sexta-feira, 30 de setembro de 2022

 SZILÁRD BORBÉLY

ASSUNTOS FINAIS : INFERNO

Sentou-se na borda da cama e esperou por Ele -
desde há vários anos. Ele disse: tento esquecer
em vão. Esse dia foi como todos 
os outros, como uma pele sufocante -

repeti isto diariamente. E não podia
sequer morrer, também não era solução. Olhou para a parede.
Já não havia nenhuma luz nos seus olhos.
Apenas uns poucos pensamentos irrelevantes atravessavam

o seu cérebro. Um sorriso hesitante. "Onde estou?" -
perguntou, mas não esperava resposta.
Como com todas as outras perguntas, mal
acreditava que podesse haver respostas. Percebeu

que para aquele que tinha caído
já não há razão para ascender. "Talvez
noutravida...", dizia, por vezes. "Em vão". Pois
vivo aqui entre assassinos, que é a forma de O trair.

quinta-feira, 29 de setembro de 2022

 MIGUEL D'ORS


PARADA DE DIEZ MINUTOS

                       A Fernando González Caballero y Nati G. Rejón

El tren se ha detenido. "Dez minutos", avisa
por algún sitio un altavoz raído.
A través del cristal empañado, la tarde,
que se adormece bajo la llovizna.
                                                      Debajo
de un paraguas lustroso, en un pradillo
puesto como un remiendo en la ladera,
un paisano, fumando, apacienta dos vacas
de color de avellana.
                                  De pronto, qué nostalgia
de ser ese hombre oscuro, de que mi vida fuesen
sus vacas, su paraguas y su boina,
sus prados y sus sendas de agua negra,
su volver, ya de noche, con hierba en los zapatos,
al fuego familiar
(y me imagino el vaho que exhalará su ropa
mientras que la parenta trajina con la cena),
su gesto antiguo cuando parta el pan,
feliz con esa plena felicidad que gozan
los que ignoran que existe algo llamado
felicidad...
                  Que ese hombre no se vuelva,
que su mirada no se encontre con la mía,
que el tren se ponga en marcha
antes que en sus ojos brille la miserable 
nostalgia de ser yo.

                                        23/30-XII-1996


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PARAGEM DE DEZ MINUTOS

                                Para Fernando González Caballero e Nati G. Rejón

O comboio parou. "Dez minutos", avisa,
de parte incerta, um altifalante roufenho.
Através de vidros embaciados, a tarde,
que adormece sob o chuvisco.
                                                 Debaixo
de um guarda-chuva lustroso, num pradinho
colocado como remendo na ladeira,
um paisano, fumando, apascenta duas vacas
cor de avelã. 
                     De imediato, que nostalgia
de ser esse homem obscuro, de que a minha vida fosse
as suas vacas, o seu guarda-chuva e a sua boina,
os seus prados e as suas veredas de água negra,
o seu regresso, já de noite, com erva nos sapatos
ao fogo familiar
(e imagino o bafo que exalará a sua roupa
enquanto a comadre se atarefa no jantar),
o seu gesto antigo de partir o pão,
feliz com essa felicidade que gozam
os que ignoram que existe algo chamado
felicidade...     
                    Que esse homem não se volte,
que o seu olhar não se encontre com o meu,
que o comboio arranque
antes que nos seus olhos brilhe a miserável
nostalgia de ser eu.

                                             29/30-XII-1996

quarta-feira, 28 de setembro de 2022

GIOVANNI PASCOLI

NEVICATA

Nevica; l'aria brulica di bianco;
la terra è bianca; veve sopra neve;
gemono gli olmi a un lungo mugghio stanco:
cade del bianco sopra un tonfo lieve.

E le ventate soffiano di schianto
e per le vie mulina la bufera;
passano bimbi: un balbettìo di pianto;
passa una madre: passa una preghiera.


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NEVÃO

Neva; o ar fervilha de branco;
a terra está branca; neve sobre neve;
gemem os olmos num longo bramido cansado:
cai o branco com uma queda suave.

