quinta-feira, 30 de junho de 2022

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA

SAFO DIECISÉIS

Lo más hermoso de la negra tierra
no es una carga de caballeria,
no es el choque frontal de dos falanges
ni el blanco surco de una nave niegra.
Lo más terrible de la hermosa tierra
es amar el desdén de quien amamos.


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SAFO DEZASSEIS

O mais formoso da negra terra
não é uma carga de cavalaria,
não é o choque frontal de duas falanges,
nem o branco sulco de uma nave negra.
O mais terrível da formosa terra
é amar o desdém de quem amamos.

quarta-feira, 29 de junho de 2022

 LUIS ALBERTO DE CUENCA

LA NOCHE MADRILEÑA

Recuerdos de la noche madrileña, en agosto,
cuando todos se habían ido de veraneo,
y no había mesajes en el contestador,
y no llegaban cartas de nadie (ni siquiera
sueltos de propaganda), y el calor invadía
tu casa como un brote de cáncer incurable
(no habías puesto aún aire acondicionado),
y ella estaba con otro en el Sur o en el Norte
(nunca supiste dónde), y de repente echabas
a andar, sin rumbo fijo, por las calles desiertas
con ganas de morirte, pensando que la vida
era un cuento de Kafka o de Edgar Allan Poe
(por lo menos), y entonces, sin que supieras cómo,
más allá de las tiendas cerradas y de los bares,
veías un espectro de luz que se acercaba
y, una vez junto a ti, te decía: "Muchacho,
soy tu ángel de la guarda. Dios dice que te diga
que te envidia: tú solo, y en Madrid, y en agosto,
sin novia y sin amigos, con calor y sin cartas,
¿no deberías darte gracias al Rey de Reyes
por tanta dicha junta?", y desaparecía,
y a la noche seguinte volvía a aparecer,
diciéndote lo mismo, y tú estabas a punto
de morirte de risa, y una vez más la noche
madrileña lograba liberar tu cerebro
de ansiedades estúpidas.


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A NOITE MADRILENA

Recordações da noite madrilena em agosto,,
quando todos tinham partido de férias
e não havia mensagens no atendedor
e não chegavam cartas de ninguém (nem sequer
folhetos de propaganda) e o calor invadia 
a tua casa como um rebento de cancro incurável
(não tinhas ainda instalado ar condicionado)
e ela estava com outro no Sul ou no Norte
(nunca soubeste onde), e de repente desatavas
a andar , sem rumo fixo, pelas ruas desertas
com ganas de morrer, pensando que a vida
era um conto de Kafka ou Edgar Allan Poe
(pelo menos), e então, sem saberes como,
para além das lojas fechadas e dos bares,
vias um espectro luminoso que se aproximava 
e, ao chegar junto a ti, dizia: "Rapaz,
sou o teu anjo da guarda. Deus diz que te diga
que te inveja; tu sozinho, e em Madrid, e em agosto,
sem namorada e sem amigos, com calor e sem cartas,
não deverias dar graças ao Rei dos Reis
por tanta felicidade junta?" e desaparecia
e na noite seguinte voltava a aparecer,
dizendo-te o mesmo, e tu estavas quase 
a morrer de riso, e uma vez mais a noite
madrilena lograva libertar o teu cérebro
de ansiedades estúpidas.

segunda-feira, 27 de junho de 2022

 JON JUARISTI


2005

Las tardes grises cada vez más frías
Y los terrores de la soledad:
Dorados previlegios de la edad
(conste que lo sabías).
La muerte ya no esconde sus espías:
Le diverten tus cambios de ciudad
Una barbaridad
(también tus impostadas agonías).
Las tardes frás cada vez más foscas,
Una angina detrás de cada esquina
Y comprimidos de cafeinitrina
(nunca menos de tres, por si las moscas).
La hipocondría de la cinquentena
Se ha instalado en tu casa. Enhorabuena.


