe and die in; it survives,
A way of happening, a mouth.


III

Earth, recieve an honoured guest:
William Yeats is laid to rest.
Let the Irish vessel lie
Emptied of its poetry.

In the nightmare of the dark
All the dogs of Europe bark,
And the living nations wait,
Each sequestered in its hate;

Intellectual disgrace
Stares from every human face,
And themseas of pity lie
Locked and frozen in each eye.

Follow, poet, follow right
To the bottom of the night,
With your unconstraining voice
Still persuade us to rejoice;

With the farming of a verse
Make a vineyard of the curse,
Sing of human unsuccess
In a rapture of distress;

In the deserts of the heart
Let the healing fountain star,
In the prison of his days
Teach the free man how to praise.


                xxxxxxxxxxxxxx


À MEMÓRIA DE W. B. YEATS
      (m. Janeiro 1939)


I

Morreu no rigor do inverno:
Os ribeiros estavam gelados, os aeroportos quase desertos,
A neve desfigurava as estátuas públicas;
O mercúrio afogava-se no estuário do dia agonizante.
Todos os instrumentos que possuímos
Concordam que o dia da sua morte foi escuro e frio.

Longe da sua doença
Os lobos corriam nas florestas verdejantes,
Cais sedutores não tentavam os rios campestres;
A voz das carpideiras
Manteve a morte do poeta afastada dos seus poemas.

Mas, para ele foi a sua última tarde,
Uma tarde de enfermeiros e boatos;
As províncias do seu corpo revoltaram-se,
As praças do seu espírito estavam desertas,
O silêncio invadiu os subúrbios.
A corrente dos seus sentidos estancou; ele tornou-se os seus admiradores.

Agora está espalhado por inúmeras cidades,
Inteiramente oferecido a afectos estranhos,
Para encontrar a sua felicidade noutro bosque 
E ser castigado pela consciência de um código estrangeiro.
As palavras de um morto
Modificam-se nas entranhas dos vivos.

Mas na importância e no barulho de amanhã
Quando, como animais, os corretores berrarem no recinto da Bolsa
E os pobres sofrerem como estão acostumados
E cada um na sua cela se convencer que é livre,
Uns poucos milhares pensarão nesse dia,
Como quem pensa num dia em que fez algo pouco habitual.
Todos os instrumentos que possuímos
Concordam que o dia da sua morte foi escuro e frio.


II

Eras tonto como nós: o teu dom sobreviveu a tudo:
À paróquia de mulheres ricas, à decadência física,
A ti mesmo. Irlanda, a louca, feriu-te para a poesia.
Agora a Irlanda conserva a loucura e o clima,
Pois a poesia não provoca nada: sobrevive
Na planície da sua fábrica, onde gestores
Não quereriam brincar, flui para o sul,
Desde herdades desoladas e dores atarefadas,
Cidades rudes onde acreditamos e morremos; sobrevive,
Uma forma de acontecer, um estuário.


III

Terra, recebe um hóspede ilustre,
A William Yeats permite que repouse.
Que a taça da Irlanda vazia
Fica da sua poesia.

No pesadelo da escuridão
Os cães da Europa ladram
E as nações vivas esperam
No seu ódio encarceradas.

Na face humana estampada
A desgraça intelectual
E oceanos de piedade
Em cada olhar presos e gelados.

Vai poeta, em frente vai
Até ao fundo da noite,
Com a voz que libertaste
Ensina-nos o regozijo.

Com a lavoura de um verso
Da blasfémia faz a vinha,
Canta o humano insucesso
Com um arroubo de mágoa;

Nos desertos do coração
Faz jorrar do bálsamo a fonte,
Na prisão dos seus dias
Ensina o homem livre a louvar.



 

segunda-feira, 26 de abril de 2021

 LUCIANO ERBA


PIOVERÀ 


Prima che piova 
ripassano le rondini sulla strada. 
Passa  
un uccello che non conosco 
con ala lenta 
e volo parallelo alla terra. 
La noia 
di questo mattino 
ritorna al suo cielo di pioggia.


     xxxxxxxxxxxxx


CHOVERÁ 

Antes que chova 
as andorinhas voltam a passar sobre a estrada. 
Passa 
uma ave que não conheço 
com asa lenta  
e voo paralelo à terra.
O tédio 
desta manhã 
regressa ao seu céu de chuva.

domingo, 25 de abril de 2021

 CERVERÍ DE GIRONA

(...1259-1285...)

A greu pot om conoisser en la mar
camin sitot s'en passa lenhe naus
ni sitot s'es la mar plana e suaus
pot greu l'aiga planamen mesurar
encara mens ve ni conois ni sap
l'engenh e-lh mal qu'en falsa femna cap.

E qui l'auzel ve contra-lh cel volar
greu por saber lo loc on s'an ni-s paus
e las folhas d'un pin e de dous faus
pot greu el cel las estelas comtar
encara mens cre que ses dans escap
qui vil femna acolh dins en son trap.