E a ventania sopra com estrondo
e pelas ruas rodopia a borrasca;
passam crianças: um balbuceio de choro;
passa uma mãe: passa uma reza.

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

 FRANK O'HARA

ADIEU TO NORMAN, BON JOUR TO JOAN AND  JEAN-PAUL

It is 12:10 in New York and I am wondering
if I will finish this in time to meet Norman for lunch
ah lunch! I think I am going crazy
what with my terrible hangover and the weekend coming up
at excitement-prone Kenneth Koch's
I wish I were staying in town and working on my poems
at Joan's studio for a new book by Grove Press
which they will probably not print
but it is good to be several floors up in the dead of night
wondering whether you are any good or not
and the only decision you can make is that you did it

yesterday I looked up the rue Frémicourt on a map
and was happy to find it like a bird
flying over Paris et ses environs
which unfortunately did not include Seine-et-Oise which I don't   know
as well as a number of other things
and Allen is back talking about a god a lot
and Peter is back not talking very much
and Joe has a cold and it's not coming to Kenneth's
although he is coming to lunch with Norman
I suspect he is making a distinction
well, who isn't

I wish I were reeling around Paris
instead of reeling around New York
I wish I weren't reeling at all
it is Spring the ice has melted the Ricard is being poured
we are all happy and young and toothless
it is the same as old age
the only thing to do is simply continue
is that simple
yes, it is simple because it is the only thing to do
blue light over the Bois de Boulogne it continues
the Seine continues
the Louvre stays open it continues it hardly closes at all
the Bar Américain continues to be French
de Gaulle continues to be Algerian as does Camus
Shirley Goldfarb continues to be Shelley Goldfarb
and Jane Hazan continues to be Jane Freilicher (I think!)
and Irving Sandler continues to be the balayeur des artistes
and so do I (sometimes I think I'm "in love" with painting)
and surely the Piscine Deligny continues to have water in it
and the Flore continues to have tables and newspapers and people   
  under them 
and surely we shall not continue to be unhappy
we shall be happy
but we shall continue to be ourselves everything continues to be   possible 
René Char, Pierre Reverdy, Samuel Beckett it is possible isn't it
I love Reverdy for saying yes, though I don't believe it
                                                                                               1959


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ADIEU A NORMAN, BON JOUR A JOAN E JEAN-PAUL

São 12:10 em Nova Iorque e pergunto-me
se acabarei isto a tempo de me encontrar com Norman para o almoço
ah o almoço! penso que estou a enlouqecer
com uma ressaca terrível e a perspectiva do fim-de-semana
em casa do excitável Kenneth Koch
desejaria ficar na cidade e trabalhar nos meus poemas
no estúdio de Joan para um novo livro pela Grove Press
que provavelmente não editarão
mas é bom estar num andar alto no coraçáo da noite
duvidando ter-se ou não algum valor
e a única decisão possível é que se fez

ontem procurei a rue Frémicourt num mapa
e fiquei feliz por a encontrar como um pássaro
voando sobre Paris et ses environs
que infelizmente não incluía Seine-et-Oise que não conheço
bem como várias outras coisas
e Allen regressou falando muito de deus 
e Peter regressou não falando muito
e Joe está constipado e não vai a casa de Kenneth
embora vá almoçar com Norman
suspeito que esteja a fazer uma escolha
mas quem não está