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2005

As tardes cinzentas cada vez mais frias
e os terrores da solidão:
Dourados previlégios da idade
(conste que o sabias).
A morte já não esconde os seus espias:
Divertem-na as tuas trocas de cidade
Uma barbaridade
(também as tuas fingidas agonias).
As tardes frias cada vez mais foscas,
Uma angina atrás de cada esquina
E comprimidos de cafenitrina
(nunca menos de três, por vausa das moscas).
A hipocondria da cinquentena
Instalou-se na tua casa. Bem-vinda.

domingo, 26 de junho de 2022

 WELDON KEES

SMALL PRAYER

Change, move, dead clock, that this fresh day
May break with dazzling light to these sick eyes.
Burn, glare, old sun, so long unseen,
That time may find its sound again, and cleanse
What ever it is that a wound remembers
After the healing ends.


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PEQUENA PRECE

Muda, move-te, relógio parado, para que este novo dia
Possa despertar com luz resplandecente para estes olhos enfermos.
Queima, ofusca, sol antigo, há tanto tempo não avistado,
Para que o tempo possa, de novo, encontrar o seu som e limpar
O que quer que seja que uma ferida recorda
Depois de a cicatrização terminar.

sábado, 25 de junho de 2022

 VÍCTOR BOTAS

LAS ROSAS DE BABILONIA

                            No me perguntes cómo pasa el tiempo
                                                                               Li Kiu Ling

No me perguntes cómo pasa el tiempo.
El caso es que ya estoy un poco sordo
y el pelo me blanquea. Sin embargo,
aún siento un no sé qué, algo muy tenue
(como un temblor de luna en un estanque),
aquí, justo en la boca del estómago,
cada vez que te miro. Qué curioso,
qué curioso, ¿verdade? Qué raro: el tiempo,
que en Babilonia destroyó las rosas,
que terminó con Júpiter y a polvo
redujo los imperios y las caras
(que todo se lo lleva por delante
como un rinoceronte enloquecido),
me parece que hoy se va a dejar
los dientes (por lo menos), en su inútil
empeño de ir borrándote esos ojos
que intactos - yo lo quiero - aquí se quedan.


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AS ROSAS DE BABILÓNIA

                                      Não me perguntes como passa o tempo
                                                                                                  Li KIU LING

Não me perguntes como passa o tempo.
A questão é que já estou um pouco surdo
e o cabelo branqueia. Contudo,
ainda sinto um não sei quê, algo muito ténue
(como um trmor de lua num tanque),
aqui, mesmo na boca do estômago,
cada vez que te olho. Que curioso,
que curioso, não é verdade? Que estranho: o tempo
que em Babilónia destruiu as rosas,
que terminou com Júpiter e a pó
reduziu os impérios e as caras
(que tudo leva pela frente
como um rinoceronte enlouquecido),
parece-me que hoje vai deixar
os dentes (pelo menos) no seu inútil 
empenho de ir apagando-te esses olhos
que intactos - assim quero - aqui ficam.



sexta-feira, 24 de junho de 2022

 J. V. CUNNINGHAM

[23]  NEW YORK: 5 MARCH 1957

Lady, of anonymous flesh an face
In the half-light, in the rising embrace
Of my losses, in the dark dress and booth,
The stripper of the gawking of my youth,
Lady, I see not, care not, what you are.
I sit with beer and bourbon at the bar.


[24]

Good Fortune, when I hailed her recently
Passed by me with the intimacy of shame
As one that in the dark had handled me
And could no longer recollect my name.


[27] HOROSCOPE

          Out of one's birth
     The magi chart his worth;     
     They mark the influence
Of hour and day, and weigh what thence

          Will come to be.
     I in their cold sky see
     Neither Venus nor Mars
It is the past that cast the stars

          That guide me now.
     In winter when the bough
     Has lost its leaves, the storm
That piled them deep will keep them warm.


