segunda-feira, 31 de maio de 2021

 W. H. AUDEN


VOLTAIRE AT FERNEY

Almost happy now, he looked at his estate.
An exile making watches glanced up as he passed,
And went on working: where a hospital was rising fast
A joiner touched his cap; an agent came to tell
Some of the trees he'd planted were progressing well.
The white alps glittered. It was summer. He was very great.

Far off in Paris, where his enemies
Whispered that he was wicked, in an upright chair
A blind woman longed for death and letters. He would write
"Nothing is better than life". But was it? Yes, the fight
Against the false and the unfair
Was always worth it. So was gardening. Civilize.

Cajoling, scolding, scheming, cleverest of them all,
He'd led the other children in a holy war
Against the infamous grown-ups, and, like a child, been sly
And humble when there was occasion for
The two-faced answer or the plain protective lie.
But, patient like a peasant, waited for their fall.

And never doubted, like D'Alembert, he would win.
Only Pascal was a great enemy, the rest
Were rats already poisoned: there was much, though, to be done
And only himself to count upon.
Dear Diderot was dull, but did his best;
Rousseau, he'd always known, would blubber and give in.

So, like a sentinel, he could not sleep. The night was full of wrong,
Earthquakes and executions. Soon he would be dead,
And still all over Europe stood the horrible nurses
Itching to boil their children. Only his verses
Perhaps could stop them. He must go on working. Overhead
The uncomplaining stars composed their lucid song.


       xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


VOLTAIRE EM FERNEY 

Quase feliz agora, olhava a sua propriedade.
Um relojoeiro exilado mirou-o quando passava,
E continuou o trabalho; no sítio onde construíam um hospital
Um carpinteiro saudou-o; um empregado veio dizer-lhe
que estavam a crescer algumas das árvores que plantara.
Os alpes brancos brilhavam. Era verão. Ele era um génio.

Lá longe, em Paris, onde os seus inimigos
Murmuravam, chamando-lhe perverso, numa cadeira de espaldar
Uma velha cega ansiava pela morte e por cartas. Ele escreveria
"Nada é melhor que a vida". Mas seria? Sim, a luta
Contra a falsidade e a injustiça
Compensava sempre. Tal como a jardinagem. Civilizar.

Lisonjeando, rabujando, intrigando, ele, o mis arguto
Conduziu as outras crianças numa guerra santa
Contra os adultos infames e, como uma criança, fora velhaco
E humilde, conforme fossem necessárias
A resposta ambígua ou a mentira redentora,
Mas, como um camponês, esperaria pacientemente a ruína deles.

E nunca duvidou, como D'Alembert, que venceria:
Só Pascal era um inimigo digno, o resto
Eram ratos já envenenados; Havia, porém, muito a fazer
E só podia contar consigo.
O caro Diderot era medíocre, mas fazia o que podia;
Rousseau, sempre o soubera, lamentava-se e desistia.

Assim, qual sentinela, não podia dormir. A noite estava cheia de erros,
Terramotos e execuções. Em breve morreria
E pela Europa fora amas terríveis ainda
Por escaldar as suas crianças. Talvez apenas os seus versos
Pudessem impedi-las: Tinha de continuar a trabalhar. Lá em cima
Estrelas impávidas compunham uma canção lúcida.

sábado, 29 de maio de 2021

 LUCIANO ERBA


UN’ALTRA CITTÀ 


La vigneta del vecchio libro illustrato 
sempre sfugita sotto la velina 
per tante volte che lo avevo sfogliato 
mi rivela un’altra città 
che sale e si distende lungo un fiume 
sotto un cielo blu notte. 
Dai tetti gli uomini guardano a stelle 
che sembrano cervi volanti 
appaiono donne ai ballatoi 
mentre sull’oposta riva del fiume 
un viaggiatore lega a un tronco il cavallo: 
há scoperto anche lui la città.


                     xxxxxxxxxxxxxxxxxx


OUTRA CIDADE 

A vinheta do velho livro ilustrado 
sempre esquiva debaixo do velino 
de tantas vezes que o desfolhara 
revela-me outra cidade 
que sobe e se estende ao longo de um rio 
debaixo de um céu azul nocturno. 
Dos telhados homens observam estrelas 
que parecem papagaios de papel 
aparecem mulheres nos patamares 
enquanto na margem oposta do rio 
um viajante prende a um tronco o cavalo: 
descobriu também ele a cidade.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

                  LE ROIS RICHARTZ
( RICARDO, CORAÇÃO DE LEÃO)
                 (1137-1199)

Ja nus hons pris ne dira sa raison
adroitement, s'ensi con dolans non;
mais par confort puet il faire chançon.
Mout ai d'amis, mais povre sont li don;
honte en avron, se por ma reançon
           sui ces deux yvers pris!

Ce sevent bien mi himne et mi baron,
englois, normant, poitevin et gascon,
que je n'avoie si povre compaignon,
cui je laissasse por avoir en prison.
Je nel di pas por nule retraçon,
         mais encor sui je pris.

Or sai je bien de voir certainement
que mors ne pris n'ami ne parente
quant non me lait por or nr por argent.
Mout m'es de moi, mes plus m'est de ma gente,
qu'apres ma mort avront reprochier grant,
         se longuement sui pris.

N'est pas merveille, se j'ai le cuer dolente,
quanr mes sires tient ma terre en torment,
S'or li membroit de nostre serement,
que nos fëismes andui communaument,
bien sai de voir que ceans longuement
        ne seroi pas pris.

Ce sevent bien Angevin et Torain,
cil bacheler qui or sont riche et sain,
qu'encombrez sui loind d'aus en autrui main.
Forment m'amoient, mais or ne m'aimment grain.
De beles armes sont ores vuit li plain
       per tan que je serai pris.