desejaria estar cambaleando por Paris
em vez de cambalear por Nova Iorque
desejaria no fundo não cambalear
é Primavera o gelo derreteu o Ricard é servido
somos todos felizes e jovens e desdentados
é igual à velhice
a única coisa a fazer é continuar simplesmente
é tão simples
sim, é simples porque é a única coisa a fazer
poderás fazê-lo
sim, podes porque é a única coisa a fazer
a luz azul sobre o Bois de Boulogne continua
o Sena continua
o Louvre mantem-se aberto continua quase nunca fecha
o Bar Américain continua a ser francês
de Gaulle continua a ser argelino tal como Camus
Shirley Goldfarb continua a ser Shirley Goldfarb
e Jane Hazan continua (penso!) a ser Jane Freilicher
e Irving Sandler continua a ser o balayeur des artistes
e eu também (por vezes penso que me "apaixonei" pela pintura)
e seguramente a Piscine Deligny continua a ter água
e a Flore continua a ter mesas e jornais e pessoas debaixo deles
e seguramente não continuaremos a ser infelizes
seremos felizes
mas continuaremos a ser nós mesmos tudo continua a ser possível
René Char, Pierre Reverdy, Samuel Beckett é possível não é
eu amo Reverdy por dizer sim, embora não acredite
                                                                                           1959

domingo, 25 de setembro de 2022

LUCIANO ERBA


GLI INCARICATI


Il mio compagno di Piazza Aquileia
avvocato, com un soprabito grigio
distinto, dal passo affrettato
non há età, há una borsa, un capello
lo rivedo ogni tanto da quanto
ho ripreso l’uso del tram
lo vedo di spalle, è di quelli
che vedo sempre di spalle
fa pensare a una vecchia fotografia
di uno che non sai più chi sia.
Quando scende dal 30/29
alto, col suo soprabito a vita
quel mio compagno (cominciava por enne)
mi transmette l’incarico, só io quale
mentre il tram riprende la corsa
sotto i platani di un altro viale. 


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OS ENCARREGADOS


O meu companheiro da Piazza Aquileia
advogado, com um sobretudo cinzento
distinto, de passo apressado
não tem idade, tem uma pasta, um chapéu
revejo-o de vez em quando desde
que voltei a apanhar o eléctrico
vejo-o de costas, é daqueles
que vejo sempre de costas
faz pensar numa velha fotografia
de alguém que já não se sabe quem seja.
Quando se apeia do 29/30
alto, com o seu sobretudo cintado
esse meu companheiro (começava por ene)
transmite-me o encargo, eu sei qual
enquanto o eléctrico retoma o curso
sob os plátanos de outra avenida. 

sábado, 24 de setembro de 2022

 NEIDHART VON REUENTHAL
              (...1219-1246)   

  Na montanha e no vale
ergue-se, de novo, a voz dos pássaros;
agora, como antes,
o trevo verde.
Vai-te, Inverno, com teus danos.

  As árvores, antes pálidas,
têm todas novos ramos, 
cheios de pássaros:
que alegria!
Devemos pagar tributo a Maio.

  Um velho lutou com a morte
durante o dia e a noite.
Logo saltou 
como um bode
e derrubou os jovens todos.



sexta-feira, 23 de setembro de 2022

 DURS GRÜNBEIN

NAS PROVÍNCIAS II

                                           (EM GOTLAND)


À distância era tudo o que havia para ver,
Uma paisagem ondulante reunida no olho de um bútio,
As colinas desnudas, uma vereda e ao lado
Uma pata de coelho no mato, agitada pelo vento,
Um tornozelo bem roído , que não pesava mais
Na mão que um pássaro recém-nascido,
Ainda a mover-se, ainda quente, que saltava 
Da frigideira, ensanguentado como a presa
Da cinzenta ave de rapina, na pua da sorveira brava -
Um pequeno pedaço de osso, acenando com a ondulação do pêlo.

Era tudo o que sobrava do coelho
Depois que a sombra de uma asa lhe atravessou o caminho,
E o zigue-zague da sua corrida foi cortado por uma garra, a               respiração 
Ofegante por um bico certeiro. Como deve
Ter sido excruciante a sua morte, desoladamente disseecada
Na terra invernal, as últimas convulsões.
O único sobrevivente da matança empoleirado nos ramos;
Como testemunha subornada não se lembrava de nada.
A erva, que de novo se ergue, assegura
Que isto era tudo o que havia para ver, a pata deste coelho.

quarta-feira, 21 de setembro de 2022

 NOSSIS

Iremos ao templo,
ver a estátua de Afrodite,
trabalho delicado, em ouro.
Polyarchis ergueu-a,
a que prosperou 
pela beleza do seu corpo.


