quarta-feira, 17 de março de 2021

 LUCIANO ERBA


PIOVERÀ 

Prima che piova 
ripassano le rondini sulla strada. 
Passa 
 un uccello che non conosco 
con ala lenta 
e volo parallelo alla terra.
La noia 
di questo mattino ritorna 
al suo cielo di pioggia.


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CHOVERÁ 

Antes que chova 
as andorinhas voltam a passar sobre a estrada.
Passa 
uma ave que não conheço 
com asa lenta e voo paralelo à terra. 
O tédio 
desta manhã regressa 
ao seu céu de chuva.

terça-feira, 16 de março de 2021

 PEIRE CARDENAL
(...1205-1272...)


Clergue si fan pastor
e son aucizedorm'a sovenir
e semblan de sanctor
quan los vei revestir
e pren m'a sovenir
que n'Ezengris un dia
volc ad un parc venir
mas pels cans que temia
pel de mouton vestic
ab que los escarnic
pos manget e trahic
tot so que li abelic.

Rei et emperador
duc, comte e comtor
e cavalier ab lor
solon  lo mon regir
ara vei possezir
a clercs la senhoria
ab tolr' et ab trahir
et ab ipocrizia
ab forsa et ab precic
e tenon s'a fastic
qui tot non lor o gic
e ter fag quan que tric.

Aiisi  com son maior
son ab mens de valor
et ab mais de folor
et ab mens de ver dir
et ab mens de mentir
et ab mens de paris
et ab mais de falhir
et ab mens de clergia
dels fals clergues o dic
qu'anc mais tant enemic
ieu a Deus non auzic
de sai lo temps antic.

Quan son en refreitor
no m'o tenc ad onor
qu'a la taula aussor
vei los cussos assir
e primiers s'essauzir
aujatz gran vilania
car i auzon venir
e om non los en tria.
Pero anc non lai vic
paupre cusso mendic 
sezen latz qui son ric
d'aitan los vos esdic.

Ja non aion paor
Alcais ni Almansor
que abat ni prior
los anon envazir
ni lor terras sazir
que afans lor seria
mas sai son en cossir
del mon consi lor sia
e com en Frederic
gitesson del abric
pero tals l'aramic
qu'anc fort no sen jauzic.

Clergues qui vos chauzic
sens felon cor enic
en son comde falhic
qu'anc peior gente non vic.


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Os clérigos fingem-se pastores
e são assassinos,
com esgares de santidade.
Quando os vejo vestir
costumo recordar-me
de Enzegris que, um dia,
quis entrar num redil,
mas por temor dos cães
vestiu pele de carneiro,
para enganar a vigilância;
depois, devorou, à traição,
todos os animais que quis.

Era rei e imperador,
duque, conde e barão
e com eles os cavaleiros
que usavam reger o mundo,
mas agora vejo que os clérigos
adquiriram a soberania
pelo roubo e a traição
e pela hipocrisia,
a violência e a pregação
e não admitem
que a sua vontade
não seja, contra toda a oposição.

Quanto mais elevados
menos têm valor
e mais loucura
e menor franqueza
e mais mentem
e menos se estimam
e mais têm de incultos
e menos têm de clerezia;
dos falsos clérigos digo
que maiores inimigos
de Deus não há,
desde os tempos antigos.

Quando estão no refeitório
não acho honrado
que os mais vis
na mesa maior se sentem
e escolham os primazes;
ouvi grande vilania,
ousam a tal chegar
e ninguém os arreda,
mas nunca vi
um pobre mendigo
sentar-se à mesa de rico,
tal vos asseguro.

Já não têm medo
Alcaide nem Almansor,
que abades e priores
os vão invadir
e tomar-lhes as terras,
que tal seria custoso,
antes tramam o modo
de meter a mão no mundo
e expulsar Frederico
do seu abrigo;
mas ele desafiou-ou,
o que muito nos alegrou.