Mes compaignons, cui jámoie et cui j'aim,
ceus de Caheu et ceus de Percherain,
me di, chançon, qu'il ne sont pas certain;x
qu'onques vers aus nen oi cuer faus ne vain.
S'il me guerroient, in font mout que vilain,
      tant con je sui pris.

Contesse suer, vostre pris souverain,
vos saut et gart cil a cui je me clain
     et par cui je suis pris.

Je ne di pas de celi de Chartrain.
     la mere Loöys. 


      xxxxxxxxxxxxxxx


Já nenhum homemde valor dirá sua razão
justamente, mas apenas de forma triste;
mas, para conforto, escreverá canções-
Muitos amigos tenho, mas deles pobres são os do ns;
vergonha terão, se pelo meu resgate
        estes dois Invernos estou preso!

Bem sabem os meus homens e barões,
ingleses, normandos, de Poitou e gascões,
que eu não teria um companheiro tão pobre,
que o deixasse, por dinheiro, na prisão.
Não o digo como censura,
       mas ainda estou prisioneiro.

Ora tenho a completa certeza
que a morte não levou amigo, nem parente,
mas que me abandonam por ouro e prata.
Sinto-o por mim, mas mais pela minha gente,
que após a minha morte bem o lamentarão,
       há tanto tempo preso.

Não é de admirar se tenho o coração triste
quando o meu senhor a minha terra atormenta.
Se ainda se lembrasse do nosso juramento,
que os dois fizemos em conjunto,
estou seguro que desde há muito tempo
       não estaria na prisão.

Bem sabem os de Angevin e Torain,
os cavaleiros que estão ricos e sãos,
que estou retido longe deles, na mão de outros.
Muito me amavam, agora já não.
De belas armas estão os plainos vazios,
       desde que estou preso.

Os meus companheiros, que eu amava e amo,
os de Caen e os de Percheron,
diz-me, canção, que não são eles, por certo,
nunca para eles tive coração falso ou vil.
Se eles me guerreiam fazem grande vilania,
       enquanto estiver prisioneiro.

Irmã codessa, vosso digno soberano
vos mantenha e guarde o meu senhor
      e por quem estou preso.

Não o digo da de Chartres,
      a mãe de Luís.


quarta-feira, 26 de maio de 2021

 DURS GRÜNBEIN (Dresden, Alemanha, 1962)


Estas versões de poemas de Durs Grünbein são feitas a partir do inglês - o alemão não consta da lista de línguas que me são acessíveis -, pelo que omito o texto original.
Os livros de onde são retiradas: Ashes for Breakfast, edição bilingue, tradução de Michael Hofmann; Mortal Diamond, tradução de Michael Eskin e Porcelain, tradução de Karen Leeder - estes dois omitem o texto original.


TRILCE, CÉSAR

 Havia dias que era tudo o que conseguíamos
             dizer, "Pode nunca acontecer" ou
                           "Algo há-de aparecer...", entediados em

bibliotecas sobre-aquecidas onde, em momentos
            antes de ficarem completamente vidrados
                         os nossos olhares iam à deriva
                                     como anéis de fumo
                         sob os altos painéis do tecto
                                     de salas de leitura alexandrinas.
                                     A maioria

          queria partir (para Nova Iorque
                       ou outro local): eramos estudantes

com vozes de cana rachada
         rodando entusiasticamente
                      projectos falhados nas nossas cabeças, e alguns
                 
                                   na nossa anarquia melancólica
                                            foram escravizados por novos totens, ídolos
                     de revoluções acabadas e o
corpo repetidamente acupuncturado da magia.
       Se lá estivesse o dia inteiro
                    (em particular, no inverno)
                                  era bastante barato, só,
                                           entre os curtos intervalos
    
com as nossas preocupações de posta restante, devedores
      de renda, sorvendo o silêncio
                 dos livros, como gás de nervos
de todas essas bestas suaves (. . .) e, por vezes, 
      mesmo no clima invariável
                 de estufa havia uma
                         surpresa algo vívida
                                        (Trilce, César!)

recordo uma específica
     tarde de verão
              o crepúsculo rumorejante
     estava na sanita a evacuar
              quando ouvi respiração
desde outro cubículo e um batimento acelerado
     e fiquei alarmado como um enxame 
                        inteiro de varejeiras com o
     
acto amoroso de dois homens esforçando-se silenciosa 
                                    e mutuamente
             suando e e alheados como estranhas
             criaturas do género centauro numa

                                   fotografia sobre-exposta.
             Difícil de esquecer
                                   o alívio com que
    de cabelo recentemente penteado,
caras vermelhas e complexões cremosas
eles passaram por mim separadamente e apenas
    uma piscadela (uma piscadela
            que me atravessou) me assegurou:
    tinham travado conhecimento.
             
                   
                    



terça-feira, 25 de maio de 2021

PHOKYLIDES


Phokylides diz: são velhacos
os de Leros. Não é este 
ou aquele, são todos.
Excepto Prokles. E Prokles?
É de Leros.

segunda-feira, 24 de maio de 2021

 LI SHANG-YIN


Estrelas da noite passada, ventos da noite passada.
A oeste da sala pintada, a leste do Pavilhão da Acácia.
Se os corpos não têm as asas da fénix esplêndida,
Os nossos corações comunicam no vértice do corno mágico.
Em mesas separadas, jogámos aos dados; já quente o vinho primaveril.
Quem decifra as adivinhas? - a luz da vela avermelhou-se.
Ai, ouço o tambor, tenho de ir para onde o dever me chama,
Cvalgar para o Terraço da Orquídea, erva arrastada pelo vento.

