sexta-feira, 30 de julho de 2021

 FERNANDO ORTIZ


A ALTAS HORAS

En esta noche de noviembre y frío,
inacabable, porque el sueño tarda,
muy avanzada ya la madrugada,
a los cuarenta años de mi vida,
quiero dejarme de literaturas
para contar al fin lo que me importa.

   Quedarme sin tabaco, qué fastidio.


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A ALTAS HORAS

Nesta noite de novembro e frio,
inacabável, porque o sono tarda,
muito avançada já a madrugada,
aos quarenta anos da minha vida,
quero deixar-me de literaturas
para contar, por fim, o que me importa.
   
   Ficar sem tabaco, que chatice.

quarta-feira, 28 de julho de 2021

 D. J. ENRIGHT


TO OLD CAVAFY, FROM A NEW COUNTRY

"Imperfect? Does anything human escape
That sentence? And after all, we get along."

But now we have fallen on evil times,
Ours is the age of goody-goodiness.

They are planning to kill the old Adam,
Perhaps at this moment the blade is entering.

And when the old Adam has ceased to live,
What part of us but suffers a death?

The body still walks and talks,
The mind performs its mental movements.

There is no lack of younger generation
To meet the nation's needs. Skills shall abound.

They inherit all we have to offer.
Only the dead Adam is not transmissive.

They will spread their narrowness into space,
The yellow moon their whitewashed suburbs.

He died in our generation, the old Adam.
Are our children ours, who did not know him?

We go to a nearby country, for juke-boxes and
Irony. The natives mutter, "Dirty old tourists!"

We return, and our children wrinkle their noses.
Were we as they wish, few of them would be here!

Too good for us, the evil times we have fallen on.
Our old age shall be spent in disgrace and museums.


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PARA O VELHO CAVAFY, DESDE UM NOVO PAÍS

"Imperfeito? Algo humano escapará 
Dessa sentença. E, apesar de tudo, prosseguimos."

Mas agora caímos em tempos depravados,
É nossa a idade de ser bonzinho.

Estão a planear a morte do velho Adão,
Neste momento, talvez a lâmina já esteja a entrar.

E quando o velho Adão tenha acabado de viver,
Que parte de nós não terá sofrido uma morte?

O corpo ainda caminha e fala,
A mente cumpre os seus movimentos mentais.

Não existe falta de geração mais nova
Para satisfazer as necessidades da nação. Competências abundarão.

Eles herdam tudo o que temos para oferecer.
Apenas o Adão morto não é transmissível.

Espalharão a sua tacanhez para o espaço,
A lua amarela os seus subúrbios caiados.

Morreu na nossa geração, o velho Adão.
Serão nossos os nossos filhos, que não o conheceram?

Vamos para um país vizinho, pelas juke-box e
A ironia. Os nativos murmuram, "Velhos turistas imundos!"

Regressamos e os nossos filhos torcem o nariz.
Fossemos nós como eles queriam, poucos estariam aqui!

Demasiado bons para nós, os tempos depravados em que caímos.
A nossa velhice será gasta em desgraça e museus.

 

terça-feira, 27 de julho de 2021

 MIROSLAV HOLUB


BREVE REFLEXÃO SOBRE GATOS CRESCEREM EM ÁRVORES

Quando as toupeiras ainda tinham reuniões gerias anuais
   e quando tinham uma visão melhor aconteceu
   expressaram o desejo de descobrir o que
   havia lá em cima.
Então elegeram uma comissão para verificar o que havia lá em cima.
A comissão elegeu uma toupeira de vista apurada e pés
ligeiros. Tendo deixado a sua mãe terra nativa,
descobriu uma árvore com um pássaro nela.

Assim foi proposta uma teoria de que lá em cima
   pássaros cresciam em árvores. Todavia,
   algumas toupeiras pensaram que tal era
   demasiado simples. Por isso, enviaram outra
   toupeira para confirmar que pássaros cresciam em árvores.

Então já era o fim da tarde e na árvore
   alguns gatos miavam. Gatos a miar,
   a segunda toupeira anunciou, cresciam nas árvores.
Assim, uma teoria alternativa cresceu sobre gatos.