Clérigos, quem vos achou
sem coração pérfido e injusto
errou no se juízo,
que gente pior não conheço.





segunda-feira, 15 de março de 2021

GIUSEPPE GIOACCHINO BELLI


ER DESERTO 

Dio me ne guardi, Cristo e la Madonna, 
d’annà ppiù pe ggiuncata a sto precojjio. 
Prima.. che posso dì?… pprima me vojjo 
fà ccastrà dda un norcino a la Ritonna. 

Fà ddiesci mijja e nun vedé una fronna! 
Imbatte ammalappena in quarche scojjo! 
Dapertutto un zilenzio com’un ojjo, 
che ssi strilli nun c’è cchi tt’arisponna! 

Dove te vorti una campaggna rasa 
come sce sii passata la pianozza, 
senza manco l’impronta d’una casa! 

L’unica cosa sola c’ho ttrovato 
in tutt’er viaggio, e stata una bbarrozza 
cor barrozzaro ggiù mmorto ammazzato. 

                                                                 26 marzo 1836


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O DESERTO 

Deus me guarde, Cristo e a Madona, 
de voltar por legumes a este talho. 
Antes… como dizê-lo?… antes quero 
ser castrado por carniceiro na Rittona. 

Andar dez milhas sem ver árvores! 
Esbarrar sem querer nalguma rocha! 
Por toda a parte silêncio como óleo, 
que se gritas não há quem te responda! 

Para onde mires uma planície rasa, 
como se plaina a tivesse afeiçoado, 
sem sequer a pegada de uma casa! 

A única, solitária coisa que encontrei 
em toda a viagem, foi um carro de bois, 
com o carroceiro assassinado. 
                                                           26 de Março 1836




LA POVERA SCIORCINATA 

Eh, fiija, da chi vvòi che mm’arivorti? 
Li parenti sce ll’ho, ma sò pparenti. 
Ce n’ho, ar meno che ssia, quinnisci o venti; 
ma da un pezzo pe mmè ssò ttutti morti. 

Sin che ppòi dajje da arrotà li denti, 
te li porti p’er laccio, te li porti: 
ma, ggnente-ggnente poi che sse sò accorti 
ch’er cammino è smorzato, aria a li vènti! 

Fijja, er monno va appresso a la fortuna; 
e la fortuna, tu lo sai pe pprova, 
va ssiconno li qurti de la luna. 

Ce vò ppascenza: nun è ccosa nova. 
La casa de la ggente che ddiggiuna 
sta lontano, e ggnisuno l’aritrova. 

                                                         1 Marzo 1847


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A POBRE DESGRAÇADA 

Ai, filha, a quem me encomendarei? 
Sim, tenho parentes, mas que parentes. 
Serão, que eu saiba, uns quinze ou vinte; 
mas para mim é tudo gente morta. 

Quando pude dar-lhes trabalho aos dentes, 
levava-os a todos com uma corda: 
mas, logo que perceberam, de repente, 
que o lume se apagara, levou-os o vento! 

Filha, o mundo corre atrás da fortuna; 
e a fortuna, tê-lo-ás comprovado, 
varia com os quartos da lua. 

Haja paciência: não é coisa nova. 
A casa daqueles que almoçam 
está longe, ninguém a encontra. 

                                                 1 de Março 1847

domingo, 14 de março de 2021

 CHARLES SIMIC

(Belgrado . Jugoslávia/Sérvia/EUA 1938)


Em 2002 foi editado (Assírio&Alvim) o livro "Previsão de Tempo para Utopia e Arredores" (tradução do título de uma colectânea de Simic), poemas que seleccionei e traduzi.
Charles Simic nasceu em Belgrado, mas a família emigrou para os EUA tinha ele onze anos - a sua obra pertence à literatura norte-americana.
O que se segue são os poemas incluídos naquele livro (com as correcções que, agora, me parecem devidas), com a adição de outros, do livro posterior "THAT LITTLE SOMETHING".


TAPESTRY

It hamgs from heaven to earth.
There are trees in it, cities, rivers,
small pigs and moons. In one corner
the snow falling over a charging cavalry,
in another women are planting rice.

Tou can also see:
a chicken carried off by a fox,
a naked couple on their wedding night,
a column of smoke,
an evil-eyed woman spitting into a pail of milk.