domingo, 23 de maio de 2021

CHARLES SIMIC


THE PLACE

They were talking about the war
The table still uncleared in fromt of them.
Across the way, the first window
Of the evening was already lit.
He sat, hunched over, quiet,
The old fear coming over him...
It grew darker. She gor up to take the plate -
Now unpleasantly white - to the kitchen.
Outside in the fields, in the woods
A bird spoke in proverbs,
A pope went out to meet Attila,
The ditch was ready for its squad.



       xxxxxxxxxxxxxx


O LUGAR

Eles conversavam sobre a guerra
Sentados a uma mesa ainda por levantar.
Do outro lado da rua, a primeira janela
Da noite já estava iluminada.
Ele estava sentado, curvado, imóvel,
O velho medo acometendo-o...
Escureceu. Ela levantou-se para levar o prato -
Agora desagradavelmente branco - para a cozinha.
Lá fora nos campos, nos bosques,
Um pássaro falava por provérbios,
Um Papa saía ao encontro de Átila,
A fossa estava pronta para o seu pelotão.

sábado, 22 de maio de 2021

 RUSSELL EDSON


A MAN WHO WRITES

    A man had writen head in his forehead, and hand on each hand, and foot on each foot.
    His father said, stop stop stop, because the redundancy is like having two sons too many, as in the first instance wich is one son too many.

    The man said, may I write father on father?
    Yes, said father, because one father is tired of bearing it all alone.

    Mother said, I'm leaving if all these people come to dinner.

    When dinner was over father said to his son, will you write belch on my belch?

    The man said, I will write God bless everyone on God.


                xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


UM HOMEM QUE ESCREVE

    Um homem tinha escrito cabeça na testa e mão em cada mão, e  em cada pé.
    O pai dele disse, pára, pára, pára, pois a redundância é como ter dois filhos, o que ´dois filhos de mais. como, logo à partida, que é já um filho de mais.

    O homem disse, posso escrever pai no pai?
    Sim, disse o pai, porque um pai está cansado de suportar tudo sozinho.

    A mãe disse, vou-me embora, se todas essas pessoas vierem jantar.
    Mas o homem escreveu jantar em todo o jantar.

    Quando o jantar acabou, o pai disse ao filho, poderás escrever arroto no meu arroto?

    O homem disse, hei-de escrever Deus abençoe todos em Deus.

sexta-feira, 21 de maio de 2021

 AUGUST KLEINZAHLER


AFTERNOON IN THE MIDDLE KINGDOM

Dust storms from the Gobi sack Peking.
The northwest suburbs vanish in a cloud.
Soon cheery bicyclists in thongs
snezze up and down Great Boulevard,
falling headlong into gingkos.
Cold sand wanders into hallways,
for weeks grit is foung on spoon drawers,
in woolens, rose-petal jam and cats.
The French ambassador has a snit
about the joyless life. His wife,
whose perfume brings giggles at market,
once again tells her husband of Moon
Porcelain. But the city is gray
and vast, the parks in disrepair
and the sea three hours by rail.


        xxxxxxxxxxxxxx


UMA TAREDE NO REINO DO MEIO

Tempestades de pó do Gobi saqueiam Pequim.
Os subúrbios de noroeste desaparecem numa nuvem.
Em breve, alegres ciclistas de sandálias
espirram para cima e para baixo na Grande Avenida,
caindo de cabeça contra gingkos.
Areia fria deambula nos pátios,
durante semanas encontra-se poeira em gavetas de talheres,
em roupas de lã, compota de pétalas de rosa e gatos.
O embaixador francês tem um ataque de mau génio
sobre a vida tristonha. A sua mulher,
cujo perfume provoca risinhos no mercado,
fala de novo ao marido sobre Porcelana 
da Lua. Mas a cidade é cinzenta
e vasta, os parques mal cuidados
e o mar a três horas de comboio.

sábado, 15 de maio de 2021

 ALENKSADAR RISTOVIC


VELHO TEMA

A quem estás destinado, vinho nessa garrafa rolhada,
na toalha branca,
junto a essas flores oscilantes,
enquanto uma rapariga varre a silenciosa sala vazia?

Soltarás a língua do calado,
transformarás o idiota num sábio
e ao tímido darás coragem
para agir segundo um desejo escondido.

Do sábio farás um idiota,
que desbarata os bens na companhia de criados mimados e bajuladores
e que promete à roliça caixeira
um chalé no bosque, com agulhas de pinheiro no soalho.

Será que darás a volta à cabeça de uma mulher bela,
de forma a ela abandonar a mesa por um dos quartos do andar superior,
perseguida por algum tipo inútil,
que inventa versos com um único propósito em mente?

Por pouco tempo, se calhar, transformarás o velho
nesse jovem que na taberna canta e sapateia
constantemente, fazendo visitas frequentes à casa de banho
para namorar a que conta moedas numa caixa de charutos.

sexta-feira, 14 de maio de 2021

 FERNANDO ORTIZ

 

AUTORRETRATO

Quien dijo que de niño supe de duendes, miente.
No sabe ni siquiera que pasó tras mi frente.
Es falso que tuviese miedo a la oscuridad
y en la noche escuchara las campanas doblar...
Primera juventud... Primera despedida,
el alcohol, la poesía; amor, miedo a la vida.
Aquella nimiedad que empezó de muy joven
no me dejó escuchar confidencias de amores.
No quise ser torero, militar ni abogado.
Y como nada quise, en nada me he quedado.
Al fin, frente a mi sueño; la ruinas , los escombros
nunca más me dejaron alzar firmes los hombros.
Ahora ya no espero, ni pienso, ni creo en nada
sino en esa oscura ave que ha de venir al alba.
Y cuando yo me aleje por la esquina del tiempo
habrá siempre algún milro silbando de contento.


