ANTHONY HECHT
PERIPETEIA
Of course, the familiar rustling of programs,
My hair mussed from behind by a grand gesture
Of mink. A little craning about to see
If anyone I know is in the audience,
And, as the house fills up,
A mild relief that no one there Knows me.
A certain amount of getting up and down
From my aisle seat to let the others in.
Then my eyes wonder briefly over the cast,
Management, stand-ins, make-up men, designers,
Perfume and liquor ads, ans rise prayerlike
To the false heaven of rosetted lights,
The stucco lyres and emblems of high art
That promise, witn crude Broadway honesty,
Something less than perfection:
Two bulls are missing and Apollo's bored.
And then the cool, drawn-out anticipation,
Not of the play itself, but the false dusk
And equally false night when the houselights
Obey some planetary rheostat
And bring a stillness on. It is that stillness
I wait for.
Before it comes,
Whether we like it or not, we are a crowd,
Foul-breathed, gum-chewing, fat with arrogance,
Passion, opinion, and appetite for blood.
But in that instant, which the mind protracts,
From dim to dark before the curtain rises,
Each of us is miraculously alone
In calm, invunerable isolation,
Neither a neighbor nor a fellow but,
As at the beginning and end, a single soul,
With all the sweet and sour of loneliness.
I, as a connoisseur of loneliness,
Savour it richly, and set it down
In an endless umber landscape, a stubble field
Under a lilac, electric, storm-flushed sky,
Where, in companionship with wirthless stones,
Mica-flecked, or at best some rusty quartz,
I stood in childood, waiting for thigs to mend.
A useful discipline, perhaps. One that might lead
To solitary, self-denying work
That issues in something harmless, like a poem,
Governed by laws that stand for other laws,
Both of which aim, through kindred disciplines,
At the soul's knowledge and habiliment.
In any case, in a self-granted freedom,
The mind, lone regent of itself, prolongs
The dark and silence; mirrors itself, delights
In consciousness of consciousness, alone,
Sufficient, nimble, touched with a smaal grace.
Then, as it must at last, the curtain rises,
The play begins. Something by Shakespeare,
Framed in the arched proscenium, it seems
A dream, neither better nor worse
Than whatever I shall dream after I rise
With hat and coat, go home to bed, and dream.
If anything, more limited, more strict -
No one will fly or turn into a moose.
But acceptable, like a dream, because remote,
And there is, after all, a pretty girl.
Perhaps tonight she'll figure in the cast
I summon to my slumber and control
In vast arenas, limitless space, and time
That yield and sway in soft Einsteinian tides.
Who is she? Sylvia? Amelia Earhart?
Some creature that appears and disappears
From life, from reverie, a fugitive or dreams?
There on the stage, with awkward grace, the actors,
Beautifully costumed in Renaissance brocade,
Perform their duties, even as I must mine,
Though not, as I am, always free to smile.
Something is happening. Some consternation.
Are the knives out? Is someone's life in danger?
And can the magic cloak and book protect?
One has, of course, real confidence in Shakespeare.
And I relax in my plush seat, convinced
That prompt as dawn and genuine as a toothache
The dream will be accomplished, provisionally true
As anything else one cares to think about.
The players are aghast. Can it be the villain,
The outageous drunks, plotting the coup d'état,
Are slyer than we thought? Or we more innocent?
Can it be that poems lie? As in a dream,
Leaving a stunned and gap-mouthed Ferdinand,
Father and faery pageant, she, even she,
Miraculous Miranda, steps from the stage,
Moves up the aisle to my seat, where she stops,
Smiles gently, seriously, and takes my hand
And leads me out of the theatre, into a night
As luminous as noon, more deeply real,
Simply because of her hand, than any dream
Shakespeare or I or anyone ever dreamed.
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PERIPETEIA
Por certo, o manuseio familiar de programas,
O meu cabelo desarranjado por trás por um gesto largo
De vison. Um ligeiro olhar à volta para ver
Se alguém conhecido está na audiência
E, à medida que a casa enche,
Um inofensivo alívio por ali ninguém me conhecer.
Levantar e sentar com alguma frequência
Do meu assento de coxia, para outros entrarem.