E cel qui ve per una roch'anar
una serpen ab que-lh ver dire n'aus
greu i ve pas camin tras ni esclaus
on posqu'aissi com la serpen passar
encara mens e non o dic a gap
d'avois femna estortz que no mescap.

E pot om greu los quatre vens liar
si que-ls tenha dins sa maizon enclaus
et un leon quant es esquise braus
pot greu aissi com caval enfrenar
encara mens pot venir a bon cap
s'ab mala femna beu en un anap.

A greu pot om lo solelh aturar
e tant obrar que blasmes sia laus
et orsanhels e gaisgrua e paus
e la luna quant es cressens mermar
encara mens crei que nul ben acab
s'ab femna vil vol jazer sotz un drap.

La Domn'als-Cartz e Sobrepetz an cap
d'ensenhamen e de lau ses tot gap.
Co-lh rei Peire nul autre rei no sab
per qu'ab Deu tra totz sos fagz a bon cap.


            xxxxxxxxxxxxxxxxx


É difícil reconhecer no mar
o caminho que tomaram naves e barcos,
mesmo se o mar está chão e liso
é difícil medir com precisão a fundura.
Mas ainda é mais difícil ver, conhecer, sondar
o engano e o mal que esconde mulher pérfida.

Quem vê a ave voar no céu
é-lhe difícil adivinhar onde irá pousar
e as folhas de um pinheiro ou duas faias
não é possível contá-las, nem as estrelas do céu.
Mas terá ainda mais dificuldade em escapar
quem acolhe mulher vil na sua tenda.

Quem vê esconder-se nas rochas
uma serpente, não lhe será possível
descobrir o caminho, o traço, a passagem
por onde poderia fugir, como a serpante.
Mas ainda mais impossível, não exagero,
escapar, sem danos, aos empenhos de má mulher.

Não é, de certo, possível atar os quatro ventos
e tê-los. em casa, fechados à chave,
e a um leão, que está feroz e colérico,
não se pode refreá-lo como um cavalo.
Mas ainda menos chega a bom fim
quem bebe uma caneca com mulher ruim.

Não se pode, de vez, extinguir o sol,
nem conseguir que censura sja louvor,
nem que o urso seja anho e galo grua ou pavão,
ou que o quarto crescente comece a minguar.
Mas creio, ainda menos, que possa ser feliz
quem se deita em lençóis com mulher mesquinha.

As Damas als-Cartz e Sobrepetz são o cume
da distinção e mérito, digo-o sem exagero.
Ao rei Peire outro não comparo
que, por graça de Deus, a bom fim leva o empenho.






sábado, 24 de abril de 2021

 GIUSEPPE GIOACHINO BELLI



("Sora Cristina mia, pe un caso raro")

Sora Cristina mia, pe un caso raro 
io povero cristiano bbattezzato 
senz’avece né ccorpa né ppeccato 
m’è vvienuto un ciamorro da somaro. 

Aringrazziat’iddio! l´ho ppropio a ccaro! 
E mme lo godo tutto arrinnicchiato 
su sto mi letto sporco e inciafrujjato, 
come un zan Giobbe immezzo ar monnezzaro. 

Che cce volemo fà? ggnente pavura. 
Tant’e ttanto le sorte sò dua sole: 
drento o ffora; o in figura o in zepportura. 

E a cche sserveno poi tante parole? 
Pascenza o rrabbia sin ch’er freddo dura: 
staremo in cianche quanno scotta er zole. 

                                                            21 febbraio 1849


             xxxxxxxxxxxxxxxxx


(“Senhora minha, Cristina, por caso raro”) 

Senhora minha, Cristina, por caso raro, 
eu, pobre cristão baptizado, 
sem ter culpa nem pecado, 
 veio-me carraspana de cavalo. 

Deus seja louvado! Bem a carrego! 
E desfruto-a todo acucurrado 
neste leito sujo e enrugado 
como São Job lá na lixeira. 

Que podemos fazer? Não ter medo, 
que as sortes são apenas duas: 
dentro ou fora; figura ou sepultura. 

Pois de que servem tantas palavras? 
Paciência ou raiva enquanto o frio dura: 
estarei de pé quando o sol aqueça.

                                                      21 Fevereiro 1849


Aqui termina a selecção de sonetos de Belli.

Laus Deo, como se dizia.

quinta-feira, 22 de abril de 2021

 POEMAS DA ANTOLOGIA GREGA


Sob este título foi publicada em 2018 (Assírio & Alvim) uma pequena antologia de poemas da Antologia Grega (ou Palatina). As versões passaram, novamente, por traduções em inglês.