                   xxxxxxxxxxxxxxxxx


AUTO-RETRATO

Quem disse que em criança soube de duendes, mente.
Não sabe sequer o que se passou à minha frente.
É falso que tivesse medo da escuridão
e à noite escutasse os sinos a dobrar...
Início da juventude... Primeira despedida,
o álcool, a poesia; amor, medo da vida.
Aquela insignificância que começou ainda muito jovem
não me deixou ouvir confidências de amores.
Não quis ser toureiro, militar, nem advogado.
E como nada quis, com nada fiquei.
Por fim, frente ao meu sonho, as ruínas, os escombros,
nunca mais deixaram erguer firmes os ombros.
Agora já não espero, nem penso, nem creio em nada
senão nessa escura ave que há de vir de madrugada.
E quando me afastar pela esquina do tempo
haverá sempre algum melro cantando de contente.

quinta-feira, 13 de maio de 2021

 D. J. ENRIGHT


THE QUAGGA

By mid-century there were two quaggas left,
And one of the two was male.
The cares of office weighed heavily on him.
When you are the only male of a species,
It is not easy to lead a normal sort of life.

Thr goats nibbled and belched in casual content;
They charged and skidded  up and down their concrete mountain.
One might cut his throat on broken glass,
Another stray too near the tiggers.
But they were zealous husbands, and the enclosure was always full.
Its rank air throbbing with ingenious voices.

The quagga, however, was a man of destiny.
His wife, whom he had met rather late in her life,
Preferred to sleep, or complain of the food and the weather.
For their little garden was less than paradisiac,
With its artificial sun that either scorched or left you cold,
And savants with cameras eternally hanging around,
To perpetuate the only male quagga in the world.

Perhaps that was why he failed to do it himself.
It is all very well for goats and monkeys -
But the last male of a species is subject to peculiar pressures.
If ancient Satan had come slithering in, perhaps...
But instead the savants, with cameras and notebooks,
Writing sad stories of the decadence of quaggas.

And then one sultry afternoon he started raising Cain.
This angry quagga kicked the bars and broke a camera.
He even tried to bite his astonished keeper.
He protested loud and clear against this and that,
Till the other animals became quite embarassed
For he seemed to be calling them names.

Then he noticed his wife, awake with the noise,
And a curious feeling quivered round his belly.
He was Adam: there was Eve.
Galloping over to her, his head flung back,
He stumbled, and broke a leg, and had to be shot.


                      xxxxxxxxxxxxxxx


O QUAGA


Pelo meio do século restavam apenas dois quagas
E um deles era macho.
As preocupações do cargo pesavam-lhe muito.
Quando se é o único macho de uma espécie
Não é fácil levar um curso de vida normal.

As cabras tasquinhavam e arrotavam com contentamento fortuito;
Trepavam e resvalavam para cima e para baixo numa montanha de cimento.
Alguma podia cortar a garganta num vidro quebrado,
Outra chegar demasiadamente perto dos tigres.
Mas tinham maridos zelosos; e a cerca estava sempre repleta,
O seu ar rançoso vibrando com vozes ingénuas.

O quaga, todavia, era um homem de destino.
A mulher, que tinha conhecido já tarde na vida dela,
Preferia dormir ou queixar-se da comida e do tempo,
Pois o pequeno jardim deles era tudo menos paradisíaco,
Com o seu sol artificial, que queimava ou era frio,
E sábios com câmaras em redor, constantemente,
Para perpetuar o único quaga macho do mundo.

Talvez fosse por isso que falhava em fazê-lo.
Está tudo muito bem para cabras e macacos -
Mas o último macho da espécie está sujeito a pressões peculiares.
Se o velho Satã tivesse por ali deslizado, talvez...
Mas, na vez dele, os sábios, com câmaras e cadernos,
Escrevendo tristes histórias sobre a decadência dos quagas.

E então numa tarde abafada desatou a provocar desordem.
Este jovem quaga irado escouceou as grades e partiu uma câmara;
Tentou mesmo morder o seu atónito cuidador.
Protestou alto e bom som contra isto e aquilo,
Até os outros animais ficarem bastante incomodados,
Pois parecia que estava a chamar-lhes nomes.

Então reparou na sua mulher, que acordara com o barulho,
E uma estranha emoção palpitou ao redor da sua barriga.
Ele era Adão; aí estava Eva.
Galopando em direcção a ela, a cabeça atirada para trás,
Tropeçou e partiu uma perna e teve de ser abatido.

quarta-feira, 12 de maio de 2021

MIROSLAV HOLUB


INJECÇÃO

Perguntaste
    qual era o significado da gota e
    que sentiam os coelhos
    quando todos os segundos
    testemunhavam contra eles.

Repara apenas,
    com botas de três polegadas
    chega o julgamento
    e como voz clamando das profundezas
    o sangue agora aparece,
    (De que outra forma podia o coração
    prestar juramento?)

E nesse silêncio vidrado
    concordando com um simples movimento,
    sentimos na ponta dos dedos
    o peso da vida
    e uma estranha alegria
                                em sermos livres
                                                            de perguntar

Sem respostas.

 AURORA LUQUE


RETRATACIÓN

- Querido Marco Aurelio. mis disculpas.
Hace veintidós años confesé en mi epitafio
provisional e islómano
que prefería el ánimo viajero de Estrabón,
su placer en los mapas,
su novelar el mar,
su amor al horizonte que está ebrio
porque bebió del mar color del vino,
a tus meditaciones melancólicas
a corazón cerrado.
Hay auroras homéricas,
hay dias aurelianos.
                                 Hoy me acerco a tu mesa
fatigada en un bosque hostil al sol
sin claros zambranianos,
sin senderos,
recrecido se tóxicos helechos,
de bárbaros rabiosos,
de troncos severísimos que no dan dulces higos.

