quarta-feira, 30 de novembro de 2022

 LI SHANG-YIN


A TZU-CHI: ENTRE AS "FLORES"

A luz no lago, de súbito, esconde-se atrás do muro,
Invadem o quarto os cheiros misturados de flores.
Na borda do biombo, o pó que a borboleta espalhou,
Na janela lacada a mancha amarela da abelha.
Deixa esses papéis oficiais para os escriturários,
Há um criado para cada funcionário honesto.
Vamos de cavalgada ouvir os poemas um do outro.
Que há de tão urgente nestes assuntos em que perdes o coração?

terça-feira, 29 de novembro de 2022

 CHARLES SIMIC


EARLY EVENING ALGEBRA

The madwoman went marking X's
With a piece of school chalk
On the backs of unsuspecting
Hand-holding, homebound couples.

It was winter. It was dark already.
One could not see her face
Bundled up as she was and furtive.
She went as if wind-swept, as if crow-winged.

The chalk must have been given to her by a child.
One kept looking for him in the crowd,
Expecting him to be very pale, very serious,
With a chip of black slate in his pocket.


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ÁLGEBRA DO INÍCIO DA NOITE

A louca prosseguia desenhando Xs
Com um pau de giz escolar
Nas costas de pares inadvertidos,
De mãos dadas, rumo a casa.

Era inverno. Já escurecera.
Não se conseguia ver-lhe a cara,
Embuçada como estava e furtiva.
Como se fosse levada pelo vento, como asas de corvo.

O giz ter-lhe-ia sido dado por uma criança.
Tentava-se descobri-la na multidão,
Esperando que fosse muito pálida, muito séria,
Com uma lasca de ardósia negra no bolso.

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

 RUSSELL EDSON


ALL THOSE SMALL BUT SHAPELY THINGS

    Aunt Hobbling in her kitchen making a small but shapely breakfast turns and smiles in such a way as to make aware of the constant space
that surrounds her, embracing her, among those things of constant use, things that have become a kind of body music, echoed in the natural sounds of the forest, and in the faint thunders of the distant sky.

    She thinks of the finery scarred; rough seductions, as though one could collect a wealth made angry by breaking through locked doors to those small but shapely interiors... One's feelings numbed now by that inner awareness of all the outward shows of all those small but shapely mercies...

    Yes, in the meantime, the dew, like small glass beads, aligns itself with the sun to make those small and shapely pieces in the grass of what we take to be the purity of light...
    She floats, suddenly enlightened, like a Kleenex in the wind...

    Meanwhile, we return we return once more to the kitchen of Aunt Hobbling, where she turns once more, smiling. And we see her among her things, as part of a collage in which the adhesive withers, 
so that the piece flutters, or shall we say, shivers, in those small but shapely winds that enter open windows with mercurial desire...


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TODAS ESSAS COISAS PEQUENAS MAS AIROSAS

    A tia Hobbling na sua cozinha preparando um pequeno-almoço pequeno mas airoso volta-se e sorri de uma maneira que nos alerta para o espaço constante que a rodeia, que a abraça, entre essas coisas de uso constante, coisas que se tornaram uma forma de música corporal, que ecoa nos sons naturais da floresta, e nos trovões ténues ao longe no céu.

    Els pensa nos bibelots rachados, seduções rudes, como se fosse possível juntar uma riqueza que se torna feia ao penetrar por portas fechadas nesses interiores pequenos, mas airosos... As nossas emoções já embotadas por essa revelação íntima de todas as demonstrações exteriores dessas indulgências pequenas mas airosas...

    E, entretanto, o orvalho, como pequenas contas de vidro, harmoniza-se com o sol para desenhar na relva esses arranjos pequenos mas airosos do que supomos ser a pureza da luz...
    Ela flutua, subitamente iluminda, como um Kleenex no vento...

    Agora, regressamos de novo à cozinha da tia Hobbling, onde ela se volta de novo, sorrindo. E vemo-la entre as suas coisas, como parte de uma colagem em que a cola seca e a peça adeja, ou diremos, estremece, nessas brisas pequenas mas airosas que entram pelas janelas abertas com um desejo mercurial...

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

 AUGUST KLEINZAHLER


FLYNN'S END

Flynn fell off the cable car
and landed on his head.
                                      Poor Flynn,
hardly Flynn anymore,
in a dory listing to starboard.