As duas teorias contraditórias perturbaram um velho
   membro neurótico da comissão. E ele
   trepou para verificar por si próprio.
Então já era noite e estava escuro como breu.

Ambas as escolas estão enganadas, declarou a venerável toupeira.
   Pássaros e gatos são ilusões ópticas produzidas
   pela refracção da luz. De facto, as coisas lá em cima

Eram idênticas às de baixo, só que o barro era menos denso e
   as raízes das árvores estavam a murmurar algo,
   mas muito pouco.

E assim ficou.

Desde então as toupeiras têm ficado de baixo do solo:
   não constituem comissões,
   nem pressupõem a existência de gatos.

Ou, se tanto, apenas um pouco.

domingo, 25 de julho de 2021

 AURORA LUQUE


VARIACIÓN SOBRE UN TEMA MUY ANTIGUO

Muerta quisiera estar cuando ya no me importen
el sabor de los vinos conversados, la lasitud que sigue
al fervor de un abrazo, las diferentes túnicas azules
que va estrenando el mar;
cuando deje de amar a las palabras
como esas diminutas criaturas sorprendentes
y danzantes que son;
cuando olvide los dones de una risa
filósofa y bufona
o el olor de una higuera goteante de mieles;
cuando se hayan gastado las ganas de pisar 
las olas del verano.
Cuando pierda memorias y deje de saber
que eran fardos envueltos de un tesoro.

El antiguo decía que los dioses
hicieran la vejez así de dura.
Muerta quisiera estar
cuando ya no me importen estas cosas.


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VARIAÇÃO SOBRE UM TEMA MUITO ANTIGO

Morta quisera estar quando já não me importem
o sabor dos vinhos conversados, a lassidão que segue
o fervor de um abraço, as diferentes túnicas azuis
que vai tecendo o mar;
quando deixe de amar as palavras
como essas diminutas criaturas surpreendentes
e dançantes que são;
quando olvide os dons de um riso
filósofo e bufão
ou o odor de uma figueira gotejante de mel,
quando se tiver gasto o empenho em pisar
as ondas do verão.
Quando perca memórias e deixe de saber
que eram fardos revestidos de um tesouro.

O antigo dizia que os deuses
fizeram a velhice assim dura.
Morta quisera estar
quando já não me importem essas coisas.
quando já não me importem essas 
       


            

sexta-feira, 23 de julho de 2021

 PABLO GARCÍA CASADO


SOMERS, CN

unos leen en voz alta la sentencia
pulsan el botón y rezan por el alma de la víctima
pero hay otros en la sombra gentes de oficio profesionales

cuidan el sistema eléctrico revisan
conmutadores conexiones de emergencia
el voltaje preciso la trayectoria profesionales

como yo
que responden trabajo sólo es un trabajo
y escriben poemas a favor de los derechos civiles


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SOMERS, CN

uns lêem em voz alta a sentença
carregam no botão e rezam pela alma da vítima
mas há outros na sombra gente de ofício profissionais

cuidam do sistema eléctrico revêm 
comutadores conexões de emergência
a voltagem precisa a trajectória profissionais

como eu
que respondem trabalho é só um trabalho
e escrevem poemas a favor dos direitos civis


quarta-feira, 21 de julho de 2021

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA


BATERÍA

Cuando a mi alrededor todo se hunde,
pienso en los mapas y en la artillería,
en el mundo perfecto de los mapas
y en la realidad que lo transforma.
Alguien elige un objectivo y alguien,
antes de dibujar la trayectoria,
busca las referencias del paisaje,
la torre de una iglesia, una montaña.
para medir con pulcritud los grados.
En las mesas de cálculo se esmeran
los que aplican las fórmulas de tiro
y deciden el ángulo y la carga.
Los servientes empezan su trabajo
mecánico y febril junto a las piezas
y los observadores se impacientan
por ver la nube del primer impacto.
Cuando al fin se da la orden de abrir fuego
todo se vuelve excitación y estruendo;
cada uno es responsable de su parte
y nadie es responsable del estrago.