ARQUÍLOCO

A minha lança de freixo
é o meu pão de cevada,
a minha lança de freixo
é o meu vinho ismárico.
Encosto-me a ela e bebo.


         xxxxxxxxx


Estou-me nas tintas, se um gorila trácio
se pavoneia com o magnífico escudo, criado nos bosques.
Abandoná-la foi penoso, mas numa emboscada 
conservei a pele intacta. Bons escudos compram-se.

quarta-feira, 21 de abril de 2021

 Li SHANG-YIN  (812?-858)


Este foi o primeiro conjunto de versões de poesia, que realizei e publiquei, a partir de traduções (infidelidade dupla, de que tento absolver-me na introdução ao livro). Logo repetiria o pecado com Poemas da Antologia Grega e o prolongaria em versões editadas neste blog.
Claramente este não é o meu poeta chinês favorito - esses, Li Bai, Tu Fu, Bai Ju-Yi..., são da geração anterior (o período de ouro da poesia chinesa, correspondendo à primeira fase da dinastia Tang); estão competentemente traduzidos por António Graça de Abreu (tanto quanto posso julgar, nomeadamente comparando com versões noutras línguas). De qualquer forma , Li Shang-yin é diferente desses ilustres antecessores e um poeta muito digno de se ler.


                        I

O regresso foi promessa vã, partiste, sem deixar rasto;
O luar desliza sobre o telhado, já soa a quinta hora.
Sonho de despedidas longínquas, apelos ignorados,
Apresso-me a terminar a carta, mas a tinta não espessa.
A luz da vela semi-cerca águias marinhas, bordadas a ouro,
O cheiro a almíscar que os nenúfares bordados exalam.
O jovem Liu queixa-se que a Montanha dos Imortais é longe.
Depois da Montanha, cimo após cimo, dez mil montanhas se levantam.




terça-feira, 20 de abril de 2021

 CHARLES SIMIC


INVENTION OF NOTHING


I didn't notice
while I wrote here
that hothing remains of the world
except my table and chair.

And so I said:
(for the heel of it, to abuse patience)
Is this the tavern
without a glass, wine or waiter
where I'm the long awaited drunk?

The colour of nothing is blue.
I strike with my left hand and the hand disappears.
Why am I so quiet then
and so happy?

I climb on the table
(the chair is gone already)
I sing through the troath
of an empty beer-bottle.


    xxxxxxxxxxxxx


INVENÇÃO DO NADA

Não reparei
enquanto aqui escrevia
que nada resta do mundo
excepto a minha mesa e a cadeira.

E por isso disse:
(por que raio, para abusar da paciência)
É esta a taberna
sem um copo, vinho ou criado
onde sou o bêbedo que há muito tempo esperam?

A cor do nada é azul.
Eu bato-lhe com a mão esquerda e a mão desaparece.
Então porque estou tão sossegado
e tão feliz?

Subo para a mesa
(a cadeira já desapareceu)
canto pelo gargalo
de uma garrafa de cerveja vazia.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

 RUSSEL EDSON


A MACHINE

     A man had built a machine.
     ... Which does what? said his father.
     Which goes red with rust when it rains, wouldn't you say so,
father?
     But the machine is something to put a man out of work, said
his father, and work is prayer, so the machine is a damnation.
     But the machine can also be sweethearts, growing cobwebs
between its wheels where little black hands crawl; and soon the
grasses come up between its gears - And its spokes laced with
butterflies...
     I do not like the machine, even if it is friendly, because it
may decide to love my wife and take my bus to work, said the
father.
     No, no, father, it is a flying machine.
     Well, suppose the machine builds a nest on the roof and has
baby machines? Said the father.
     Father, if you would only stare at the machine for a few hours
you would learn to love it, to perhaps devote your very life to it.
     I would not do such a thing, not with your mother
watching, itemizing my betrayals with which to confront me in
bed... Perhaps I would soften towards this humble iron work, for
even now I feel moved to assure it that there is a God, yes even 
for you, dear patient machine. But your mother is watching. Even
my mother is watching. All the women of the household are
watching from the windows, waiting to see what I shall do.
     But father, look at the dew on its wheels, does it not make 
you think of tears?
     Would you break my heart whilst the women watch, half
hoping that I shall weaken? for they are hungry for the victim
that would be a kindness for me to deliver.
     Then bow to the machine, father, be kind to the women as
you are kind to the machine.
     Oh no, dear child, I could not bow to a machine; I am, after 
all, human. Let others open new doors of history...