Flynn on his stool,
holding court down the block
at The Magic Flute,
his hound at his feet while old LPs
hissed and popped through the weekend.

Boccherini and Mississippi Fred,
the plucky chanteuse and gag tunes.

Flynn with his mug of rum
and that faraway gaze -
a wryness at the eyes and mouth
frozen into a carapace
over some enormous hurt.

You see it in the look of old beatnicks
at their rituals
in the bar window, solemnly
playing cards at noon,
afflicted with some private wisdom
denied parturition.

Flynn, drunk and alone
in his shop weekday afternoons
with binfuls of concerti
and wailing brass.
                             Alone with his dog
and his rum and the fog
coming in and too stiff
to get up and change the record.

And Flynn with his secret poems
in a fancy red box,
thwarted and feverish and illustrated
by a suburban Beardsley,

whatever ache or shame
prettified, made diffuse and tied
with a rhyme
like a ribbon around a present.

The ghost of him presiding
over those last lost afternoons
weeks after the earthquake,
laths and studs showing through
the walls, and plaster
sprinkling the ancient Vocalions.

A consortium bought the block
and the old place has a new front
with black glass,
very minimal, very flash
and sells computer software.

And Flynn drifts further and further to sea
in his bed at Laguna Honda.


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O FIM DE FLYNN

Flynn caiu do teleférico
e aterrou de cabeça.
                                Pobre Flynn,
já nem sequer Flynn,
num xarroco dirigindo-se para estibordo.

Flynn no seu tamborete,
na presidência na ponta do quarteirão,
em A Flauta Mágica,
com o cão aos pés, enquanto LPs antigos
assobiavam e saltavam todo o fim  de semana.

Bocherini e Mississipi Fred,
a cantora destemida e as melodias improvisadas.

Flynn com a sua malga de rum
e o seu olhar distante -
um viés nos olhos e na boca
congelado numa carapaça
sobre uma mágoa enorme.

É possível vê-lo no olhar de beatniks velhos
nos seus rituais
na janela do bar, solenemente 
a jogar cartas ao meio-dia, 
acossados por uma sabedoria privada
a que o parto foi negado. 

Flynn, embriagado e só
na sua loja nas tardes dos dias de semana
com caixotes cheios de concertos
e sopros lamentosos.
                                 Apenas com o seu cão 
e o seu rum e o nevoeiro
a chegar e demasiado anquilosado
para se levantar e mudar o disco.

E Flynn com os seus poemas secretos
numa caixa vermelha extravagante,
contrariado e febril e ilustrado
por um Beardsley suburbano,

toda a queixa ou vergonha
petrificada, esborratada e atada
com uma rima
como um laço em torno de um presente.

O fantasma dele a presidir
nessas últimas tardes perdidas
das semanas depois do terramoto,
ripas e caibros assomando através das
paredes, e estuque
salpicando os velhos discos Vocalion.

Um consórcio comprou o bloco
e o velho sítio tem uma frente nova
com vidro negro,
muito minimal, muito vistoso
e vende software de computador.

E Flynn afasta-se cada vez mais no mar
na sua cama em Laguna Honda. 


sábado, 19 de novembro de 2022

ALEKSANDAR RISTOVIC


O ENCONTRO DOS METAFÍSICOS

Alguns falam do supremo,
do lance final  de dados,
do que é nada para alguns e nada para outros,
de imagens, mesmo antes de deslizarmos para os sonhos,
de rosa comparado ao verde e de rosa junto ao verde,
de tardes reunindo conchas numa praia pedregosa,
da não existência de um e da não existência de outro,
da metafísica dos objectos e da metafísica do tempo na qual
   este e aquele objecto acontecem,
de memórias, por certo,
de sacrilégio,
da confissão de uma mulher que se inclina para a tua cara, 
da morte que deixa provas parciais aqui e ali, não permitindo
   que as vejamos na totalidade,
do Nada que só ele pode ser provado e não pode ser refutado,
do transcendente (ser incapaz de distinguir a própria voz do
   som do trovão e do ruído dos objectos),
de mim a falar de qualquer coisa antiga, começando pela mais
   baixa e seguindo para a mais alta:
da miséria de um homem num telheiro de aldeia observand o ondear    das searas de aveia e de centeio,
da miséria de outro qualquer homem na sua cama ou na cama 
  do vizinho,
de uma galinha,
um tripé,
dureza e suavidade,
e da falsidade dos discípulos e da inflexibilidade dos
   mestres.

sexta-feira, 18 de novembro de 2022

 D. J. ENRIGHT


POETICAL JUSTICE

It will be many years before I read again
Of the death of Cordelia,
Or indeed (though he deserves cuffing)
Of the Macduff's boy stabbing.