What is behind it?
- Space, plenty of empty space.

And who is talking now?
- A man asleep under his hat.

What happens when he wakes up?
. He´ll go into a barbershop.
They'll shave his beard, nose, ears and hair,
to make him look like everyone else.


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TAPEÇARIA

Está pendurada do céu até à terra.
Há nela árvores, cidades, rios,
porquinhos e luas. Num canto
a neve cai sobre uma carga de cavalaria,
noutro mulheres semeiam arroz.

Também se pode ver:
um frango arrastado por uma raposa,
um casal nu na sua noite de núpcias,
uma coluna de fumo,
uma mulher de mau olhado a cuspir para um balde de leite.

O que está por trás dela?
. Espaço, um enorme espaço vazio.

E quem está a falar?
- Um homem que adormeceu com o chapéu posto.

O que acontece quando acordar?
- Irá a uma barbearia.
Raparão a sua barba, nariz, orelhas e cabelo,
para que se pareça com todos os outros.



sábado, 13 de março de 2021

 RUSSELL EDSON (Connecticut-EUA, 1935-2014)


Em 2002 seleccionei e traduzi poemas de Russel Edson - uma antologia, com o título "O TÚNEL", publicada pela Assírio &Alvim. Com acrescento de mais três poemas, é essa antologia, que começo a disponibilizar, para quem a não leu, ou eventualmente a tenha esquecido.



HOW A COW COMES TO LIVE WITH LONG EARED ONES


    A rabbit had killed a man ina wood one day. A cow watched waiting for the man to stand up. An insect crawled on the man's face. A cow watched waiting for the man to stand up. A cow jumped a fence to see closer how a rabbit does to a man. A rabbit atacks a cow thinking the cow may come to aid the man. The rabbit overcomes the cow and drags the cow down into its hole.

    When the cow comes awake the cow thinks, I wish I was on top of the earth going with the man to my barn.

    But the cow must remain with these long eared ones for the rest of its life.


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COMO UMA VACA VEIO RESIDIR COM OS ORELHUDOS

     Um dia numa floresta um coelho matou um homem. Uma vaca observava esperando que o homem se levantasse. Um insecto rastejou na cara do homem. Uma vaca observava esperando que o homem se levantasse. Uma vaca saltou uma sebe para ver mais de perto como um coelho arruma um homem. Um coelho ataca uma vaca pensando que a vaca veio ajudar o homem. O coelho domina a vaca e arrasta a vaca para a sua toca.

    Quando a vaca desperta a vaca pensa, eu queria estar ao cimo da terra indo com o homem para o meu estábulo.

    Mas a vaca permanece com estes orelhudos para o resto da vida. 

sexta-feira, 12 de março de 2021

 AUGUST KLEINZAHLER


AHASUERUS

There was no hazard so we left off
when night fell.
The wind spoke too slowly to fathom.
Voices, lights
drifted away from us like a cloud of gnats.

I can remember the first morning
when we wokw athwart the world.
Even the light had its own stange scent.
Any sudden shadow of bird or branch
triggered a shock detween our genitals and spine.

The worst, naturally, was the waiting.
Whiskey, chess and sentences
that broke off
only to reconnect past memory's gate.
The gardener scything out there was wild himself.

When the girls arrived we swam to the point, fucked
and walked back
along the gravel road to the highway.
The sun drew out the echoing in our blood
but by then we were already listening like tourists.

After a winter the villagers,
dull salacious eyes in tiny heads, warmed
to us, confided to us
their peculiar gossip and lore.
Their wives brought cookies.

We learned nothing.
The cookies tasted like rancid dust.
But when we looked on the mirror
we were both ourselves and otherwise.
Spirit and flesh played blithely in each other's yard.


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ASSUERO

Não havia perigo, por isso partimos
ao cair da noite.
O vento falava demasiado devagar para entender.
Vozes, luzes,
eram arrastadas para longe como uma nuvem de mosquitos.

Consigo recordar essa primeira manhã
que acordámos de través no mundo.
Até a luz tinha o seu cheiro estranho.
Qualquer sombra súbita de ave ou ramo
causava um frémito entre os genitais e a espinha.