                 xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


UMA MÁQUINA

     Um homem construiu uma máquina.
     ... Que faz o quê? disse o seu pai.
     Que fica vermelha com a ferrugem, se chover, não te parece,
pai?
     Mas uma máquina é o que rouba trabalho a um homem,
disse o pai, e o trabalho é oração, logo a máquina é um pecado.
     Mas a máquina também pode ser amorosa, cultivando teias 
de aranha entre as rodas, onde rastejam pequenas patas negras; e
logo as ervas aparecem entre as engrenagens - E os seus raios
adornados com borboletas...
     Não gosto da máquina, mesmo se é amável, pois pode ainda
decidir amar a minha mulher e apanhar o meu transporte para o
trabalho, disse o pai.
     Não, não, pai, é uma máquina voadora.
     Bom, supõe que a máquina faz ninho no telhado e tem filhos
máquinas? disse o pai.
     Pai, se quisesses olhar para a máquina apenas umas horas irias
aprender a amá-la, talvez até dedicar-lhe a própria vida.
     Eu não faria tal coisa, pelo menos com a tua mãe a ver, 
catalogando as minhas infidelidades para me confrontar com elas
na cama... Talvez eu conseguisse simpatizar com esta humilde obra
de ferro, pois que já me sinto motivado a assegurar-lhe que existe
um Deus, sim, até para ti, querida máquina paciente. Mas a tua 
mãe vigia. Até a minha mãe vigia. Todas as mulheres da casa
observam pelas janelas, esperando para ver o que farei.
     Mas, pai, observa o orvalho nas suas rodas, não te lembra
lágrimas?
     Irás destroçar o meu coração, enquanto as mulheres vigiam,
quase esperando que eu ceda? pois elas anseiam pela vítima que
me seria amável entregar.
     Então curva-te perante a máquina, pai, sê gentil com as 
mulheres, como és gentil com a máquina.
     Oh não, querido filho, não conseguiria curvar-me perante
uma máquina; no fundo, sou humano. Deixa que outros abram
novas portas da história...

domingo, 18 de abril de 2021

 AUGUST KLEINZAHLER


WHERE GALLUCCIO LIVED

Get all of it, boys,
every brick,
so the next big storm blows out
any ghost left with the dust.

In that closet of air the river
wind gnaws at
was where the crucifix hung:
and over there

by the radio and nails,
that's where Galluccio kept
with his busted leg
in an old, soft chair

watching TV ande the cars
go past.

       Whole floors,
broken up and carted off...

Memory stinks,
like good marinara sauce.
You never get that garlic smell
out of the walls.


     xxxxxxxxxxxxxxx


ONDE GALLUCCIO VIVIA

Tirem isso tudo, rapazes,
todos os tijolos,
para que a próxima grande tempestade varra
todos os fantasmas que ficaram com o pó.

Nesse armário de ar que o vento
do rio corrói
era onde estava pendurado o crucifixo
e acolá

junto ao rádio e aos pregos
era onde Galluccio ficava
com a sua perna destroçada
numa cadeira velha, mole

a ver TV e os carros
a passarem.

     Andares inteiros
rebentados e transportados...

A memória empesta
como bom molho marinara.
Nunca se consegue tirar o cheiro a alho
das paredes.

sábado, 17 de abril de 2021

 ALEKSANDAR RISTOVIC


FOLHAS SECAS

Danton espera pela morte,
mas o dia tarda a chegar.
Tem a roupa cheia de piolhos
e as botas ensopadas pela chuva.
Na sua cara já há sinais
do se extraordinário destino.
Dessa grande distância ele observa-me
a caminhar debaixo das árvores
e a juntar folhas secas
com uma vara comprida, que termina num espigão.

sexta-feira, 16 de abril de 2021

 FERNANDO ORTIZ


LIBROS

                                         (Profanación y homenaje)

  Retirado sin paz a estos desiertos
dejáronme unos pocos libros juntos.
Solo y sin paz. Oficio de difuntos
ejerce quien conversa con los muertos.

  No sé bien si entedidos -sí que abiertos-
hundieron con mi vida mis asuntos.
Fueron desacordados contrapuentos:
sueño a los ojos que soñé despiertos.

  Las graves almas que la muerte ausenta
encomiendan su injuria vengadora,
su soplo frío a la seca imprenta.

  En fuga irrevocable huye la hora;
pero aquélla el mejor cálculo cuenta
que en el amor al otro nos mejora.


     xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


LIVROS
  
                                           (Profanação e homenagem)                  

  Retirado sem paz nestes desertos
deixaram-me uns poucos livros juntos.
Só e sem paz. Ofício de defuntos
exerce quem conversa com os mortos.

  Não sei bem se entendidos -ainda que abertos-
fundiram com a minha vida os meus assuntos.
Foram desacordados contrapontos:
sonho os olhos que sonhei despertos.

  As graves almas que a morte ausenta
encomendam a sua injúria vingadora,
o seu sopro frio à seca impressa.

  Em fuga irrevogável foge a hora:
mas aquela o melhor cálculo conta
que no amor ao outro nos melhora.                                                                      

quinta-feira, 15 de abril de 2021

 D. J. ENRIGHT


AM STEINPLATZ

Benches round a square of grass.
You enter by the stone that asks,
                     "Remember those whom Hitleris killed".
"Remember those whom Stalinism killed",
Requests the stone by which you leave.

This day, as every other day,
I shuffle through the little park,
                    from stone to stone,
From conscience-cancellinhg stone to stone,
Peering at the fading ribbons on the faded wreaths.

At least the benches bear their load,
Of people reading papers, eating ice,
Watching aeroplanes and flowers,
Sleeping, smoking, counting, cuddling.
                     Everything but heed those stony words.
They have forgotten. As they must.
Remember those who live. Yes, they are right.
                    They must.

A dog jumps on the bench beside me.
Nice doggie: never killed a single Jew, or Gentile.
Then it jumps on me. Its paws are muddy, muzzle wet.
Gently I push it off. It likes this game of war.