Digamos que la vida
se nos ha ido encharcando
con lluvias de Panonia
y que son las batallas entre tribus 
cada vez más feroces y sangrientas.
Se trata de esperar, sin más, las estaciones
como espera el olivo
sus brotes y su viento plateado,
su aceituna caída entre la tierra.


            xxxxxxxxxxx


RETRATAÇÃO

- Querido Marco Aurélio, as minhas desculpas.
Há vinte e dois anos confessei no meu epitáfio
provisório e islómano
que preferia o ânimo viajante de Estrabão,
o seu prazer nos mapas,
o seu amor ao horizonte que está ébrio
porque bebeu do mar cor de vinho,
às tuas meditações melancólicas
de coração fechado.
Há auroras homéricas,
há dias aurelianos.
                                Hoje acerco-me à tua mesa
fatigada num bosque hostil ao sol
sem claridades zambranianas,
sem veredas,
acrescido de fetos tóxicos,
de bárbaros raivosos,
de troncos severíssimos que não dão doces figos.

Digamos que a vida
se foi encharcando
com chuvas de Panónia
e que as batalhas entre as tribos são
cada vez mais ferozes e sangrentas.
Trata-se de esperar, apenas, as estações
como espera a oliveira
os seus rebentos e o seu vento prateado,
a sua azeitona caída na terra.

segunda-feira, 10 de maio de 2021

 PABLO GARCÍA CASADO


como un tornado que pasara lentamente
la vida esparció los objetos por las cuatro
esquinas de este mapa objetos

de escaso valor souvenirs bolígrafos gastados
transistores sin pilas y prendas prendas como esa falda

tirada por el suelo
recuerdo el día que la compraste ¿qué es esto? no
no voy a ponérmela es demasiado corta cien mil veces

en cócteles en verbenas en domingos estúpidos en casa
bailando para ti sólo para ti cien mil veces me la puse
sin bragas sin nada debajo como tú me pedías y ahora ves

tirada por el suelo
se la pone luisa para jugar con las amigas

si vieras cómo ha crecido em pocos meses


           xxxxxxxxxxxxxx


SAIA

como um tornado que tivesse passado lentamente
a vida espalhou os objectos pelas quatro
esquinas deste mapa objectos

de escasso valor souvenirs esferográfica usadas
transistores sem pilhas e peças de vestuário peças como essa saia

atirada para o chão
recordo o dia em que a compraste que é isto? não
não vou usá-la é demasiado curta cem mil vezes

em cocktails em verbenas em domingos estúpidos em casa
dançando para ti para ti cem mil vezes a usei
sem cuecas sem nada por baixo como tu me pedias e agora vês

atirada para o chão
usa-a luisa para brincar com as amigas

se visses como cresceu em poucos meses  

domingo, 9 de maio de 2021

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


RUSIA

Me puse a divagar y pensé en Rusia:
también pansé que el alma es como Rusia
y que son sus fronteras las de Rusia,
amenazadas por las mismas hordas.
Después pensé en un carro de combate
que avanza por la estepa día y noche
dejando sus rodadas infinitas
en los fangales del primero deshielo.
Por su torreta asoma la figura
de un hidalgo espectral y delirante
que a grandes voces desafía el mundo
y pide a Dios la salvación del diablo.


           xxxxxxxxxxxxxxx


RÚSSIA

Pus-me a divagar e pensei na Rússia:
também pensei que a alma é como a Rússia
e que são suas fronteiras as de Rússia,
ameaçadas pelas mesmas hordas.
Depois pensei num carro de combate
que avança pela estepe dia e noite
deixando as suas rodadas infinitas
nos lodaçais do primeiro degelo.
Pela sua torre assoma uma figura
de um fidalgo espectral e delirante
que aos berros desafia o mundo
e pede a Deus a salvação do diabo.

sábado, 8 de maio de 2021

 ANTHONY HECHT


DEATH THE JUDGE

Here's Justice, blind as a bat,
(Blind, if you like, as Love)
And yet, because of that,
Supreme exemplar of

Unbiased inquiry,
Knowing ahead of time
That nobody is free
Of crime or would-be crime,

And in accordance (closed
To Fortitude, Repentance,
Compassion) has composed
His predertemined sentence,

Ahd in his chambers sits
Below a funeral wreath
And grimaces and spits
And grins and picks his teeth.


    xxxxxxxxxxxxx


MORTE, O JUIZ

Eis a Justiça, cega que nem um morcego
(Cega, se quiserem, como o Amor)
E todavia, por causa disso
Exemplar supremo de

Inquérito imparcial,
Sabendo, antes do tempo,
Que ninguém está livre
Do crime ou da sua possibilidade

E em conformidade (impérvia
A Coragem, Arrependimento,
Compaixão) redigiu 
A sua sentença pré-determinada

E sentou-se nos seus aposentos
Debaixo de uma grinalda funerária
E faz esgares e cospe,
Irónico sorri e palita os dentes

sexta-feira, 7 de maio de 2021

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


ETERNO FEMENINO

Me psicoanalizaban unas chicas
guapísimas, muy altas y muy fuertes,
con pinta de valquírias o amazonas.
Iban todas con gafas y con blusas
muy blancas, gentilmente descotadas,
y faldas negras, mínimas, de cuero,
y pelo recogido y labios gordos
que decian "comedme" a cada instante.
Cuadernos y bolígrafos en riste,
parecían atentas a la historia
banal que yo, implacable, les contaba,
emocionado ante su complacencia.
Les hablé de mi vida desde el puento
de vista que juzgué más favorable
para mí, como suelen hacer todos
los que hablan de su vida, subrayando
las acciones heroicas y omitiendo
los vicios, las traiciones, los crímenes.
Concluido el ditirambo, comenzaban
a desnudarse cuando, de repente,
se me ocurrió que tanta maravilla
no era real, que en algo tan estúpido
y crüel como que alguien tome nota
de tus jactancias y tus abyecciones
no podían tomar parte unas damas
tan guapas como aquéllas. De manera
que opté por escapar. Cerré los ojos,
me encomedé a mi madre y a mi novia
y, dejando el diván, salté al vacío.