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Nada supera o amor,
as outras bênçãos prestam-lhe vassalagem.
Pelo mel que me saiu da boca,
eu, Nossis, garanto-o. Mas quem
Cypris não beijou, nunca saberá
que rosas são as suas flores.

terça-feira, 20 de setembro de 2022

 LI SHANG-YIN

DIA APÓS DIA

Dia após dia, a glória da primavera rivaliza com a glória do sol.
As estradas que serpenteiam até à cidade na colina cheiram a flores de   amendoeira.
Quanto tempo até que os fios do coração, livre de cuidados,
Flutuem, como a alfazema, por longa distância-

segunda-feira, 19 de setembro de 2022

 CHARLES SIMIC

DIRECTIONS

Some dark alley that could
Take me home faster,

Concealed hereabouts
Among these venerable tenements

Boarded up for the night
With their cargo of insomniacs,

Huddled, lying in wait
For that first sweet dream...

And no one, thank God,
To ask for directions.


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INDICAÇÕES

Alguma travessa sombria que poderia
Levar-me mais depressa a casa,

Redondezas ocultas
Por estes apartamentos veneráveis

Alugados à noite
Com a sua carga de insones,

A monte, deitados à espera
Desse primeiro sonho feliz...

E ninguém, graças a Deus,
A quem pedir indicações.

sábado, 17 de setembro de 2022

RUSSELL EDSON

THE TERRIBLE ANGEL

    In a nursery a mother can't get her baby out of its cradle. The baby, it has turned to wood, it has become part of its own cradle.
    The mother, she cries, tilting, one foot raised, as if in flight for the front door, just hearing her husband's car in the driveway;  but can't the carpet holds her...
    Her husband, he hears her, he wants to rush to her, but can't, the door of the car won't open...

    The wife, she no longer calls, she has been taken into the carpet, and is part of it; a piece of carpet in the shape of a woman tilted, one foot raised as if to flight.

    The husband, he no longer struggles toward his wife. As if he sleeps he has been drawn into the seat of his car; a man sculptured in upholstery.

    In the nursery the wooden baby stares with wooden eyes into the last red of the setting sun, even as the darkness, that forms in the east begins to join the shadows of the house; the darkness that rises out of the cellar, seeping out from under furniture, oozing from the cracks in the floor... The shadow that suddenly collects in the corner of the nursery like the presence of something that was always there... 
              

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O ANJO TERRÍVEL

    Num quarto de criança uma mãe não consegue tirar o seu filho do berço. A criança transformou-se em madeira, tornou-se parte do próprio berço.
    A mãe chora, inclinando-se, com um pé no ar, como se fosse fugir pela porta da frente, ao ouvir o carro do marido no caminho da entrada; mas não pode, o tapete agarra-a...
    O marido, que a ouve, quer ir ao encontro dela. mas não pode, a porta do carro não abre...

    A mulher já não grita, foi arrastada para dentro do tapete, e é parte dele; um pedaço de tapete com a forma de uma mulher inclinada, com um pé no ar como se fosse fugir.

    O marido já não se debate para chegar junto da mulher. Como se dormisse foi arrastado para dentro do assento do carro; um homem esculpido em cabedal.

    No quarto a criança de madeira fixa os olhos de madeira no vermelho final do sol poente, mesmo quando a escuridão que se forma a leste começa a juntar-se às sombras da casa; a escuridão que sobe da cave, transudando debaixo da mobília, infiltrando-se pelas frinchas do soalho... A sombra que subitamente se forma no canto do quarto como a presença de algo que sempre lá esteve...


quinta-feira, 15 de setembro de 2022

AUGUST KLEINZAHLER

East of the Library, Across from the Odd Fellows Building

That bummy smell you meet
off the escalator at Civic Center, right before
you turn onto McAllister,
seems to dwell there, disembodied,
on a shelf above the sidewalk.