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BATERIA

Quando à minha volta tudo se afunda,
penso nos mapas e na artilharia,
no mundo perfeito dos mapas
e na realidade que os transforma.
Alguém elege um objectivo e alguém,
antes de desenhar a trajectória,
busca as referências da paisagem,
a torre de uma igreja, uma montanha,
para medir com pulcritude os graus.
Nas mesas de cálculo esmeram-se
os que aplicam as fórmulas de tiro
e decidem o ângulo e a carga.
Os serventes começam o seu trabalho
mecânico e febril junto às peças
e os observadores impacientam-se
por verem a nuvem do primeiro impacto.
Quando, por fim, é dada a ordem de abrir fogo
tudo se torna excitação e estrondo;
cada um é responsável pela sua parte
e ninguém é responsável pelo estrago.


  

segunda-feira, 19 de julho de 2021

ANTHONY HECHT


DEATH THE SCHOLAR

                          No opinion, however absurd or incredible,
                          can be imagined which has not been main-
                          tained by one of the philosophers. DESCARTES

I bide my time, you see, I bide my time.
Recently I resumed work on the classics.
I find among these well-patinaed relics
Some glacier-capped aiguilles of the sublime.

Sophocles, for example. The best of fates...
And the Elder Pliny: The supreme happiness
Of life is that it end abruply. Yes, 
We share these quiet, twin-skulled tête-a- têtes.

Come, let me be the tutor to your hopes.
My scholarly emendations can expose
All your most cherished errors. I am of those
Who may be called authentic philantropes.

Ignorance: the one unpardonable crime.
Your Solon, Stragirites, your philosophes
To me are countrified, unpolished oafs.
I bide my time, you see, I bide my time.


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MORTE, O ERUDITO 

                              Nenhuma opinião, por absurda ou incrível,
                              que se possa imaginar, deixou de ser de-
                             fendida por um dos filósofos. DESCARTES

Aguardo o meu tempo. percebes, aguardo o meu tempo.
Recentemente retomei o trabalho nos clássicos.
Encontro neles relíquias de patina valiosa,
Algumas aiguilles de glaciares encimados de sublime.

Sófocles, por exemplo. O melhor dos destinos...
E Plínio, o Velho. A felicidade suprema
Da vida é que acabe abruptamente. Sim,
Partilhamos estes tête-a-têtes sossegados, de caveiras gémeas.

Anuí, deixa-me ser o tutor das tuas esperanças.
As minhas correcções eruditas podem expor
Todos os teus erros mais acalentados. Sou dos que
podem ser chamados filantropos autênticos.

Ignorância: o único crime imperdoável.
Os vossos Sólons, Estagiritas, os vossos philosophes
São para mim simplórios ruralizados, rudes.
Aguardo meu tempo, percebes, aguardo o meu tempo.

sexta-feira, 16 de julho de 2021

 LUIS ALBERTO DE CUENCA


EL LIBRO DE MONELLE

Se llama Marcel Schwob. Tine veintitrés años.
Su vida ha sido plana hasta el día de hoy:
Pero el relieve acecha en forma de una puta
a la que lo conduce, una noche, el azar.

Se llama Louise. Es frágil, menuda y enfermiza,
silenciosa y abyecta. Casi no se la ve.
Sólo hay terror y angustia en los inmensos ojos
que le invaden la cara, dignod de Lilian Gish.

En sus brazos Marcel olvida que mañana
citó en la biblioteca a su amigo Villon.
Se ovida hasta de Stevenson, su escritor favorito,
de Shakespeare, de Moll Flanders y del bien y del mal.

Qué tres soberbios años de amor irresistible
aguardan al judío en la paz del burdel.
El cielo de Paris aún retiene sus vanas
promesas y las tiernas caricias de Louise.

Pero lo bueno acaba. Ella muere de tisis
y Marcel languidece, privado de su sol.
"No queda más remedio que volver a los libros",
se dice, y da a las prensas El libro de Monelle.


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O LIVRO DE MONELLE

Chama-se Marcel Schwob. Tem vinte e três anos.
A sua vida está chã até ao dia de hoje.
Mas o relevo espera na forma de uma puta
a que o conduz, uma noite, o azar.

Chama-se Louise. É frágil, miúda e enfermiça,
silenciosa e abjecta. Quase não se a vê.
Só há terror e angústia nos imensos olhos
que lhe invadem a cara, dignos de Lilian Gish.