                xxxxxxxxxxxxx


ETERNO FEMININO

Psicoanalisavam-me umas raparigas 
lindíssimas, muito altas e muito fortes,
com pinta de valquírias ou amazonas.
Tinham todas óculos e blusas
muito brancas, gentilmente decotadas,
e saias negras , mínimas, de couro,
o cabelo apanhado e lábios espessos
que diziam "come-me" a cada instante.
Cadernos e esferográficas em riste,
pareciam atentas à história 
banal que eu, implacável, lhes contava,
emocionado, ante a sua complacência.
Falei-lhes da minha vida desde o ponto
que julguei mais favorável
pra mim, como costumam fazer todos
os que falam da sua vida, sublinhando
as acções heróicas e omitindo
os vícios, as traições e os crimes.
Concluído o ditirambo, começavam
a desnudar-se quando, de repente,
me ocorreu que tanta maravilha
não era real, que em algo tão estúpido
e cruel como alguém a tomar nota
das tuas jactâncias e das tuas abjecções
não podiam tomar parte umas damas
tão bonitas como aquelas. De forma
que optei por escapar. Fechei os olhos,
encomendei-me à minha mãe e à minha noiva
e. deixando o divã, saltei para o vazio.

         

quinta-feira, 6 de maio de 2021

 JON JUARISTI


EPÍSTOLA A LOS VASCONES 

                                  Arnaldo de Oyenarte (1592-1675)


                         I

Amigos, romos paisanos, prestadme oídos:
del polvo sepucral me he levantado 
para pediros póstuma indulgencia.

Pues os vi tan menguados de talento,
tan inermes. Dios mío, ante los filos
de la agudeza ajena,
me disteis tanta pena,
que di a mi vez salida al amoroso
impulso que en mi pecho se agitaba
(aunque hablando de dar, ¿qué se me daba
de vuestra mala baba,
si sólo me pagabais con denuestos?
¿Creéis que me embolsaba los impuestos,
los míseros impuestos que os cobraba?),
me disteis tanta pena, en fin, decía,
que, en vuestra lengua aldeana,
que era también la mía
(distingo: era la mía, mas no tanto.
Sabéis que prefería el raro encanto
del francés de Ronsard, o el sermo gravis
de Tácito, Polibio y Tito Livio.
si bien, de cuento en viento, y por alivio
del fatigoso estudio,
en vuestra ruda jerga de pastores,
requería de amores
a mis lindas vecinas
por las pina colinas suletinas).
decía pues que en vuestra dulce parla
(prefiero por ahora no nombrarla),
en el rústico idioma
que preservasteis del letal contagio
de la corrupta Roma,
libre de los errores de Pelagio,
de Lutero, Calvino y Galileo,
que guarda un fresco aroma 
de estiércol y de poma
y del ágil cabrón del Pirineo,
practiqué con vosotros, gente ingrata,
de Bayona a Ciordia,
obras de calidad y de misericordia.


                  II

Aún oigo ante mi puerta
el estruendo del bronco charivari.
Talasteis los frutales de mi huerta.

No estuvo bien aquuelo. Yo sabía
que no ibeis a nombrarme lendacari
en premio de mi excelsa poesía,
pero no suponía
que a tanto alcanzaría vuestra saña,
a tanto, que si a uña
de caballo trotón no gano España
o las suaves planícies de Gascuña,
ese día me dejó
en vuestras negras uñas el pellejo.


                III

Os hablo como amigo y al abrigo
del rigor que podáis usar conmigo
(en mi presente condícion, qué importa).
Pensaba, por mi parte:
"Al fin estes palurdos oyen arte.
Si mi ejemplo cundiera,
al cabo de diez siglos, el eusquera,
hoy bárbaro y enteco,
rivalizar podría con el checo,
y un escaldún cualquiera
- un fraile capuchino o un rebeco -
sería candidato a un premio sueco".
Fue vana mi esperanza,
porque seguís tan brutos como antes,
sin Franco y con Ardanza.
Tres siglos han pasado. Os hago gracía
de los siete restantes.
Nunca serán bastantes
para vencer la fiera contumacia
con que habéis resistido
a todo sabio que en el mundo ha sido.


                  IV

¿Os ofendéis? Ya veo.
Estando así las cosas, no es probable
que vayáis a erigirme un mausoleo.
Será inútil que os hable
de los muchos que os quise y aún os quiero.
Mas, si he sido severo,
aunque nunca del todo negativo,
reconoced que tiengo algún motivo.
Perdonadme, que acso yo os perdone,
y disculpad también que os abandone.
Entre los muros lóbregos de Dite,
esta noche me ofrecen un convite
tres viejos camaradas,
todos ellos poetas a destajo:
John Donne, que aun siendo obispo está aqui abajo
por escribir un par de cochinadas;
Agrippa d'Aubigné, el buen hugonote;
yun tal don Luis de Góngora y Argote,
un punto filipino
condenado a una dieta de tocino
y, por ende, de frente untanto arisca,
que, cuando abre el casino,
se juega las pestañas a la brisca.
Me vuelvo, pues, a mi infernal morada,
pero os dejo mi silva enamorada.


                        V 

Paciencia, que termino,
mas no quiero dejar de dar la lata
sin antes añadir una posdata.