O pior, sem dúvida, era a espera.
Whiskey, xadrez e frases
interrompidas
apenas para ligarem além do portão da memória.
A monda do jardineiro, lá fora, era, por si, selvagem.

Quando as raparigas chegaram, nadámos para o sítio, fodemos
e caminhámos de volta
pelo caminho de gravilha, até à estrada.
O sol extraiu o eco no nosso sangue,
mas, por essa altura, já estávamos a ouvir como turistas.

Depois de um inverno os aldeões,
de olhos brancos, impudicos, em cabeças minúsculas aceitaram-
-nos, confiaram-nos
os seus peculiares mexericos sabedoria.
As mulheres trouxeram-nos biscoitos.

Nada aprendemos.
Os biscoitos sabiam a poeira rançosa.
Mas qundo olhàmos para o espelho
eramos nós e também quaisquer outros.
Espírito e carne brincavam alegremente no quintal um do outro.

quinta-feira, 11 de março de 2021

 ALEKSANDAR RISTOVIC


CORAÇÃO DE BISCOITO DE GENGIBRE


Faz-me um casacão de tecido pesado, alfaiate,
do tipo que não fica puído, 
e de cor escura,
para ninguém notar as cinzas de cigarro.

Faz as calças do mesmo material,
para durarem quanto eu quiser,
usando-as para visitar inúmeras cidades, aldeias
e outros lugares isolados.

Faz-me uma vestimenta escura, ó alfaiate,
com a qual possa ir a um banquete
com uma rosa de homem rico na botoeira,
rodeado por pessoas felizes.

Faz-me um casaco escuro, alfaiate, com bolsos largos, profundos,
onde fechar os punhos, enquanto vejo alguém
ser arrastado da minha mesa para as moitas,
que após alguns momentos começam a tremer.

sábado, 6 de março de 2021

 FERNANDO ORTIZ


ODA AL REGRESO DEL REY DON SEBASTIAN

                        Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra...
                                                                            
                                                                 FERNANDO PESSOA

En el último confín de Occidente
existe una ciudad donde es irreal la vida
o tan real al menos como el museo en el que se conserva
entre berninescos carruajes de embajadores, nuncios, reyes,
príncipes e infantinas,
la negra carroza de pesada madera
de quien fuera dueño del mundo,
un mundo o un imperio donde jamás se puso el sol.

Deambulando por sus calles y plazas
puede que encontréis e cualquier terraza sentado a un caballero
atildado, de redondas lentes,
vestido de negro como el Rey que Dios guarde,
sosteniendo entre sus dedos, fumador empedernido,
un cigarrillo que se consume como sus recuerdos,
como su hastío, como el viento que canta en las almenas
entre las torres de la tarde.

El caballero levanta sin prisa su copa de coñac
y toma um lento sorbo.
La vida hay que tomarla a lentos sorbos
o bien apurada de un trago.
En cualquiera de los dos casos a nadie -ni siquiera a uno mismo-
le importa demasiado el destino de nuestra vida,
lo mismo que no importa demasiado el destino del coñac de una copa
ni el d una copa de coñac.

Alguien, quizá un turista, se detiene a perguntarle la hora
y él contesta con cortesía
en un ceremonioso inglés literario y pulido:
"Sí. Es la hora de los estandartes
para que ondee el azur con las quinas plateadas.
Sebastián, rey de reynos, volvió desde el Océano
entre naves de niebla y albas picas de humo.
Si es que no vino por la carretera de Sintra,
por la carretera de Sintra, al volante de un Chevrolet prestado.


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ODE AO REGRESSO DO REI DOM SEBASTIÃO

                                        Ao volante do Chevrolet pela estrada de Sintra...

                                                                      FERNANDO PESSOA

No último confim do Ocidente
existe uma cidade onde é irreal a vida
ou tão real, pelo menos, como o museu no qual se conserva
entre berninescas carruagens de embaixadores, núncios, reis,
príncipes e infantas,
a negra carroça de pesada madeira
de quem foi dono do mundo,
um mundo ou um império onde jamais se punha o sol.