The mad old lady with lizard skin
bent double
                    over her shopping cart
and trailing a cloud of pigeons
is nowhere in sight.

A pile of rags here and there
but no one underneath.
                                      An invisible shrine
commemorating what?
Old mattresses and dusty flesh,

piss and puked-on overcoats, what?
                                    Maybe death,
now there's a smell that likes to stick around.
You used to find it downtown Sally Anns
and once

in a hospital cafeteria, only faintly,
after a bite of poundcake.
                                          But here it lives,
cheek by jowl with McDonald's,
still robust after a night of wind

with own dark little howdy-do
for the drunks and cops,
social workers and whores,
or the elderly couple from Zurich
leafing cooly through their guidebook.


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A Leste da Biblioteca, do outro Lado do Bizarro Edifício dos Professores

Esse cheiro vagabundo que se encontra
à saída do elevador do Civic Center, mesmo antes 
de virar para McAllister,
parece residir ali, incorpóreo,
numa estante acima do passeio.

A velha senhora louca com pele de lagarto
dobrada
              sobre o seu carro de compras
e arrastando uma nuvem de pombos
não está à vista.

Um monte de farrapos aqui e ali,
mas ninguém dentro.
                                   Um templo invisível
celebrando o quê?
Velhos colchões e carne poeirenta,

mijo e sobretudos vomitados, o quê?
                                   Talvez a morte,
mas há por certo um cheiro que gosta de permanrcer.
Costumava ser descoberto em Sally Ann, no centro
e uma vez

num café de hospital, apenas vagamente,
após uma dentada num bolo.
                                               Mas reside aqui
unha com carne com o McDonald's,
ainda robusto após uma noite de vento,

com o seu sombrio e pequeno como está
para os bêbedos e chuis,
assistentes sociais e putas,
ou o velho casal oriundo de Zurique
folheando alegremente as páginas do seu guia.


 

quarta-feira, 14 de setembro de 2022

ALEKSANDAR RISTOVIC 

ÁRVORE

Como é antiga uma árvore! Como é velha
a sua inclinação para sussurrar ao fim da tarde
enquanto caminho para casa desde a biblioteca, com livros debaixo      do braço.
Os seus ramos balançam conforme o vento lhes exige
e a sua beleza reside no que um homem ou uma criança
trazem no seu coração enquanto debaixo dela correm.
Talvez apenas Platão esperasse encontrar sabedoria 
no seu movimento constante. Primeiro um e depois outro
ramo falha em descrever um círculo,
despertando em nós apenas certas assossiações
às quis chegamos trocando a nossa experiência
do real pela nossa experiência do imaginário.
E como eu sou antiquado, pois gosto de mandriar
debaixo de uma árvore e buscar na sua aparência
algum símbolo de mortalidade e de vida eterna.

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

 FERNANDO ORTIZ
                              

VALIENTE SOLDADO DEL ARTE
                                 (Jaime Gil de Biedma)

Qué habilidad para hacerse querer
y entrar hasta en el reino de los sueños ajenos.
La inteligencia, una añagaza
a fin de soportar con dignidad
esa necesidad tan suya de admiración y afecto.
Un poquitín blasé, y era el pudor
disimulando la ternura.
Si algo aprendí de ti
es que somos contradictorios:
que la vida nos lleva, complicada y sencilla,
al igual que una copla pegadiza.
En pocas líneas, deslizaste
noches de viernes, tardes de los lunes
y entre ellas, como al gesgaire,
los momentos más puros de identidad del hombre.
Al final sospechabas
que resulta ridículo dedicar tiempo al verso.
Supiste, sin embargo, en tus poemas,
evocar con humor y placer las batallas ganadas
cantando la catástrofe, la gran guerra perdida.