Sé lo que estáis pensando y adivino
vuestro juicio o prejuicio más oculto:
"Seguro que serán de la otra acera.
¡Cómo le gusta echárselas de culto!"
Lo siento. La verdad, qué más quisiera
que encontrar un paisano en la caldera,
aunque fuese tan sólo un guipuzcoano,
y refrescar con él mi pobre esquera,
que lo tengo dejado de la mano.
Pero eso es imposible.
Sin ánimo de zumba,
os voy a revelar algo terrible:
no ha entrado aquí jamás un vasco neto.
Para alguien que ha pasado por la tumba
ya no es ningun secreto
que Dios, en su infinita Providencia,
no quiso que probaseis las manzanas
del Árbol de la Ciencia
)o no teníais ganas).
Lo cierto es que os rodea un halo, un nimbo
de honradez, de inocencia, de pureza.
Tened, hermanos míos, la certeza
de que os espera el Limbo.
Iréis todos al Limbo. De cabeza.


          xxxxxxxxxxxxxxxx


EPÍSTOLA AOS BASCOS

 
                                            Arnaldo de Oyenarte (1592-1675)

                           
                   I

Amigos, conterrâneos obtusos, prestem-me atenção:
do pó sepulcral me levantarei
para pedir-vos póstuma indulgência.

Pois vos vi tão minguados de talento,
tão inermes, Deus meu, ante os fios
da agudeza alheia,
destes-me tanta pena
que, pela minha vez, dei saída ao amoroso
impulso, que no meu peito se agitava
(ainda que falando de dar, que me importava
que gastasses saliva,
se só me pagáveis com injúrias?
Credes que embolsava impostos,
os míseros impostos que vos cobrava?),
destes-me tanta pena, dizia,
que na vossa língua aldeã,
que era também a minha
(distingo, era a minha, mas não tanto,
sabeis que preferia o raro encanto 
do francês de Ronsard, ou o sermo gravis
de Tácito, Políbio e Tito Lívio,
se bem que, quando calhava e para alívio
do fatigante estudo,
no vosso rude calão de pastores,
requeria os amores
das minhas lindas vizinhas
pelas empinadas colinas suletinas),
dizia, pois, que no vosso doce palrear
(prefiro, por agora, não nomeá-lo),
no rústico idioma
que preservastes do letal contágio
da corrupta Roma,
livre dos erros d Pelágio,
de Lutero, Calvino e Galileu,
que conserva um fresco aroma
de esterco e de pomo
e do ágil cabrão do Pirinéu,
pratiquei convosco, gente ingrata,
de Bayona a Ciordia,
obras de qualidade e misericórdia.


                  II

Agora ouço diante da minha porta 
o estrondo do bronco charivari.
Talastes os pomares da minha horta.

Aquilo foi malfeitoria. Já sabia
que não irieis nomear-me Lendakari
como prémio da minha excelsa poesia,
mas não supunha 
que tanto alcançasse a vossa sanha,
e tanto, que se acaso
de cavalo troteador não chego a Espanha
ou às suaves planícies da Gasconha,
nesse dia teria deixado
a pele nas vossas negras unhas.


                III

Falo-vos como amigo e ao abrigo
do rigor que pudesses usar comigo
(na minha presente condição, que importa).
A fé que, então, em vós tive não foi curta.
Pensava, pela minha parte:
"Por fim estes labregos ouvem arte.
Se o meu exemplo rendesse
ao cabo de dez séculos o euskera,
hoje bárbaro e enfermiço,
poderia rivalizar com o checo,
e um euscaldún qualquer
- um padre capuchinho ou um cabreiro -
seria candidato a um prémio sueco".
Foi vã a minha esperança,
porque seguis tão brutos quanto antes,
sem Franco e com Ardanza.
Passaram três séculos. Dou de presente
os restantes sete.
Nunca serão bastantes
para vencer a fera contumácia
com que tendes resistido
a todo o sábio que no mundo tem existido.


               IV

Ofendo-vos? Já vejo.
Estando assim as coisas, não é provável
que acabeis por erigir-me um mausoléu.
Será inútil que vos fale
do muito que vos quis e ainda vos quero.
Porém, se fui severo,
ainda que nunca de todo negativo,
reconhecei que tenho algum motivo.
Perdoai-me, que talvez eu vos perdoe
e desculpai que vos abandone.
Entre os muros melancólicos de Dite,
esta noite endereçam-me um convite
três velhos camaradas,
todos eles poetas prezados:
John Donne, que ainda que sendo bispo está cá em baixo
por ter escrito um par de trapalhadas;
Agrippa d'Aubigné, o bom huguenote,
e um tal de Luis de Góngora y Argote,
um desavergonhado,
condenado a um dieta de toucinho
e, além disso, de um semblante um tanto arisco
que, quando abre o casino,
joga os fundilhos na bisca.
Volto, pois, à minha infernal morada,
mas deixo-vos a minha silva enamorada.


                
                      V

Paciência, que termino,
mas não queria deixar de importunar
sem antes acrescentar um post-scriptum.

Sei o que estais pensando e adivinho
o vosso juízo ou prejuízo mais oculto:
"Seguro que serão do outro bando.
Como lhe agrada armar-se em culto!"
Lamento. A verdade é que muito gostaria
de encontrar um paisano na caldeira,
ainda que fosse apenas um guipuzcoano,
e refrescar com ele o meu pobre eusquera,
que tenho deixado muito de lado.
Mas tal é impossível.
Sem ânimo de chacota,
vou revelar-vos algo terrível:
aqui nunca entrou um basco puro.
Para alguém que passou pela tumba
já não é nenhum segredo
que Deus, na sua infinita Providência,
não quis que provasses as maçãs
da Árvore da Ciência
(ou nem vos apetecia).
O certo é que vos rodeia um halo, um nimbo
de honradez, de inocência, de pureza.
Tende, irmãos meus, a certeza
de que vos espera o limbo.
Ireis todos ao limbo. De cabeça.

