sexta-feira, 29 de maio de 2020

O que se segue é resultado de um dia mais melancólico.
O poema que encerra este relambório está traduzido em português, suponho, por Vasco Graça Moura, que publicou uma tradução da obra completa de Villon (digo, suponho, porque não li o livro) e eventualmente por outros, que desconheço,
Explico: excluí, por razões óbvias, desta empreitada, poetas de que gosto muito, pela razão principal de existirem traduções boas/muito boas/ aceitáveis, publicadas. Não falo em Horácio ou Marcial, por exemplo, em que preside o meu escassíssimo domínio do Latim; refiro, entre outros Borges, Larkin ou Juan Luís Panero, ou da extraordinária obra de tradutor de José Bento (ou, noutros acordes, Aníbal Fernandes) , para não ir para exemplos menos recentes - Jorge de Sena, Paulo Quintela...
Kavafis reúne os dois motivos. Há duas traduções que eu conheça: a primeira, excelente, de Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis (Relógio de Água), outra, que justifica esta nota, de Manuel Resende, publicada não muito tempo antes da sua morte.
Conhecia mal a sua poesia, mas a sua tradução da Caça ao Snark, de Lewis Carrol (Afrontamento), era e é, para mim, insuperável e exemplo de como se consegue verter uma obra extraordinária para outra, na língua de recepção, neste caso o português.
Poderei ter-me cruzado, antes disso, com Manuel Resende, mas infelizmente na última meia-dúzia de anos da sua vida ele foi meu doente, por indicação de Jorge Sousa Braga, a quem ele falou de necessitar de seguimento por um cardiologista.
Felizmente para mim a patologia cardíaca não era determinante para o seu quadro clínico, e também isso permitiu consultas em que se falou, pelo menos, tanto de poesia  e correlativos como dos seus problemas cardíacos. Conheci, nestas circunstâncias um tanto bizarras, uma pessoa a quem (se Deus existisse, perdoar-me-ia) tive de agradecer a doença pelo prazer de um contacto regular.
Depois de me ter oferecido a sua poesia completa, numa das últimas consultas (terá sido a última?) presenteou-me com a sua tradução de Kavafis e, no decorrer da conversa, com a informação que aprendera grego a traduzir e para traduzir o poeta!!!!
Se fiquei estupefacto e quase incrédulo, imagine-se o que me aconteceu, ao saber, depois da sua morte (penso que, sem certeza, numa crónica de José Pacheco Pereira, que o conhecia, desde as militâncias estudantis no Porto) que aprendera alemão a traduzir e para traduzir o Capital (foda-se!!!!!!!!!! - perdoem-me).
Como homenagem e porque uma glosa deste poema aparece no meu último livro, "Rectificação da Linha Geral", aqui vai o poema de François Villon.




                        QUATRAIN


Je suis François, dont il me poise,
Né de Paris, emprès de Pontoise,
Et de la corde d'une toise
Saura mon col ce que mon cul poise.



                                             
                      QUADRA


Eu sou François, o que me pesa,
Nascido em Paris, junto a Pontoise
E pela corda de uma toesa
Saberá o pescoço o que o cu pesa.


                                                                       




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