Deambulando pelas suas ruas e praças
talvez se encontre em qualquer esplanada, sentado, um cavalheiro
pulcro, de redondas lentes,
vestido de negro, como o Rei que Deus guarde,
sustentando entre os dedos, fumador empedernido,
um cigarro que se consome como as suas recordações,
como o seu fastio, como o vento que canta nas ameias
entre as torres da tarde.

O cavalheiro levanta sem pressa um cálice de aguardente
e toma um lento sorvo.
A vida há-de ser tomada a lentos sorvos
ou então engolida de um trago.
Em qualquer dos casos a ninguém -nem sequer a si mesmo-
importa demasiado o destino da nossa vida,
assim como não importa demasiado o destino da aguardente de um cálice
nem o de um cálice de aguardente.

Alguém, talvez um turista, detém-se para lhe perguntar as horas
e ele responde com cortesia
num cerimonioso inglês literário e polido:
"Sim. São horas de levantar os estandartes
para que ondeie o azur com as quinas prateadas.
Sebastião, rei de reinos, voltou desde o Oceano
entre naves de névoa e albas lanças de fumo.
Se é que não veio pela estrada de Sintra,
pela estrada de Sintra, ao volante de um Chevrolet emprestado".

sexta-feira, 5 de março de 2021

 D. J. ENRIGHT


DISPLACED PERSON LOOKS at a CAGE-BIRD

Every single day, going to where I stay
        (how long?) I pass the canary
In the window. Big bird, all pranked out,
Looming and booming in tha window's blank-

Closing a pawky-eye, tapping his hairy chest,
       flexing a brawny wing.
Every single day, coming from whwere I stay
(How long?), I paas this beastly thing.

How I wish it were dead!
       -Florid, complacent, rent-free and over-fed,
Feather-bedded, pensioned, free from wear and tear,
Earth has not anything to show less fair.

I do wish it were dead!
      Then I'd write a better poetry,
On that poor wee-bird, its feet in the air,
An innocent victim of something. Just like me.


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PESSOA EMIGRANTE OLHA para um PÁSSARO ENGAIOLADO


Todos os dias indo para onde resido
    (por quanto tempo?) passo pelo canário
Na janela. Pássaro grande, a pavonear-se,
Agigantando-se com estrondo, no vazio da janela.

Fechando um olho manhoso, percutindo o peito peludo,
    dobrando uma asa musculosa,
Todos os dias, vindo de onde resido
(Por quanto tempo?), passo por tal animalejo.

Como desejo que morra!
    -Flórido, complacente, sem pagar renda e sobre-alimentado,
Em cama de penas, pensionista, poupado a desgaste,,
Não há na terra espectáculo mais edificante.

Desejava mesmo que morresse!
    Então escreveria uma poesia melhor,
Sobre esse pobre passarinho, de pernas para o ar.
Uma vítima inocente de qualquer coisa. Tal como eu.

quinta-feira, 4 de março de 2021

 MIROSLAV HOLUB


DISCÓBULO

Mas
antes do lançamento final
alguém lhe sussurror
por trás

     - Só um momento,
    ainda temos de discutir isto
    puramente por uma questão de forma,
    - Não conheces a situação,
    camarada,

Em princípio saudamos
a tua iniciativa, 
mas deves compreender

    - Temos de insistir
    num acordo
    fundamental 
    para cada lançamento,

ele sentiu 
o suave vento sudanês
de junco, à volta do seu punho,
queria gritar alto,
mas
a sua boca
estava subitamente cheia
com o algodão doce do céu da tarde,
os seus músculos incharam
como granito tessálio,
mas não havia nada de nota,

    - Em frente,
    alguém disse,
    abram caminho, por favor,
    Demóstenes 
    lançará agora
e Demóstenes 
tirou um grão de areia debaixo da língua
e com precisão
sacudiu-o para o olho de outro
   -  Hurra, mais um
   recorde do mundo,
gritaram,

desesperado, enlouquecido, anónimo
Discóbolo
rodou dos joelhos
para baixo,
mas era
já rocha
e viu apenas um único
enorme grão de areia
de horizonte a horizonte.