Então passo brevemente os olhos sobre o elenco,
Administração, duplos, maquilhadores, designers,
Anúncios de perfume e bebidas e olhar em jeito de prece
Para o céu falso de lâmpadas em roseta,
As liras de estuque e emblemas de grande arte
Que prometem, com a honestidade rude da Broadway,
Algo menos que perfeição:
Faltam dois touros e Apolo está entediado.
E depois a calma, prolongada antecipação
Não da peça em si, mas do falso crepúsculo
E igualmente falsa noite, em que as luzes
Obedecem certo reóstato planetário
E trazem tranquilidade. É por essa tranquilidade
Que espero.
Antes que chegue,
Gostemos disso ou não, somos uma multidão,
De mau hálito, mastigadora de pastilhas, obesos de arrogância,
Paixão, opinião e apetite de sangue.
Mas, nesse instante, que a mente prolonga,
Do sombrio ao escuro, antes de a cortina subir,
todos estamos miracuolosamente sós,
Em isolamento calmo, invunerável,
Nem um vizinho, nem um parceiro, mas,
No início e no fim, uma única alma,
Com todo o doce e amargo da solidão,
Eu, como um perito em solidão,
Saboreio-a requintadamente,
Deposito-a numa paisagem ocre, um campo de restolho
Sob um céu lilás, eléctrico, tempestuoso,
Onde, na companhia de rochas sem préstimo,
Salpicadas de mica, ou, pelo melhor, quartzo enferrujado,
Eu tinha estado na infância, à espera do conserto das coisas.
Uma disciplina útil, talvez. Uma que pode conduzir
A trabalho solitário, abnegado,
Que resulta em algo inofensivo, como um poema,
Governado por leis que existem por outras leis,
Ambas apostadas, por semelhantes disciplinas
Ao conhecimento e atavio da alma.
Em qualquer caso, numa liberdade auto-oferecida,
A mente, única regente de si mesma, prolonga
A escuridão e o silêncio; espelha-se, alegra-se
Na consciência da consciência, sozinha,
Suficiente, sagaz, tocada por ligeira graça.
Então, como por fim é devido, a cortina sobe,
A peça começa. Algo de Shakespeare.
Enquadrada no proscénio arqueado, parece
Um sonho, nem melhor nem pior
Do que o que sonharei após me levantar
Com chapéu e casaco, ir para a cama e sonhar.
Porventura, mais limitado, mais estrito -
ninguém irá voar ou tornar.se um alce.
Mas aceitável, como um sonho, porque remoto,
E há, além de mais, uma rapariga bonita.
Talvez ela hoje figure no elenco
Que convoco para a minha modorra e controlo
Em arenas vastas, espaço ilimitado e tempo
Que cede e oscila em marés suaves, einsteinianas.
Quem é ela? Sylvia? Amelia Earhart?
Qualquer criatura que aparece e desaparece
Da vida, do devaneio, uma fugitiva de sonhos?
Ali no palco, com graça canhestra, os actores,
Belamente vestidos em brocado da Renascença,
Cumprem os seus papéis, como eu o meu,
Embora não, como eu, autorizados sempre a sorrir.
Alguma coisa está a acontecer. Alguma consternação.
Desembainharam os punhais? Está a vida de alguém em perigo?
E a capa e o livro mágicos podem proteger?
Tem-se, é claro, total confiança em Shakespeare.
E eu relaxo no meu assento confortável, convencido
Que pontual como madrugada e genuíno como dor de dentes
O sonho será cumprido, provisoriamente verdadeiro
Como tudo o mais em que nos preocupa pensar.
Os actores estão aterrados. Será que os vilões,
Os bêbedos abomináveis, planeando um golpe de estado,
São mais ardilosos que pensávamos? Ou nós mais inocentes?
Poderão os poemas mentir? Como num sonho,
Abandonando um Ferdinand atónito, boquiaberto,
Pai e irreal préstito, ela, ela própria,
Miraculosa Miranda, desce do palco,
Sobe a coxia até ao meu assento, onde para,
Sorri gentilmente, seriamente, e pega na minha mão
E conduz.me para fora do teatro, para uma noite
Tão luminosa como meio-dia, mais fundamente real,
Apenas por causa da sua mão, do que qualquer sonho
Que Shakespeare ou eu ou alguém jamais sonhou.