Nos seus braços, Marcel esquece que, de manhã,
tinha um encontro na biblioteca com o seu amigo Villon.
Esquece-se até de Stevenson, o seu escritor favorito,
de Shakespeare, de Moll Flanders e do Bem e do Mal.

Que três anos soberbos de amor irresistível 
aguardam o judeu na paz do bordel.
O céu de Paris ainda retém as suas vãs
promessas e as ternas carícias de Louise.

Mas o bom acaba. Ela morre de tísica
e Marcel enlouquece, privado do seu sol.
"Não há outro remédio senão regressar aos livros",
diz-se e envia para a impressora O livro de Monelle. 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

 JON JUARISTI


AGRADECIDAS SEÑAS

                                  A Luís García Montero

No tengo casa propia
ni coche. Vivo solo
y mi cuenta corriente
está en números rojos.

Habito un ventisquero,
un frío promontorio
batido por las turbias
galernas del otoño.

Pasé la cuarentena,
doblé mi Cabo de Hornos,
perdí todos los mastiles
del alma en los escollos.

He vivido en países
no demasiado exóticos,
pero del triste mundo
sé más que los geógrafos.

Nací bajo Saturno,
nocturno dios del plomo.
El mío ha sido un tiempo
tirando a tormentoso.

Mi juventud distraje
con juegos peligrosos.
Sigo siendo de izquierdas,
aunque se note poco.

No recuerdo las veces
que resbalé hasta el fondo
por el derrumbadero
de los buenos propósitos

ni quiero dar noticia
de lances más gloriosos:
volver atrás la vista
me pone melancólico.

Vaya sólo un consejo
para los paranoicos:
la amnesia, si oportuna,
aleja el mal de ojo.

Tocando a la memoria,
mejor pecar de sobrio:
mi infancia son recuerdos
de algún parque zoológico

y púberes deslices
de vate vanidoso
y megalomanía
en pantalones cortos.

Recelo hoy de los trucos
de los poetas mozos,
y a distinguir me paro
las voces de los bozos.

Amo a mí pueblo vasco,
un pueblo noble y tosco
metido en un atajo
que firmaria el Bosco.

Le dejaré en herencia
mis huesos y mis polvos
y cuatro o cinco libros
de versos rencorosos.

Y si la poesía
me ha dado casi todo
)o sea, el buen puñado
de amigos que atesoro),

reñir y enamorarme
son artes que conozco
mejor que la poesía:
juzgad ahora vosotros.


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AGRADECIDAS MORADAS

                                     Para Luis García Montero


Não tenho casa própria
nem carro. Vivo sozinho
e a minha conta corrente
está em números vermelhos.

Habito uma neveira,
um frio promontório
batido pelas turvas 
ventanias do outono.

Passei a quarentena,
dobrei o meu Cabo de Horn.
perdi todos os mastros
da alma nos escolhos.

Vivi em países
não demasiado exóticos,
mas do triste mundo
sei mais que os geógrafos.

Nasci sob Saturno,
nocturno deus do chumbo.
O meu tem sido o tempo
tirando para o tormentoso.

A minha juventude distraí
com jogos perigosos.
Continuo sendo de esquerdas,
embora se note pouco.

Não recordo as vezes
que resvalei até ao fundo
pelo desfiladeiro
dos bons propósitos,

nem quero dar notícia
de lances mais gloriosos:
olhar para trás 
põe-me melancólico.

Siga só um conselho
para os paranóicos:
a amnésia, se oportuna,
afasta o mau olhado.

No que respeita à memória
é melhor pecar por sábio:
a minha infância é recordação
de algum jardim zoológico

e púberes deslizes
de vate vaidoso
a megalomania
dentro de calções.

Receio hoje os truques
dos poetas jovens
e detenho-me a distinguir
as vozes dos buços.

Amo o meu povo basco,
um povo nobre e tosco
metido num embrulho
que assinaria Bosch.

Deixar-lhe-ei em herança
os meus ossos e o pó
e quatro ou cinco livros
de versos rancorosos.