Por isso ficou ali.

E cruzando a esquina
chegou
a primeira excursão escolar
conduzida
pelos melhores pedagogos
que assinalaram, em particular,
o jogo dos ombros,
o corajoso coração humano
e a orgulhosa marcha em frente
a caminho
da eternidade.


quarta-feira, 3 de março de 2021

 AURORA LUQUE


LOS PUENTES INFLAMABLES

A punto d cruzar
eate puente del medio del camino
cuando vas eligiendo malgré toi
los llamados placers sencillos de la vida
- sabiendo que, en el fondo, te eligen a ti ellos,
te suman a su séquito caduco -
simplificas el cálculo del mundo: hasta de la belleza
que presumías tan incalculable.
Y descubres que todo se reduce
a viajar de lo mucho a lo muy menos,
de lo poblado al viento del desierto,
del exceso a lo escaso,
a declinar palabras consabidas
o a declinar sin más, intrnsitivamenete,
a cambiar los magníficos plurales
por un acorralado singular
enarbolando alguna resistencia...

Los puentes inflamables
del medio del camino de la vida.


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AS PONTES INFLAMÁVEIS

A ponto de cruzar
essa ponte do meio do caminho,
quando vais elegendo malgré toi
os chamados prazeres simples da vida
- sabendo que, no fundo, são eles que te elegem.
te somam ao seu séquito caduco -
simplificas o cálculo do mundo: até da beleza
que presumias tão incalculável.
E descobres que tudo se reduz
a viajar do muito ao muito menos,
do povoado ao vento do deserto,
do excesso ao escasso,
e declinas palavras consabidas
ou a declinar sem mais, intransitivamente,
a mudar os magníficos plurais
por um acurralado singular
arvorando alguma resistência...

As pontes inflamáveis
do meio do caminho da vida.

terça-feira, 2 de março de 2021

 PABLO GARCÍA CASADO


TRAVELLING

mamá diciendo adiós mi casa los perros el jardin
las flores de la casa de los bradley justo antes de morir
            bradley
escombros hojas secas el cruce con la avenida lincoln

la tienda de comestibles niños jane fonda anunciando
            cosméticos
carteles de campañas pálidas barras y estrellas
sobre postes de telégrafo reclutas

que besan a su novia antes de subir a bordo
el billete ardiendo entre mis dedos

luego casa pequeñas negros fabricas del extraradio
y luego los sembrados los pequeños regadíos la autopista
el límite de estado y luego américa


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TRAVELLING

a mamã dizendo adeus minha casa os cães o jardim
as flores da casa dos bradley mesmo antes de morrer jim
         bradley
escombros folas secas o cruzamento com a avenida lincoln

a loja de comestíveis crianças jane fonda anunciando
        cosméticos
cartazes de campanha pálidos bares e estrelas
sobre postes de telégrafo recrutas

que beijam a namorada antes de subir a bordo
o bilhete ardendo entre os meus dedos

depois casa pequenas negros fábricas de periferia
e depois os terrenos semeados os pequenos regadios e a autoestrada
o limite do estado e depois a américa

segunda-feira, 1 de março de 2021

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


DESPUÉS DE HABERME DITO MUCHAS VECES

Después de haberme dito muchas veces
que debía mirar de otra manera
las cosas, y que a nada conducía,
o tna sólo a pobreza y paranoia,
hacer frente al poder organizado
de los inicuos, tomo nuevamente
las armas y, en constante desacuerdo
con el mundo, me enfrento al sincretismo,
a toda ambigüedad y a la tibieza.


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DEPOIS DE TER-ME DITO MUITAS VEZES

Depois de ter-me dito muitas vezes
que devia olhar de outra maneira
as coisas, e que a nada conduzia,
ou tão só à pobreza e à paranóia,
fazer frente ao poder organizado
dos inícuos e em constante desacordo
com o mundo, enfrento o sincretismo,
toda a ambiguidade e a tibieza.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...