At last a neat stout lady on a nearby bench
Calls tenderly, "Komm, Liebchen, komm!
Der Herr" - this public-park-frau barks -
                     "does not like dogs!"

Shocked papers rustle to the ground:
Ices drip away forgotten; sleepers wake;
The lovers mobilize their distant eyes.
                     The air strikes cold.
There's no room for a third stone here.
                     I leave.


               xxxxxxxxxxx


AM STEINPLATZ             

Bancos em torno de um quadrado de relva.
Entra-se por uma pedra que pede,
                   "Recordem os que o Hitlerismo assassinou".
"Recordem os que o Estalinismo assassinou",
Pede a pedra por onde se sai.

Neste dia, como em vários outros,
Arrasto-me pelo pequeno parque
                  de pedra para pedra,
De uma placa de cancelamento de consciência para outra,
Examinando as fitas que murcham das coroas murchas.

Pelo menos os bancos suportam a carga,
De pessoas a lerem jornais, a comer gelado,
A observar aeroplanos e flores,
Dormindo, fumando, contando, mimando.
                 Tudo menos atentando nas palavras na pedra.
Esqueceram. Como devem.
Recordem-se os que vivem. Sim, estão certos.
                 Devem.

Um cão salta para o banco junto ao meu.
Cãozinho bonito: nunca matou um único Judeu ou Gentio.
Depois salta para mim. Tem patas enlameadas, focinho húmido.
Com jeito, empurro-o. Ele gosta deste jogo de guerra.

Por fim, uma asseada, robusta senhora, num banco próximo
Chama ternamente, "Komm, Liebchen, komm!
Der Herr" - ladra esta frau de banco público -
                "Não gosta de cães!"

Jornais assustados sussurram até ao chão;
Gelados esquecidos derretem; adormecidos acordam;
Os namorados mexem os olhos distantes.
               O ar está frio.
Não há aqui espaço para uma terceira placa.
               Saio.
               

quarta-feira, 14 de abril de 2021

MIROSLAV HOLUB


COMO É O CORAÇÃO

Oficialmente o coração
é oblongo, muscular
e repleto de desejo.

Mas alguém que tenha pintado o coração sabe
que é também

espiculado como uma estrela
e por vezes desmazelado
como um cão rafeiro à noite
e por vezes poderoso
como um tambor de arcanjo.

E por vezes em forma de cubo
como o sonho de um artífice
e por vezes alegremente redondo
como uma bola numa rede.

E por vezes como uma linha firme
e por vezes como uma explosão.

E nele está
apenas um rio,
um açude
e no máximo um peixinho
de forma alguma dourado.

Mais como um cinzento
caboz
com ciúmes.

Por certo não se nota
à primeira vista.

Alguém que tenha pintado o coração sabe
que primeiro teve
de descartar os óculos
o espelho
atirar fora o seu lápis de ponta fina
e o papel químico

e durante um bom bocado
caminhar
lá fora.

terça-feira, 13 de abril de 2021

AURORA LUQUE


CATULO Y YO


1
Odio y amo

Odio y amo. Me pregunté una vez por qué lo hacía.
Ya lo sé: siento que son los celos, su tortura.


2
El poema de la siesta

Dulce Ipsitilo mio. te lo ruego,
mi molicie, mi osezno, invítame
a visitarte a la hora de la siesta.
Y si me invitas, hazme otro favor:
ten la puerta de fuera sin vecinas
y no te dé por irte a Transpadana.
Quédate en casa, y preparado, porque
sin descanso habrá cuatro revolcones
y un masaje de aceite filipino.
Pero invitame ya, se te parece.
Me animé con el vino de Molina
y los antros de Venus se me encharcan.


3
Lesbia hoy

A vivir y a gozar, que son dos días
y uno sale nublado, mi Catulo.
Pasemoe del acoso de chismólogos:
sus ladridos no valen medio euro.
Se enciende cada día lo espectáculo.
Nuestros focos, en cambio, firman breves
contratos con la luz. Y luego llega
el apagón molesto de la muerte.
Dame mil besos, hazme mil caricias,
te haré luego otras mil, y luego ciento,
dame un millón de besos, luego otro,
diez mil abrazos, mil noches enteras.
Que sean tantos que a los paparazzi
les revienten las cámaras de fotos. 



      xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


CATULO E EU


1
Odeio e Amo

Odeio e amo. Perguntei-me uma vez porque o fazia.
Já sei: sinto que são os ciúnes, a sua tortura.


2
O poema da sesta 

Doce Ipsitilo meu, peço-te,
minha molícia, meu ursinho, convida-me
a visitar-te à hora da sesta.
E se me convidares, faz-me outro favor:
tem a parte de trás sem vizinhas
e não te ocorra ir a Transpadana.
Fica em casa e preparado, porque
sem descanso haverá quatro trambolhões
e uma massagem de óleo filipino.
Porém, convida-me já. se concordares.
Animei-me com o vinho de Mollina
e os antros de Vénus encharcaram.