E se a poesia
me deu quase tudo
(ou seja, o bom punhado 
de amigos que entesouro)

discutir e enamorar-me
são artes que conheço
melhor que a poesia:
julgai agora vós.

terça-feira, 13 de julho de 2021

 WELDON KEES


SARATOGA ENDING

1.
Iron, sulphur, steam: the wastes 
Of all resorts like this have left their traces.
Old canes and crutches line the walls. Light
Floods the room, stripped from the pool, broken
And shimmering like scales. Hidden 
By curtains, women dry themselves
Before the fire and review
The service at hotels,
The ways of dying, ways of sleep,
The blind ataxia patient from New York,
And all the others who were here a year ago.


2.
Visconti mad with pain. Each day,
Two hundred drops of laudanum. Hagen, who writhes
With every step. The Count, a shrunken penis
And a monocle, dreaming of horses in the sun,
Covered with flies - Last night I woke in sweat
To see my hands, white, curled upon the sheet
Like withered leaves. I thought of days
So many years ago, hauling driftwood up from the shore,
Waking at noon, the harbor birds following
Boats from the mainland. And then no thoughts al all.
Morphine at five. A cold dawn breaking. Rain.


3.
I lie here in the dark, trying to remember
Whwt my life has taught me. The driveway lights blur
In the rain. A rubber-tired metal cart goes by,
Followed by a nurse; and something rattles
Like glasses being removed after
A party is over and the guests have gone..
Test tubes, beakers, graduates, thermometers -
I reach for a cigarette and my fingers
Touch a tongue depressor that I see
As a bookmark; and all I know
Is the touch of this wood in the darkness, remembering
The warmth of one bright summer half a life ago -
A blue sky and a blinding sun, the face
Of the long dead who, high above the shore,
Looked down on waves across the sand, on rows of yellow jars
In which the lemon trees were ripening.


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FINAL EM SARATOGA

1.
Ferro, enxofre, vapor: os desperdícios
De todas as estâncias como esta deixaram as suas marcas.
Bengalas velhas e muletas perfiladas na parede. A luz 
Enche a sala, despojada da piscina, quebrada
E cintilante como escamas. Escondidas
Por cortinas, mulheres secam-se
À lareira e reveem  
O serviço no hotéis,
Os modos de morrer, modos de sono,
O doente cega, com ataxia, de Nova Iorque.


2.
Visconti, louco de dor. Todos os dias 
Duzentas gotas de láudano. Hagen, que se contorce
A cada passo. O Conde, de pénis murcho
E monóculo, sonhando com cavalos ao sol,
Cobertos de moscas. - Ontem à noite acordei suado
A ver as minas mãos enroladas sobre o lençol
Como folhas ressequidas. Pensei em dias,
Muitos anos atrás, arrastando madeira flutuante desde a margem,
Acordando ao meio-dia, as aves do porto seguindo
Barcos do continente.. A seguir, nenhum pensamento. 
Morfina às cinco. O início de uma madrugada fria. Chuva.


3.
Estou aqui, deitado no escuro, tentando recordar
O que a vida me ensinou. As luzes do acesso esfumadas
Pela chuva. Passa uma cadeira metálica, com rodas de borracha,
Seguida por uma enfermeira; e algo chocalha 
Como copos a serem removidos, depois
Do fim de uma festa e os convidados terem saído.
Tubos de ensaio, provetas, vasos graduados, termómetros -
Companheiros destes anos, que já não contabilizo.
Puxo de um cigarro e os meus dedos
Tocam num abaixador de língua que uso
Como marcador de livros; e tudo o que sei
É o toque desta madeira na escuridão, lembrando
O calor de um verão inteiro, há meia vida atrás -
Um céu azul e um sol que cegava, a cara
De alguém há muito morto, que no cimo da margem
Observa as ondas através da areia, as filas de potes amarelos
Onde os limoeiros amadureciam.