(Instead I shall read of the dissolution
Of science-fictional monsters,
Or the gonorrhoea of modern heroines.)

That such things happen in life is no cause
For them to happen in literature.
It is true that all reasonable beings
Naturally love justice,
Then where should they hope to find it?

I prefer to hear of such unlikely events
As Hermione surviving in private, or
Isabella furnished with a ducal husband.
(Some have tried, too late to save Cordelia.)

In life we barely choose our words even,
Only those we hurt will still recall them.
Art, they say, continues life by other means -
How other they are?


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JUSTIÇA POÉTICA

Passarão muitos anos antes que releia
A morte de Cordélia
Ou mesmo (embora mereça ser esbofeteado)
A punhalada no filho de Macduff.

(Em vez disso lerei sobre a dissolução
De monstros de ficção científica
Ou a gonorreia de heroínas modernas.)

Que tais coisas aconteçam na vida não é razão 
Para que aconteçam na literatura.
Se é verdade que 'todos os seres razoáveis
Amam naturalmente a justiça',
Então onde esperarão encontrá-la?

Prefiro saber de acontecimentos tão improváveis
Como Hermione sobrevivendo em privado, ou
Isabella dotada com um marido ducal.
(Alguns tentaram, demasiado tarde, salvar Cordélia.)

Na vida quase nem sequer escolhemos as palavras,
Apenas aqueles que magoamos ainda as recordarão.
A arte, dizem, continua a vida por outros meios -
Quão outros são eles?

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

 MIROSLAV HOLUB


1751

Nesse ano Diderot começou a publicar a Enciclopédia
e o primeiro manicómio foi fundado em Londres.
    Dessa forma a escolha começou para separar os sãos,
que se escondem atrás das palavras dos loucos, que arrancam
penas do corpo.
    Os poetas tiveram de aprender funambulismo.
    E para não haver dúvidas, funcionários começaram a publicar
instruções sobre como ser normal.

terça-feira, 15 de novembro de 2022

AURORA LUQUE


EPÍLOGO A  CARPE NOCTEM

Cuando era joven, yo
aprendía a apropiarme de la noche
y la hacía viscosa, dúctil, líquida,
la convertía en cítrico, licor o cereal
que saciaban mi sed y mis deseos.
Comía entonces música a bocados.
Devoré a Ziryab, a Teresa de Ávila,
a Friedrich de Tubinga.
La noche me sabía tan entregada a ella.
Nunca le puse límite cuando entraba con olas
de bahías potentes. La noche era un altar en que dispuse
elementos propicios y extremados.
¿Cómo no habré de amarla, si contuvo
las bolsas del difícil placer innominado,
traslaciones y viajes suspendidos del hilo de una música,
negruras escondidas del sol,
palabras no decibles
y sin embargo vivas?

Sin la noche qué haremos finalmente.
Ahora solo amaso los recuerdos
de aquel hacer las noches mías antes.


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EPÍLOGO A CARPE NOCTEM

Quando era jovem, eu
aprendia a apropriar-me da noite
e fazia-a viscosa, dúctil, líquida,
convertia-a em ctrino, licor ou cereal
que saciavam a minha sede ou os meus desejos.
Comia, então, música aos bocados.
Devorei Zyriab, Teresa de Ávila,
Friedrich de Tubingen.
A noite sabia-me tanto entregue a ela.
Nunca lhe pus limites quando entrava com ondas
de baías potentes. A noite era um altar onde dispus 
elementos propícios e extremados.
Como não haverei de amá-la, se conteve
as bolsas do difícil prazer inominado,
translações e viagens suspensas do fio da música,
negruras escondidas do sol,
palavras indizíveis 
e contudo vivas?

Sem a noite que faremos por fim.
Agora apenas recolho as recordações
de fazer as noites minas, de antes.

sábado, 12 de novembro de 2022

 PABLO GARCÍA CASADO


VOLVER

A una casa vacía e inhóspita donde ya no viven tus padres. Donde las puertas chirrían y no cierran los postigos de las ventanas. Donde los objectos agotaran su utilidad. Donde es mejor dejarlo todo a la deriva, pasto del escombro. Volver. Y querer marchar cuanto antes.Y no sentir nostalgia alguna. Ni desearlo.