                      
 





                   

terça-feira, 4 de maio de 2021

 WELDON KEES


A GOOD CHORD ON A BAD PIANO

The fissures in the studio grow large.
Transplanting from the Rivilo, no doubt.
Such latter-day disfigurements leave out
All mention of the older scars that merge
On any riddled surfaces about.

Disgusting to be sure. On days like these,
A good chord  on a bad piano serves
As well as shimmering harp-runs for the nerves,
F minor with the added sixth. The keys
Are like old yellow teeth; the pedal swerves.

The treble whites vibrate, break and bend:
The padded mallets fly apart.
Both instrument and rooms have made a start.
Piano and scene are doubled to the end.
Like all the smashed-up baggage of the heart.


          xxxxxxxxxxxxxxxxx


UM BOM ACORDE NUM MAU PIANO

As fissuras no estúdio alargam-se.
Transplantadas do Rivoli, sem dúvida.
Desfiguramentos tão tardios deixam de fora
Toda a menção a cicatrizes mais antigas que combinam
Em qualquer superfície enigmática próxima.

Repugnante, por certo. Em dias como estes,
Um bom acorde num mau piano serve
Tão bem como escalas de harpa para os nervos,
Fá menor, com sexta acrescentada. As teclas
São como velhos dentes amarelos; o pedal desvia;

As cordas de agudos vibram, partem e dobram,
Os malhos almofadados voam em pedaços.
Instrumento e salas construíram um início.
O piano e a cena em duplicado até ao fim,
Como toda a mobília estilhaçada do coração.


segunda-feira, 3 de maio de 2021

 VÍCTOR BOTAS


TESEO

Si Teseo llevó consigo a Ariadna
por el mar como vino (ya no sé 
si la frase es de Sciascia o es del bueno
de Homero) solamente
por gratitud,no es raro 
que la dejara así, echando un sueño,
en las rubias arebas de Naxos.
No es raro, no; Teseo
tenía que escapar de aquella cárcel                   
del agradecimiento - al amos, mes amis, no le es posible
vivir agradeciendo ni obligado
a piedad.
                Claro que cabe
también que resultara
Ariadna una sabihonda de esas que cualquiera las aguanta (hipótesis
igualmente acceptable
y que de sobra explica el abandono.)
                                                            Lo otro,
lo de liarse Ariadna con Dionisos (seamos
realistas) yo me inclino
a pensar que fue sólo un mero asunto
de vengativos celos de mujer
despechada:
                     de chica
tan lista como Ariadna (recordemos 
ese famoso hilo que a Teseo
sacó del Laberinto) no imagino
que pudiera quedarse (y menos luego
de conocer al heróe) contenta 
con un pobre borracho medio imbécil,
por muy dios que éste fuera.    
                                               (Hay que añadir
aquí otro dato muy a tener en cuenta; que Dionisos aún
no habia conseguido ni siquiera
plaza como interino en el Olimpo.)


    xxxxxxxxxxxxxxxxxxx


TESEU

Se Teseu levou consigo Ariadne
pelo mar como vinho (já não sei
se a frase é de Sciascia se é do bom
Homero) somente
por gratidão, não é estranho
que a deixara assim, entregue ao sono,
nas areias louras da praia de Naxos.
Não é estranho, não: Teseu
tinha que escapar daquele cárcere
do agradecimento - ao amor, mes amis, não lhe é possível
viver agradecendo, nem obrigado
à piedade.
                  Claro que é possível
também que acontecera
ser Ariadne uma dessas que
ninguém atura (hipótese
igualmente aceitável 
e que, de sobra, explica o abandono).
                                                             O outro,
aquilo de juntar-se Ariadne a Dionisos (sejamos
realistas) inclino-me 
a pensar que foi só um mero assunto
de ciúmes de mulher
despeitada:
                    de rapariga
tão expedita como Ariadne (recordem
esse famoso fio que a Teseu
sacou do Labirinto) não imagino
que pudesse ficar (ainda menos depois
de conhecer o herói) contente
com um pobre borracho meio imbecil
por muito deus que fosse.
                                          (Há que acrescentar
aqui outro dado muito a ter em conta: Dionisos
não tinha conseguido nem sequer
lugar como estagiário no Olimpo.)

domingo, 2 de maio de 2021

J. V. CUNNINGHAM


EPIGRAMS: A JOURNAL


[17]

Dear, if unsocial privacies obsess me,
If to my exaltations I be true,
If memories and images possess me,
Yes, if I love you, what is that to you?
My folly is no passion for collusion.
I cherish my illusions as illusion.


[30]

This Humanist whom no beliefs constrained
Grew so broad-minded he was scatter-brained.


             xxxxxxxxxxxxxxx


EPIGRAMAS: UM DIÁRIO


[17]

Querida, se a privacidade anti-social me obceca,
Se for fiel às minhas exaltações,
Se memória e imagens me possuem,
Sim, se te amo, que é isso para ti?
A minha insensatez não é paixão por fraude.
Cultivo as minhas ilusões como ilusão.


[30]

Este Humanista que crenças não constrangiam
Chegou a ser tão tolerante que ficou desmiolado.

sábado, 1 de maio de 2021

 DICK DAVIS


'And who is good? ...'

   And who is good? The man who does least damage?
The saint eho labours to transcend the human mess?
Often enough it´s some poor conscience-stricken wretch
   Terrified of his own unhapiness.


     xxxxxxxxxxxxxxx


'E quem é bom? ...'

   E quem é bom? Aquele que causa o menor dano?
O santo que labuta para transcender a mixórdia humana?
Bastantes vezes é algum miserável atazanado pela consciência,
   Aterrado com a sua própria infelicidade.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...