segunda-feira, 12 de julho de 2021

 VÍCTOR BOTAS


CHEQUEO

Vida normal, ya digo. (Entre paréntesis
no le convienen nada más de siete
pitillos; ni abusar del café: dos 
o tres tacitas bastaran, Y, sobre
todo, ni una gota de alcohol.) Es bueno
un poco de ejercicio, pero nada
de esfuerzos. - Doctor, son treinta y cinco
y no setenta años los que tengo , 
le dije, como hablando a las paredes.
Usted está muy sano; así que vida
normal, ya se lo digo. En cuanto
al sexo, también todo normal; en casa
y evite otras mujeres peligrosas
y muy muy excitantes - lo he probado
yo científicamente - son las citas
en secretos lugares y muy dulces;
a usted le irá mejor la sacarina.


           xxxxxxxxxxxxxx


EXAME

Vida normal, é o que digo. (Entre parênteses,
não lhe convém mais que sete
cigarros, nem abusar do café: duas
ou três chavenazinhas bastarão. E, sobretudo
nem uma gota de álcool.) è bom
um pouco de exercício, mas nada 
de esforços. - Doutor, são trinta e cinco
e não setenta anos que tenho,
disse-lhe, como se falasse para as paredes.
O senhor está muito são, portanto, vida
normal, como lhe disse. Quanto 
ao sexo, também tudo normal: em casa
e evite outras mulheres: perigosas
e muito, muito excitantes - provei-o
eu, cientificamente - são os encontros
em lugares secretos e muito doces;
e para si será preferível a sacarina. 

domingo, 11 de julho de 2021

 J. V. CUNNINGHAM


EPIGRAMS: A DIARY

[40]

To a Student

Fiction, but memory. Here  you know
Motive and act who made them so.
Life falls in scenes; its tragedies
Close in contrived catastrophes.
Much is evasion. Some years pass
With Some years later. In this glass
Reflection sees reflection's smile
And sef-engrossemente is good style.

Fiction is fiction: its one theme
Is its allegiance to its scehme.
Memoir is memoir: there your heart
Awaits the judgement of your art.
But memoir in fictitious guise
Is telling truth by telling lies-


[41]

A is A: Monism Refuted

This Monist who reduced the swarm
Of being to a single form,
Emptying the universe for fun,
Requires two A's to think them one.


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EPIGRAMAS: UM DIÁRIO

[41]

A um Estudante

Ficção, mas memória. Aqui sabes
Motivo e acto que assim os fizeram.
A vida acontece em cenas; as suas tragédias
Encerradas em catástrofes inventadas.
Muito é evasão. Alguns anos passam
com Anos mais tarde. Neste espelho
O reflexo vê o sorriso do reflexo
E auto-plágio é bom estilo.

Ficção é ficção: o seu único tema
É a sua fidelidade ao seu esquema.
Memória é memória: aí o teu coração
 Aguarda o julgamento da tua arte.
Mas memória em disfarce fictício
É dizer a verdade dizendo mentiras.


[41]

A é A: Monismo Refutado

Este monista que reduziu o enxame
Do ser a uma única forma,
A seu prazer esvaziando o universo,
Precisa de dois As para os julgar um.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

DICK DAVIS


PRAGMATIC THERAPY

Old childood traumas must come out they say -
Dig down, prise loose, let in the light of day.

You found a rusted nail stuck in a door,
Tugged, wrestled with the pliers, fume and swore

Until it snapped - and left a jagged pin
Lying in wait to snag unwary skin.

What could you do but bang it home? You hit
The thing with all your strength and buried it.


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TERAPÊUTICA PRAGMÁTICA

Os velhos traumas da infância devem aflorar, dizem -
Escava-se fundo, força-se a libertação, traz-se à luz do dia.

Encontraste um prego ferrugento numa porta,
Puxas, atacas com o alicate, praguejas colérico,

Até que se parte - e deixou uma ponta anfractuosa
Que fica à espera de rasgar a pele inadvertida.

Que poderias fazer senão martelá-lo? Bates
A coisa com toda a força e ela afunda-se.


quinta-feira, 8 de julho de 2021

 MIGUEL D'ORS


EL"PUNTO C"

Es un punto del tiempo, y también un estado
de la materia, y de ánimo. Santo Tomás de Aquino
acaso explicaríaque es un inexplicable
vacío que se abre tanquam abyssus entre
el acto y las potencias,
o entre la realidad y las ideas.