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[23] NOVA IORQUE: 5 DE MARÇO DE 1957

Senhora, de carne anónima e face
À meia-luz, no amplexo ascendente
Das minhas perdas, no vestido escuro e cabine,
A stripper da minha juventude canhestra,
Senhora, não vejo, não cuido, o que fosses.
Sento-me com cerveja e bourbon neste bar.


[24]

A Boa Sorte, quando a saudei recentemente,
Passou por mim com a intimidade da vergonha
Como alguém que na escuridão me manipulara
E já não conseguia recordar o meu nome.


[27] HORÓSCOPO

          A partir do nascimento
     Os magos traçam a valia,    
     Assinalam a influência
De hora e dia, e avaliam o que daí

          Irá acontecer.
     Eu, no seu céu frio, não vejo
     Vénus, nem Marte;
È o passado que dispõe as estrelas

          Que agora me guiam.
     No Inverno quando o galho
     Perde as folhas, a tempestade
Que fundo as empilha, mantem-nas quentes.

quinta-feira, 23 de junho de 2022

 DICK DAVIS 

PARTNERS

We've always been inseparable, it's true,
But don't think that implies I'm fond of 
I get embarrassed by the things you do -

I feel I can't quite trust you anywhere 
And everywhere I go you're always there:
No one could call us an attractive pair.

I think you put my friends off: is it spite
Makes you insist on looking such a fright?
Face up to it, you're not a pretty sight.

And then you have the insolence to claim
That I'm the one who's actually to blame,
That I'm responsible for our shared shame

And if I'd paid attention years ago
And worked with you, and not been so de haut
En bas, things would be fine. Well, maybe so;

Whatever, as you'd say, you slob. But I'm
Aware you're contemplating pay-back time,
And punishments appropriate to my crime.

Already I can't sleep too well: vague aches
Won't go away, a doctor's visit takes
Forever and she says, 'for both our sakes',

(Though this well-meant advice is hardly new)
That I should take much better care of you.
You have the upper hand now. As I knew.


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PARCEIROS

Sempre fomos inseparáveis, é verdade,
Mas não penso que isso implica que gosto de ti;
Embaraçam-me as coisas que fazes -

Sinto que não posso confiar em ti, em toda e 
Qualquer parte onde eu vá estás lá sempre;
Ninguém pode chamar-nos um par atractivo.

Penso que afastas os meus amigos: é o despeito
Que faz com que insistas em parecer tão grotesco?
Olha para ti, não tens nada de agradável.

E depois tens a insolência de afirmar
Que, na verdade, sou eu quem tem de se culpar,
Que sou o responsável pela nossa vergonha partilhada

E se, anos atrás, tivesse prestado atenção
E trabalhado contigo, e não ter sido tão de haut
En bas, tudo estaria bem. Bem, talvez;

De qualquer forma, como dirias, és desajeitado. Mas
Tenho a certeza que planeias a retribuição
E castigo apropriados ao meu crime.

Já não consigo dormir bem: queixas vagas
Não me abandonam, uma visita do médico é
Uma eternidade e ela diz 'para o bem dos dois',

(Embora este avisado conselho não seja novo)
Que eu deveria tomar melhor conta de ti.
Agora estás na mó de cima. Já sabia.



segunda-feira, 20 de junho de 2022

 SZILÁRD BORBÉLY

(Fehérgyarmat - Hungria - 1963 -2014)

Estas versões foram feitas a partir de traduções inglesas, pelo que se omitem os originais.


ASSUNTOS FINAIS : MORTE

Não havia mais do que devia haver,
os resíduos habituais dos dias mais recentes
amontoados pela brisa nos cantos do pátio,
até que Fány, a mulher a dias, os varreu

e para o andar do rés-do-chão exclamou
"Bom dia!" e "Que há hoje para o almoço?"
O Sol brilhou. Pombas pousaram nos beirais
e cicatrizes no cimento foram observadas,

cada uma por si, eternamente. Era Primavera.
As portadas estavam dobradas, as persianas corridas.
A janela aberta apenas uma ranhura, o que era bizarro,
mas talvez nem assim tanto. . E depois todos

procuravam a causa do estranho cheiro. Fez-se
noite e depois manhã. O terceiro dia. Ninguém
pensou no casal de velhos no andar do rés-do-chão.
Os detectives estavam entediados. Nada já consegue

perturbá-los. Estavam bêbedos quando chegaram e
emborcaram ainda mais na loja de bebidas próxima. Os cadaveres
foram rapidamente sepultados, porque era Páscoa.. O caso
foi encerrado. E ninguém cantou o Dies Irae.