3
Lésbia hoje

A viver e a gozar, que são dois dias
e um surge nublado, meu Catulo.
Ultrapassamos o assédio dos chistólogos:
os seus ladridos não valem meio euro.
Acende-se cada dia o espectáculo.
As nossas chamas, pelo contrário, firmam breves
contratos com a luz. E logo chega
o apagão molesto da morte.
Dá-me mil beijos, faz-me mil carícias,
far-te-ei logo outras mil, e logo um cento,
dá-me um milhão de beijos, logo outro,
dez mil abraços, mil noites inteiras.
Que sejam tantos que aos paparazzi
lhes rebentem as câmaras fotográficas.

segunda-feira, 12 de abril de 2021

 PABLO GARCÍA CASADO


BIRDS IN THE NIGHT

miraba por los cristales las montañas
los poblados al borde de las carreteras luces rojas
áreas de servicio camiones interminables en las gasolineras

aquí tienes dinero compra una maleta camisas unas botas
coge este billete no aparezcas por un tiempo no te preocupes
deja las cosas pasar por unos meses

no sé qué decir

no digas nada compra también un mapa
un mapa de américa nunca se sabe


        xxxxxxxxxxxxxxxx


BIRDS IN THE NIGHT

espreitava pelos vidros as montanhas
os povoados à beira da estrada luzes vermelhas
áreas de serviço camiões intermináveis nas gasolineiras

aqui tens dinheiro compra uma mala camisas umas botas
toma este bilhete não apareças por uns tempos não te preocupes
deixa as coisas passar por uns tempos

não sei que dizer

não digas nada compra também um mapa
um mapa de américa nunca se sabe

domingo, 11 de abril de 2021

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


LAS FLECHAS Y LOS DÍAS

Antes de amanecer sé que este día
también ayudará a morir al alma.
La misma sensación tiene el arquero
cuando suelta la cuerda de su arco:
en ese mismo instante se da cuenta
de que la flecha no dará en el blanco.


        xxxxxxxxxxxxxxxx


AS FLECHAS E OS DIAS

Antes de amanhecer sei que este dia
também ajudará a alma a morrer.
A mesma sensação tem o archeiro
quando solta a corda do seu arco:
nesse mesmo instante dá-se conta
de que a flecha não acertará no alvo.

sábado, 10 de abril de 2021

 ANTHONY HECHT


DEATH AS A MEMBER OF
THE HAARLEM GUILD OF ST LUKE

Not just another Hals, all starch and ruff -
Some boorish member of the bourgeiosie -
I am an artisan, take note of me:
Cabinet maker, intarsiatori buff,
Witha a honed scapel delicate enough
To limn foreshortened lutes, books, masonry,
In pearwood, sandalwood and ebony,
As a marquetry still life, a trompe l'oeil bluff.
And yt my clients, scorning expertise,
As if my carving hand were called in doubt,
Venture capriciously to do wiyhout
Even lapped, fished, or mitered joints, decline
My chiseled skills, discountenance my fees
And settle for a simple box of pine.


            xxxxxxxxxxxxxxxx


A MORTE COMO MEMBRO DA
GUILDA DE S. LUCAS EM HAARLEM

Por certo, não outro Hals, todo goma e gola -
Membro rústico da burguesia -
Sou um artesão, atentem em mim:
Marceneiro, polidor de intrasiatori,
Com escapelo afiado muito hábil
Para delinear perspectivas de alaúdes, livros, alvenaria,
Em pereira, sãndalo e ébano,
Como tauxia de natureza-morta, uma ilusão trompe l'oeil,
E, todavia, os meus clientes desprezam perícia,
Como se a minha mão que lavra fosse posta em dúvida,
Caprichosamente aventuram-se a dispensar
Mesmo juntas imbricadas, com talas ou mitradas, declinam
A minha arte de cinzelar, desesperam dos meus preços
E contentam-se com um simples caixão de pinho.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


LA MALCASADA

Me dices que Juan Luis no te comprende,
que sólo piensa en sus computadoras
y que no te hace caso por las noches.
Me dices que tus hijos no te sirven,
que sólo dan problemas, que se aburren
de yodo y que estás harta de aguantarlos.
Me dices que tus padres están viejos,
que se han vuelto tacaños y egoístas
y ya no eres su reina como antes.
Me dices que has cumplido los cuarenta 
y que no es fácil empezar de nuevo,
que los únicos hombres con que tratas 
son colegas de Juan en IBM
y no te gustan los ejecutivos.
Y yo, ¿qué es lo que pinto en esta historia?
¿Qué quieres que haga yo? ¿Que mate a alguién?
¿Que dé un golpe de estado libertario?
Te quise como un loco. No lo niego.
Pero eso fue hasta mucho, cuando el mundo
era una reluciente madrugada
que no quisiste repartir conmigo.
La nostalgia es un burdo pasatiempo.
Vuelve a ser lo que fuiste. Ve a un gimnasio,
píntate más, alisa tus arrugas
y ponte ropa sexy, no seas tonta,
que a lo mejor Juan Luis vuelve a mimarte,
y tus hijos van a un campamento,
y tus padres se mueren.


     xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


A MALCASADA

Dizes-me que Juan Luis não te compreende,
que só pensa nos seu computadores,
e que não faz caso de ti, quando chega a noite.
Dizes-me que os teus filhos não te ajudam,
que só dão problemas, que se aborrecem 
com tudo e que estás farta de aturá-los.
Dizes-me que os teus pais estão velhos,
que se tornaram tacanhos e egoístas
e já não és a sua rainha, como dantes.
Dizes-me que atingiste os quarenta
e que não é fácil começar de novo,
que os únicos homens com quem convives
são colegas de Juan na IBM
e não gostas de executivos.
E eu, que papel tenho nesta história?
Que queres que eu faça? Que mate alguém?
Que dê um golpe de estado libertário?
Desejei-te como um louco. Não o nego.
Mas isso foi há muito, quando o mundo
era uma reluzente madrugada
que não quiseste partilhar comigo.
A nostalgia é um rude passatempo.
Volta a ser quem foste. Vai a um ginásio,
pinta-te mais, alisa as tuas rugas
e põe roupa sexy, não sejas tonta,
que, pelo melhor, Juan Luis volta a mimar-te
e os teus filhos vão para um acampamento
e os teus pais morrem.

quinta-feira, 8 de abril de 2021

 JON JUARISTI


EN TORNO AL CASTICISMO


                                     A Fanny Rubio, que me desaconsejó
                                     escribir em la lengua del Imperio.

Uno qiuere a su lengua porque es materia y útil
del oficio escogido, pero no, quede claro,
por su más que dudosa belleza. Nunca he sido
amigo de postrarme ante los diccionarios.

Cabreros y ladrones, no monjes cluniacences,
forjaron sus palabras sin brillo ni eufonía.
¿Qué cabía esperar de un hato miserable,
quemado por soles, comido por la tiña?

Jamás tuvo por cierto aquello del Espíritu,
del Genio de los Pueblos. Si escribo en español,
no es por Volkgeist alguno que en el albor de España
fluyera entre las barbas de Cid Campeador.

Aunque Rodrigo Díaz el de Vivar debía
fablar un castellano más recío que una aldaba.
Oíanlo los moros al pie de la alcazaba,
y no les alcanzaba al cuerpo la chilaba.

Con todo, no era el pobre un pozo de elocuencia.
Al paso de los siglos, afortunadamente,
nos fuimos refinando, pero la poesía,
de sobra está decirlo, no ha sido nuestro fuerte.

No obstante, hay excepciones. Catad : el Arcipreste,
Manrique, Garcilaso. Quevedo no era manco.
Incluso entre los vascos tuvimos una de ellas,
pero eso antes de Franco.

Detesto sobre todo a la canalla rancia
que hace de esta cuestión de patriotismo.
Nuestro maestro en esto, Jaume el Conqueridor,
es catalán, inglés y un poco filipino.

En cuanto a mí, la tribu de que procedo, dicen,
moraba ya en los flancos del alto Pirineo
allá cuando Caín sembraba cañamones,
y yo, que me lo creo,

no voy a mendigaros un plato de lentejas
ni un sitio junto al fuego. A ver quién se aventura,
hermanos amadísimos, a negarme el derecho
de primogenitura.

Y si de vez en cuando perpetro un vizcainismo,
que a nadie se le ocurra venir a darme vaya,
y menos a vosotros, pecheros del idioma,
que soy hidalgo viejo del Fuero de Vizcaya. 


      xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


A PROPÓSITO DO CASTICISMO


                                                 Para Fanny Rubio, que me desaconselhou
                                                 a escrever na língua do Império.

Gosta-se da língua que é nossa porque é matéria e útil
do ofício escolhido, mas não, que fique claro,
pela sua mais que duvidosa beleza. Nunca fui adepto
de prostrar-me diante dos dicionários.

Cabreiros e ladrões, não monges cluniciences,
forjaram as suas palavras. sem brilho e sem eufonia.
Que poderia esperar-se de um bando miserável,
queimado pelos sóis, comido pela tinha?

Nunca tive por certo aquilo do Espírito,
do Génio dos Povos. Se escrevo em espanhol,
não é por nenhum Volkgeist, que nos alvores de Espanha,
fluiu pelas barbas de Cid, o Campeador.

Ainda que Rodrigo Díaz, o de Vivar, devia
falazar um castelhano mais grosseiro que uma aldraba,
ouviam-no os mouros junto à alcáçova,
e não lhes sobrava no corpo o cafetã.

Contudo, não era o pobre um poço de eloquência.
Com a passagem dos séculos, afortunadamente,
fomos refinando-nos, mas a poesia,
não sobra dizê-lo, não tem sido o nosso forte.


Não obstante, há excepções. Reparem: o Arcipreste,
Manrique, Garcilaso. Quevedo não era manco.
Incluso, entre os bascos, tivemos uma delas,
mas isso antes de Franco.