Para no enmarañarmonos en tanto latinorum,
es esa misteriosa frontera que separa
cada multicolor, sinfónica, etcétera bandada
de sueños que se vuela por la imacinación

y el pobre pajarito
-qué gris, qué poca cosa, y a ver si hasta tiñoso-
que un instante después late en tu mano
y no sabes qué hacer con él, por mucho
que el refranero diga
que vale más que aquel ciento de "puede ser".

Y para que lo entiendan
también los capricornianos (de
aquí viene la "C"), unos ejemplos: es
el átomo de tiempo en que ya hemos abierto
la caja del regalo pero aún
no nos ha defraudado; el de la conversión
de aquel maravilloso objeto X
que ayer nos deslumbraba desde el escaparate
en este objeto X que ahora nos pertence
y no es maravilloso ni deslumbra ni nada,
y a fin de cuentas ni es el mismo objeto;
es -no puedo decírselo mejor-
ese estrangulamiento del reloj
por donde la arenilla de los sueños del viernes
va cayendo a la noche tediosa de domingo.

                                                        Poyo, 26-V-2009


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O "PONTO C"

É um ponto do tempo e também um estado
da matéria e do ânimo. São Tomás de Aquino
acaso explicaria que é um inexplicável
vazio que se abre tanqum abyssus entre
o acto e as potências,
ou entre a realidade e as ideias.

Para não nos emaranharmos em tal latinório,
é essa misteriosa fronteira que separa
cada multicor, sinfónica, banda
de sonhos que te voa pela imaginação

e o pobre passarito
-que cinzento, que pouca coisa, se calhar até tinhoso-
que um instante depois lateja na tua mão
e não sabes que fazer com ele, por mito
que o adagiário diga
que vale mais que aquela centena "a voar".

E para que o entendam
também os não capricórnios (daqui
vem a "C") uns exemplos: é
o átomo de tempo em que abrimos
a caixa do presente, mas ainda
não nos defraudou; o da conversão
daquele maravilhoso objecto X
que ontem nos deslumbrava no escaparate
neste objecto  X que agora nos pertence
e não é maravilhoso, nem deslumbra, nem nada,
e no final de contas nem o mesmo objecto
é -não posso dizê-lo melhor-
esse estrangulamento do relógio
por onde a areia dos sonhos de sexta-feira
vai caindo na noite entediante de domingo.

                                                           Poyo, 26.V-2009

quarta-feira, 7 de julho de 2021

 FRANK O'HARA


A STEP AWAY FROM THEM

It´s my lunch hour, so I go
for a walk among the hum-colored
cabs. First, down the sidewalk
where laborers fedd their dirty 
glistening torsos sandwiches
and Coca-Cola, with yellow helmets
on. They protect them from falling 
bricks, I guess. Then onto the 
avenue where skirts are flipping
above heels and blow up over
grates. The sun is hot, but the
cabs stir up the air. I look
at bargains in wristwatches. There
are cats playing in sawdust.
                                             On
to Times Square, where the sign
blows smoke over my head, amd higher
the waterfall pours lightly. A
Negro stands in a doorway with a 
toothpick, languorously agitating.
A blonde chorus girl clicks: he 
smiles and rubs his chin. Everything
suddenly honks: it is 12:40 of 
a Thusday.
                  Neon in daylight is a 
great pleasure, as Edwin Denby would
write, as are light bulbs in daylight.
I stop for a cheeseburger at JULIET'S
CORNER, Giulietta Masina, wife of
Federico Fellini, è bell'attrice.
And chocolat malted. A lady in
foxes on such a day puts her poodle
in a cab.
              There are severl Puerto
Ricans on the avenue today, which
makes it beautiful and warm. First
Bunny died, then John Latouche,
then Jackson Pollock. But is the
earth as full as life was full of them?
And one has eaten and one walks,
past magazines with nudes
and the posters for BULLFIGHT and
the Manhattan Storage Warehouse
which they'll soon tear down. I
used to think they had the Armory
Show there.
                    A glass of papaya juice
and back to work. My heart is in my
pocket, it is Poems by Pierre Reverdy.
                                                    