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VALENTE SOLDADO DA ARTE
                                           (Jaime Gil de Biedma)

Que habilidade para fazer-se querer
e entar até no reino dos sonhos alheios.
A inteligência, um embuste
a fim de suportar com dignidade
essa necessidade tão sua de admiração e afecto.
Um bocadinho blasé, e era o pudor
dissimulado e ternura.
Se algo aprendi de ti
é que somos contraditórios;
que a vida nos leva, complicada e simples,
igual a uma copla pegadiça.
Em poucas linhas evadiste 
noites de sexta-feira, tardes de segunda,
e entre elas,como por descuido,
os momentos mais puros da identidade de homem.
Por fim suspeitavas
que resulta ridículo dedicar tempo ao verso.
Soubeste, todavia, nos teus poemas,
evocar com humor e prazer as batalhas ganhas,
cantando a catástrofe, a grande guerra perdida.


segunda-feira, 5 de setembro de 2022

D. J. ENRIGHT

THE WORD

The sage said: We are all books
In the great Library of God.
(He was a bookish person.)

One asked: Does He ever
Take us out?
We spend our years as a tale that is told.

The sage said: His will be done
In the Library as it is Elsewhere.

One asked: But perhaps
He is only interested in first editions,
Not in reprints, abridgements, strip cartoon
Or other adaptations?

The sage said: His love speaks volumes.
He is a speed reader. He is no respecter
of Bestseller lists.
He suffers the little magazines to come unto Him.

Some hoped their jackets to be clean
And well pressed when the call was heard,
Their loins girded about and their lights burning.

God thought: I wrote all the books,
Now they expect Me to read them.


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A PALAVRA

O sábio disse: Todos somos livros
Na granda biblioteca de Deus.
(Era uma pessoa livresca.)

Alguém perguntou: Ele alguma vez
nos consulta?
Gastamos os anos como ums história que é contada.

O sábio disse: A Sua vontade seja feita
Na Biblioteca como é Por Toda a Parte.

Alguém perguntou: Mas talvez
Ele esteja apenas interessado em primeiras edições,
Não em reimpressões, epítomes, banda desenhada
Ou outras adaptações?

O sábio disse: o Seu amor fala volumes.
É um leitor rápido. Ele não respeita
Listas de Bestsellers.
Ela permite que pequenas revistas venham a Ele.

Alguns esperavam que os seus casacos estivessem limpos
E bem passados quando a chamada fosse ouvida,
Os seus rins cingidos e as suas lâmpadas acesas.

Deus pensou: Escrevi todos os livros,
Agora esperam que Eu os leia.

sábado, 3 de setembro de 2022

 MIROSLAV HOLUB

METADE DE UM OURIÇO-CACHEIRO

A metade traseira fora atropelada,
deixando a cabeça e o tórax
e as pernas dianteiras do molde doouriço-cacheiro.

Um grito de uma maxila 
torcida. O grito de um mudo é
mais horrível que o silêncio depois de um dilúvio,
quando até cisnes negros flutuam 
de barriga para cima.
E mesmo se algum curandeiro de ouriços-cacheiros
se encontrasse num tronco oco ou por baixo das folhas
de madeira de faia não haveria esperança
para essa mísera metade na estrada E 12.

Em nome da lógica,
em nome da teoria da dor,
em nome do Deus pai dos ouriços-cacheiros, o filho
e o espírito santo ámen,
em nome de jogos e framboesas verdes,
em nome de cascatas de amor
sempre diferentes e sempre sangrentas,
em nome das raízes que cobrem
as cabeças de fetos abortados,
em nome da beleza satânica,
em nome da pele com semelhança humana,
em nome de todas as metades 
e duplas hélices, de purinas
e pirimidinas

tentámos atropelar 
a cabeça do ouriço-cacheiro com a roda da frente.

E foi como guiar um módulo lunar
a uma distância planetária
de um centro de controle acometido
de sono cataléptico.