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REGRESSAR

A uma casa vazia e inóspita onde já não vivem os teus pais. Onde as portas rangem e não fecham os postigos das janelas. Onde os objectos esgotaram a sua utilidade. Onde é melhor deixar tudo à deriva, pasto do escombro. Regressar. E querer partir quanto antes. E não sentir nenhuma nostalgia. Nem a desejar.  

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


PORQUE NO APRECIAS

No está en jerusalén ni en la vasija
cuyos fragmentos infinitos juntas
y ya no se parece y llamas grecia.
está en lo que no sabes qué es y escapa;
llámalo música que vuelve y vuelve
para decirte simpre que no vales,
que no tienes valor porque no aprecias.
y está en lo extenso, en la ansiedad extensa,
no en el lugar exacto en que te duele;
y en la amplitud de las llanuras tristes
y en el pasado de los ríos lentos,
devorador de dones ¿qué te queda?


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PORQUE NÃO APRECIAS

Não está em jerusalem, nem na vasilha
cujos fragmentos infinitos juntas
e já não tem pareceça e chamas grécia.
está no que não sabes o que é e escapa;
chama-o música que regressa e regressa
para dizer-te sempre que não tens préstimo,
que não tens valor porque não aprecias.
e está no extenso, na ansiedade extensa,
não no lugar exacto onde te dói;
e na amplitude das planícies tristes
e no passado dos rios lentos.
devorador de dons, que te resta?

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


VARIACIÓN SOBRE OTRO TEMA DE SIMÓNIDES

Igual ración de muerte nos aguarda,
en el festín final, a los seres humanos
sin excepción, a aquellos que han praticado el bien
y a los que han estafado, violado, asesinado.
Ese hecho irrefutable podría conducirnos
a prescindir de códigos morales elevados
y entregarnos al caos, pero eso no resulta
consolador ni estético, y sería un fracaso
reconocer la magia perversa de los dioses
e ir por ahí robando, violando, asesinando.
Por mucho que la muerte nos aguarde, no echemos
leña al fuego, y en este lamentable teatro
que premia al malhechor y perjudica al heróe
no juguemos jamás el papel de villano.
Lo bueno es bello siempre y lo bello es lo único
que merece la pena en este desdichado
mundo en el que vivimos y morimos, en este
pudridero de angustia y desengaño.


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VARIAÇÃO SOBRE OUTRO TEMA DE SIMÓNIDES

Igual ração de morte nos aguarda,
no festim final, aos seres humanos 
sem excepção, àqueles que praticaram o bem
e aos que vigarizaram, violaram, assassinaram.
Esse facto irrefutável poderia conduzir-nos
a prescindir de códigos morais elevados
e entregar-mo-nos ao caos, mas tal não resulta
consolador, nem estético e seria um fracasso
reconhecer a magia perversa dos deuses
e ir por aí roubando, violando, assassinando.
Por muito que a morte nos aguarde, não deitemos
lenha ao fogo e neste lamentável teatro
que premeia o malfeitor e prejudica o herói
não representemos jamais o papel de vilâo.
O bom é belo sempre e o belo é o único
que merece a pena neste desgraçado
mundo em que vivemos e morremos, nesta
lixeira de angústia e desengano. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

 JON JUARISTI

ARCADIA FOREVER

                                     A Juan Pablo y Eva

Preciso una segunda residencia.
A ser posible en zona no muy húmeda:
Una modesta villa con jardín
Cerca de una ciudad como Sepúlveda.

No me vendría mal la vencidad
De un par de mamelones del Jurásico
Dando sombra a un regato rumoroso,
Que en este del paisaje soy muy clásico.

Si no es mucho pedir, preferiría,
De hacérseme una oferta, que estuviera,
Siempre dentro de un precio razonable,
En alguma comarca ganadera,

Pues nunca ha conseguido trasponerme
El canto del arado y del tractor.
Me  priva, en cambio, el género bucólico:
Un rebaño, una flauta y un pastor.

Quedaría en extremo satisfecho
Si además fuese ovina la cabaña.
Es difícil, lo sé, dada la enorme
Pujanza del cabrío en toda España

(lo cual, por otra parte, es compresible,
Toda vez que se tenga en cuenta el dato
De que la raza hispánica desciende
Del cruce de una cabra con Viriato).