                                                    1956


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A UM PASSO DE DISTÂNCIA

É a minha hora de almoço, vou pois
passear por entre os táxis pintados
de ruído. Primeiro, pelo passeio
onde trabalhadores alimentam os troncos
sujos brilhantes com sanduíches
e Coca-Cola, usando capacetes 
amarelos. Acho que os protegem
da queda de tijolos. Depois pela
avenida em que as saias rodopiam
nos calcanhares e levantam voo sobre
os gradeamentos. O sol queima, mas
os táxis agitam o ar. Observo
pechinchas em relógios de pulso. Há
gatos que brincam na serradura.
                                                    Para
Times Square, onde o anúncio
sopra fumo sobre a minha cabeça e no alto
a cascata sussurra suavemente. Um
Negro numa portada com um
palito, mexe-se langorosamente.
Uma corista loura faz soar um estalido: ele
sorri e esfrega o queixo. De súbito
tudo buzina: são 12:40 de
uma Quinta-Feira.
                              Neon de dia é um
grande prazer, como Edwin Denby
escreveria, como são as lâmpadas eléctricas de dia.
Paro para um cheeseburger no JULIET'S
CORNER, Giulietta Masina, mulher de
Federico Fellini, è bell'attrice.
E chocolate com malte. Uma senhora que
em tal dia usa pele de raposa mete o cão d'água
dentro de um táxi.
                              Há varios Porto
Riquenhos na avenida hoje, o que
a torna bela e quente. Primeiro morreu
Bunny, depois John Latouche,
depois Jackson Pollock, A terra
está tão cheia deles, como a vida esteve?
Comeu-se e passeia-se,
passa-se pelas revistas com nus
e os cartazes de TOURADA e
a Manhattan Storage Warehouse,
que em breve demolirão. Antigamente
pensava que nela se exibia o
Armory Show.
                        Um copo de sumo de papaia
e volto para o trabalho. O meu coração está no
meu bolso, é Poemas de Pierre Reverdy

                                                             1956

terça-feira, 6 de julho de 2021

 W. H. AUDEN


THE EPIGONI

No use invoking Apolo in a case like theirs:
The pleasure-loving gods had died in their chairs
And would not get up again, one of them, ever,
Though gutural tribesmhad crossed the Great River,
Roasting their dead and with no name for the yew.
No good expecting long-legged ancestors to
Return with long swords from pelagic paradises
(They would be left to their own devices,
Supposing they had some); no point pretending
One didn't foresee the probable ending
As dog-food, or landless, submerged, a slave:
Meanwhile, how should a cultured gentlemah behave?

It would have been an excusable failing
Had they broken out into womanish wailing
Or, dramatising their doom, held forth
In sonorous clap-trap about death;
To their credit, a reader will only perceive
That the language they loved was coming to grief,
Expiring in preposterous mechanical tricks,
Epanaleptics rhopalics, anacyclic acrostics:
To their lasting honour, the stuff they wrote
Can safely be spanked in a scholar's foot-note,
Called shallow by a mechanised generation to whom
Haphazard oracular grunts are profound wisdom.


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OS EPÍGONOS

È inútil invocar Apolo num caso como o deles,
Os deuses amantes do prazer morreram nos seus tronos
E nenhum jamais se re-ergueria,
Mesmo que tribos guturais tivessem passado o Grande Rio,
Queimando os seus mortos e não sabendo nomear o teixo.
É ilusório esperar que de paraísos pelágicos regressem
Antepassados andarilhos com grandes espadas
(Seriam deixados aos seus expedientes,
Se alguns tivessem); inútil fingir
Que não se previa tal desenlace 
Como pasto de cães, ou despossuído, subjugado, um escravo:
Entretanto, como devia um cavalheiro culto comportar-se?

Teria sido uma fraqueza desculpável
Se tivessem cedido a um lamento feminil
Ou, dramatizando a catástrofe, sustentado
Trapalhada estrondosa sobre a morte;
Em seu crédito um leitor entenderá apenas
Que a língua que amavam se tornou mágoa,
Expirando em truques mecânicos, ridículos,
Acrósticos epanalépticos, ropálicos, anacíclicos:
Em sua honra perene as páginas que escreveram
São tranquilamente fustigadas numa nota erudita,
Desprezadas por uma geração mecanizada para quem
Grunhidos oraculares são profunda sabedoria.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...