Detesto sobretudo a canalha rançosa
que fez deste questão de patriotismo.
O nosso mestre era outro, Jaume, o Conquistador,
é catalão, inglês e um pouco filipino.

Quanto a mim, a tribo de que procedo, dizem,
morava já nos flancos do alto Pirinéu,
acolá onde Caim semeava alpista
e eu até o creio;

não vou mendigar-vos um prato de lentilhas,
nem um lugar junto à fogueira. A ver quem se aventura,
irmãos amantíssimos, a negar-me o direito
de primogenitura.

E se, de vez em quando, perpetro um biscaísmo,
que a ninguém lhe ocorra fazer mofa,
ainda menos a vós, plebeus do idioma,
pois sou fidalgo velho do Foro de Biscaia.



quarta-feira, 7 de abril de 2021

WELDON KEES


CRIME CLUB

No butler, no second maid, no blood upon the stair.
No eccentric aunt, no gardener, no family friend
Smiling among the bric-a-brac and murder.
Only a suburban house with the front door open
And a dog barking at a squirrel, and the cars 
Passing. The corpse quite dead. The wife in Florida.

Consider the clues: the potato masher in a vase,
The torn photograph of a Wesleyan basketball team,
Scattered with check stubs in the hall;
The unsent fan letter to Shirley Temple,
The Hoover button on the lapel of the deceased,
The note: "To be killed this way is quite alright with me."

Small wonder that the case remains unsolved,
Or that the sleuth, Le Roux, is now incurably insane,
And sits alone in a white room ina white gown,
Screaming that all the world is mad, that clues
Lead nowhere, or to walls so high their tops cannot be seen;
Screaming all day of war, screaming that nothing can be
     solved.


    xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


CLUBE DO CRIME

Não havia mordomo, nem criada ajudante, nem sangue nas escadas.
Nem tia excêntrica, nem jardineiro, nem amigo de família
Sorrindo entre bricabraque e assassínio.
Apenas uma casa suburbana com a porta da frente aberta
E um cão a ladrar a um esquilo e os carros
Que passavam. O cadáver bem morto. A esposa na Flórida.

Consideraram-se as pistas: a trituradora de batatas num vaso,
A fotografia rasgada de uma equipa de basquetebol Wesleyan,
Comprovativos de cheques espalhados à entrada;
Cartas de admirador para Shirley Temple, não enviadas,
O crachá de Hoover na lapela do falecido,
A nota: "Para mim está muito bem ser morto assim."

Não é de espantar que o caso continue por resolver,
Que o detective, Le Roux, esteja agora incuravelmente louco
E sentado sozinho num quarto branco com uma bata branca,
Gritando que todo o mundo é louco, que pistas
Levam a lado nenhum, ou a paredes tão altas que os tectos não são avistáveis;
Gritando todo o dia sobre guerra, gritando que nada pode ser
   solucionável.

terça-feira, 6 de abril de 2021

 VÍCTOR BOTAS


GATO

Pavorosa inocencia la de este
que junto a mi dormita. Nada sabe
de su breve pasado y su futuro
incierto en todo, salvo en una cosa: 
también él morirá. Saca las uñas,
se pasea por casa, sigue atento
cuanto pueda moverse; y ahí termina 
su actividad de augur. (Tiene la panza 
repleta y no le pide correr riesgos
para poder vivir). De tarde en tarde,
cuando se pone algo melancólico,
traza curiosos signos que no siempre
consigue decifrar, Entonces, pobre,
para animarle un poco, ronroneo.


         xxxxxxxxxxxxxx


GATO

Pavorosa inocência a deste
que junto de mim dormita. Nada sabe
do seu breve passado e do seu futuro
de todo incerto, salvo numa coisa:
também ele morrerá. Saca as unhas,
passeia-se pela casa, segue atento
quanto possa mover-se; e aí termina 
a sua actividade de áugure. (Tem a pança
repleta e não exige riscos
para poder viver). De tarde em tarde,
quando se põe algo melancólico,
traça curiosos signos que nem sempre 
consegue decifrar. Então, pobre,
para animá-lo um pouco, ronrono.

segunda-feira, 5 de abril de 2021

 J. V. CUNNINGHAM


EPIGRAMS ; A JOURNAL


[ 11 ]

When I shall be without regret
And shall mortality forget,
When I shall die who lived for this,
I shall not miss thr things I miss.
And you who notice where I lie
Ask not my name. It is not I.


[ 15 ]

Deep summer, and time pauses. Sorrow wastes
To a new sorrow. While time heals time hastes.


          xxxxxxxxxxxxxxxx


EPIGRAMAS : UM DIÁRIO


[ 11 ]

Quando estiver sem mágoa
E esquecer a mortalidade,
Quando morrer que para isto vivi,
Não me irá faltar o que me falta.
E quem reparar na sepultura
Não pergunte o meu nome. Já não sou eu.


[ 15]

Verão profundo e o tempo detém-se. A pena gasta-se
Até nova pena. Se o tempo cura, o tempo apressa-se.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...