No pondría objeciones poderosas
A la mezcla de churras con merinas
E incluso admitiría las eléctricas
Mientras no fuesen bravas ni astifinas

(No está de sobra, no, tal requisito,
Hipócrita lector: hazte a la idea
De que vas paseando por el campo
Y que viene una oveja y te cornea).

Si hiciera falta un bosque en el entorno,
Apuesto por el pino y la genista
(no hay que cuidarlo mucho y arde en pompa
Bajo cualquier gobierno socialista).

Inútil es, supongo, que reclame
Una heredad a salvo de reptiles
Ni de plagas de insectos con memoria
De las guerras civiles,

Pero exijo que no haya pajarracos
Que con sus dulces trinos
Me despierten del sueño de los justos
Alabando la paz de los cretinos.

Desdeño su romanza humanitaria,
Las flores de nectarios filantrópicos
Y los gayos plumajes irisados
Usuales en los trópicos

En materia de arbustos yo me dejo
Aconsejar por sabios y profanos
Con tal de que no aromen el ambiente
Ni sirvan de refugio a los enanos.

Amo la soledad y reñiría
Con todo propietario colindante.
Absténganse por tanto de oferecerme
Un entorno amistoso y elegante.

Me basta la presencia en derredor
De romero, tomillo, jara, espliego...
Vivir quiero conmigo
Y con mi colección de armas de fuego.


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ARCADIA FOREVER

                                      Para Juan Pablo e Eva

Preciso de uma segunda residência,
A ser possível em zona não muito húmida:
Uma modesta vila com jardim
Perto de uma cidade como Sepúlveda.

Não me calharia mal a vizinhança
De um par de outeiros do Jurássico
Dando sombra a um regato rumoroso,
Que nisto de paisagem sou muito clássico.

Se não é pedir muito, preferiria,
A fazerem-me uma oferta, que estivesse, 
Sempre dentro de um preço razoável,
Nalguma comarca ganadeira,

Pois nunca consegui ocultar-me
O canto do arado e do tractor.
Prefiro, pelo contrário, o género bucólico:
Um rebanho, uma flauta e um pastor.

Ficaria muitissimo satisfeito,
Se além disso fosse ovina a cabana.
É difícil, sei-o, dada a enorme
Pujança do bode em toda a Espanha

(o que, por outro lado, é compreensível,
Desde que se tenha em conta o facto
De que a raça hispânica descende
Do cruzamento de uma cabra com Viriato).

Não poria objecções poderosas
À mistura de churras com merinas
E até admitiria as eléctricas
Desde que não fossem bravas e de hastes finas

(Não é dispensável, não, tal requisito,
Hipócrita leitor, imagina
Que vais passeando pelo campo
E que vem uma ovelha e te corneia).

Se fizer falta um bosque no arredor
Aposto pelo pinheiro e o piorno
(não necessita muito cuidado e arde com pompa
Sob qualquer governo socialista).

É inútil, suponho, que reclame
Uma herdade a salvo de répteis
Ou de praga de mosquitos com memória
Das guerras civis.

Mas exijo que não haja passaroucos
Que com os seus doces trinados
Me despertem do sono dos justos
Louvando a paz dos cretinos.

Desdenho a sua romança humanitária,
De flores de nectários filantrópicos
E as gaias plumagens irisadas
Usuais nos trópicos

Em matéria de arbustos deixo-me 
Aconselhar por sábios e profanos
Desde que não aromatizem o ambiente
Nem sirvam de refúgio aos anões.

Amo a solidão e discutiria
Com todo o proprietário crcundante.
Abstenham-se, portanto, de oferecer-me
Uma vizinhança amistosa e elegante.

Basta-me a presença em redor
De alecrim, tomilho, esteva, alfazema...
Viver quero comigo
E com a minha coleção de armas de fogo. 

domingo, 6 de novembro de 2022

 VÍCTOR BOTAS

LA CITA

Cierta tarde de la primavera de mil novecientos
          setenta y seis,
en un lugar cualquiera de la ciudad de Portland
          (Oregón)
una mujer y un hombre concertaron 
una cita.
               Al fin podrían, en silencio,
contemplar casi incrédulos,
los recíprocos ojos anhelantes.
                                                  Luego él,
maravillado, le propuso: Huyamos, todo
lo dejaré por ti. Mas, llena
de júbilo o de espanto (lo ignoramos),
la mujer se negó.
                            De aquella anédocta
surgiría una lluvia delicada,
                                              íntima
de palabras, 
de música, de fuegos 
rituales,
              lluvia
de cuyas consecuencias ya empezamos
a hacernos, más o menos, uma idea.