E a missão falhou. Saí
e encontrei um pedaço de tijolo pesado.
Metade do ouriço-cacheiro continuava a gritar. e então
o grito tornou-se fala,
preparada pelas 
abóbodas dos nossos túmulos:
Então a noite virá e terá os teus olhos.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

AURORA LUQUE

LAS REFUGIADAS, SEGUN ESQUILO 

Arena entre los dedos de los pies.
No sabíamos nada de nudos ni de remos.
Aprendimos tareas de aparajo
en las finas arenas del Nilo, frente al mar.
De todas las desgracias
elegimos al menos la más noble,
la de huir libremente.
Viajamos, como Ío,
huyendo de los lechos donde Eros 
sembró tábanos, celos, asfixia, propietarios.
La nave es nuestra ágora flotante.
Navegamos en busca de ciudad.
- ¿una ciudad buscás?
- Oh, sí, la deseamos. Podemos construirla.
Sabemos como alzar
los altares. A Atenea naviera
con nuestros labios libres 
le rezamos en Rodas.
No crezcan en las casas
cuevas de rudes cíclopes.
Ansiamos buscar fuentes
en las entrañas limpidas de la tierra.
Los huertos no los riegue
la sangre del dios Ares.


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AS REFUGIADAS, SEGUNDO ÉSQUILO

Areia entre os dedos dos pés.
Não sabiamos nada de nós nem de remos.
Aprendemos tarefas de aprestos
nas finas areias do Nilo, junto ao mar.
De todas as desgraças 
escolhemos, pelo menos, a mais nobre,
a de fugir livremente.
Viajámos, como Io,
fugindo dos leitos onde Eros
semeou moscardos, ciúmes, asfixia, proprietários.
A nave é a nossa ágora flutuante.
Navegamos em busca da cidade. 
- Buscais uma cidade?
- Oh, sim, desejamo-la. Podemos construi-la.
Sabemos como erguer
os altares. A Atena navegadora
com os nossos lábios livres
rezamos em Rodes.
Não cesçam nas casas
cavernas de rudes cíclopes
Ansiamos buscar fonte
nas entranhas limpas da terra.
Que as hortas não sejam regadas
pelo sangue do deus Ares.

quinta-feira, 1 de setembro de 2022

 PABLO GARCÍA CASADO

TODO SOBRE MI PADRE


Estoy pensando en mí mismo, justo antes de nacer, sentado en la sala de espera de una maternidad. Tengo veintecinco años y ya he aprendido algunas certezas. Algunas amargas renuncias. Pero ahora eso da igual, porque ha nacido mi hijo y estoy dispuesto a jurar los los Principios del Movimiento. Por este niño moreno y entermizo. Por este amor que todavía desconozco, esta mujer que me fascina.

Estoy pensando en mí mismo, tengo veintecinco años, pronto emprenderé un largo viaje. A las playas desertas de Salou, a los apartamentos vacíos del invierno, donde hemos sido felices, ajenos al ruido de una España mortecina. Él y yo, y esa mujer que en lafoto nos abraza. Esa mujer que hoy abraza a mi hijo, también con gafas, con la misma sonrisa de mi padre.

Estoy pensando en mi hijo cuando veo a mi padre. Yo soy mi padre.


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TUDO SOBRE O MEU PAI

Estou pensando em mim mesmo, mesmo antes de nascer, sentado na sala de espera de uma maternidade. Tenho vinte e cinco anos e já aprendi algumas certezas. Algumas amargas renúncias. Mas agora tanto faz, porque nasceu o meu filho e estou dispodto a jurar os Princípios do Movimento. Por essa criança morena e enfermiça. Por este amor que todavia desconheço, esia mulher que me fascina.

Estou pensando em mim mesmo, tenho vinte e cinco anos, logo empreenderei uma longa viagem. Às praias desertas de Salou, aos apartamentos vazios do inverno, onde fomos felizes, alheios ao ruído de uma Espanha moribunda. Ele e eu e essa mulher que na foto nos abraça. Essa mulher que hoje abraça o meu filho, também com óculos, com o mesmo sorriso do meu pai.

Estou pensando no meu filho quando vejo o meu pai. Eu sou o meu pai.  

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...