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O ENCONTRO

Certa tarde de primavera de mil novecentos
         e setenta e seis
num lugar qualquer da cidade de Portland
         (Oregon)
uma mulher e um homem combinaram 
um encontro.
                      Por fim poderiam, em silêncio,
contemplar, quase incrédulos,
os recíprocos olhos anelantes.
                                                 Logo ele, 
maravilhado lhe propôs: Fujamos, deixarei
tudo por ti. Mas, cheia
de júbilo ou de espanto (ignoramo-lo),
a mulher recusou.
                              Daquela história
surgiria uma chuva delicada,
                                               intíma,
de palavras,
de música, de fogos
rituais.
            Chuva
de cujas consequências já começamos 
a ter, mais ou menos, uma ideia.

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

 J. V. CUNNINGHAM

[10]

A half hour for coffee, and at night
An hour or so of unspoken speech, 
Hemming a summer dress as the tide
Turns at the right time.
                                      Must it be sin,
This consummation of who knows what?
This sharp cry at entrance, once, and twice?
The unfulfilled fulfilment?
                                            Something
That happens because it must happen.
We live in the given. Consequence,
And lack of consequence, both fail us.
Good is what we can do with evil.


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[10]


Meia hora para café e, à noite,
Uma hora de discurso silente
Embainhando um vestido de verão, quando a maré
Muda na altura exacta.    
                                     Terá de ser pecado
A consumação de sabe-se lá o quê?
Este grito agudo à entrada, uma vez e duas?
A satisfação insatisfeita?
                                         Algo
que acontece porque tem de acontecer.
Vivemos no determinado. Consequència 
E falta de consequência ambas nos falham.
Bem é o que podemos fazer com o mal.


quinta-feira, 3 de novembro de 2022

 DICK DAVIS

THE OLD MODEL'S ADVICE TO THE NEW MODEL

Artistic license isn't all it's painted:
It's true he sometimes wants to move to passion
Before you've had the time to get acquainted,
But that's just flattery or arty fashion.
Take it from me, you won't spend much time rolling
Across the floor or on his bed: his gazes
Are usually less carnal than controlling.
And after all this years what still amazes -
Well, me at least - is how what he's created
Can look like Lust Incarnate's drooling doting
And Lust is what he's certain he's defeated.
If you want that, you'll finish up with nothing.
It's painting he gets off on - that's his pleasure;
He'll paint, but probably not want, your treasure.


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CONSELHO DA VELHA MODELO PARA A NOVA

Licença artística não é tudo o que é pintado.
É certo que, às vezes, ele quer continuar para paixão
Antes de haver tempo para travar conhecimento, 
Mas é apenas lisonja ou modo artístico.
Acredita-me, não passarás muito tempo a rolar
Pelo soalho ou na sua cama: os seus olhares
São geralmente menos carnais que controladores
E ao fim de todos estes anos o que ainda espanta - 
Bem, pelo menos, a mim - é como o que é criado
Pode parecer a baba senil da Luxúria Incarnada
E a Luxúria ser o que tem por certo ter derrotado.
Se tal quiseres, acabarás com nada.
É na pintura que ele se empenha é o seu prazer;
Ele pintará, mas provavelme não quer, o teu tesouro.

terça-feira, 1 de novembro de 2022

SZILÁRD BORBÉLY


AETERNITAS (3)

O Eterno
é como o machado 
com que o assassino acerta
na cabeça de alguém.

O Eterno é o acto  
de pilhagem pelo qual
em pânico o sótão
está agora vazio.

O Eterno é escarlate
como sangue vivo. Acima dele
ergue-se um vapor.
Depois também desaparece.

O Eterno é como
o coração daquele
que os ladrões assassinaram
sem hesitação.

O Eterno 
é como assassinío,
destrói  a Esfinge,
a face dos Mortos.

O Eterno não tem falhas,
como o segredo
indecifrável
do Crime Perfeito.

O Eterno é como
o olho
daquele que mataram:
pavor no seu olhar.

O Eterno chora
como os muitos Arcanjos
que serviram Jesus
na sua Multitude.

O Eterno é como
a Madrugada para a qual
o Anjo da Guarda
já não irá acordar.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...