domingo, 19 de junho de 2022

 MIGUEL D'ORS

AGRADECIMIENTO

Ya que la edad empieza
a empujarme al adiós,
mi Musa a preocuparse
por la jubilación
y, por decirlo todo,
a ser un buen montón
los críticos que piensan
que em mí voz se acabó
lo que se daba,
                         amigos,
lectores, afición 
en general, por si
no tengo otra ocasión,
quiero dar aquí gracias
al colaborador
que en todos estes años
jamás me abandonó.

Simon teve a Garfunkel
y Manolo a Ramón;
don Antonio Machado
a su hermano mayor;
a Quintero y Quiroga
Rafael de León.
Yo tuve la fortuna
de poder contar con 
con alguien que conocía
mucho mejor que yo
el color y el perfume
y el peso y el sabor
de las palabres, alguien
que siempre mejoró
mis versos, que ni una
sola hora dejó
de trabajar en ellos,
por más que miguel d'ors
se fuese, se olvidase,                  
se obnubilase. Y no
sonó nunca su nombre
en la prensa. En su honor
levanto aquí esta copa
agradecida. Estoy
hablando - una vez más -
del tiempo, un gran autor.

                               28/29-X-2004


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AGRADECIMENTO

Já que a idade começa
a empurrar-me para o adeus,
a minha Musa a preocupar-se
com a jubilação
e, para dizer tudo,
a ser uma boa maquia
de criíticos que pensam
que na minha voz acabou
o que se dava, 
                        amigos,
leitores, aficionados
em geral, se, por acaso,
não tenha outra ocasião,
quero aqui agradecer
ao colaborador
que nestes anos todos
nunca me abandonou.

Simon teve Garfunkel
e Manolo teve Ramón;
don Antonio Machado
ao seu irmão mais velho;
A Quintero e Quiroga
Rafael de León.
Eu tive a fortuna
de poder contar com
alguém que conhecia
muito melhor que eu
a cor e o perfume
e o peso e o sabor
das palavras, alguém 
que sempre melhorou 
os meus versos, que nem uma
única hora deixou
de trabalhar neles,
por mais que miguel d'ors
fugisse, se esquecesse,
se obnubilasse. E nunca
apareceu o seu nome
na imprensa. Em sua honra
levanto aqui esta taça
agradecida. Estou 
falando - uma vez mais -
do tempo, um grande autor.

                                 28/29-X-2004        

sábado, 18 de junho de 2022

GIOVANNI PASCOLI


IL CANE

Noi, mentre il mondo va per la sua strada,
noi ci  rodiamo, e in cuor doppio è l'affano
e perchè vada, e perchè lento vada.

Tal, qundo passa il grave carro avanti
del casolare, che il rozzon normanno
stampa il suolo con zoccoli sonanti,

sbuca il can dalla fratta, come il vento;
lo precorre, rincorre; uggiola, abbaia.
Il carro è dilungato lento lento:
il cane torna sternutando all'aia.


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O CÃO

Nós, enquanto o mundo segue o seu caminho, 
adaptamo-nos, e no coração dupla é a ânsia,
de por que prossegue e por que lento prossegue.

Da mesma forma, quando passa a pesada carroça à frente
da casa da quinta, quando o decrépito cavalo
percute o solo com cascos sonantes,

irrompe o cão da moita, como o vento;
caça-a, persegue-a; ladra, gane.
A carroça afasta-se, lenta, lenta;
o cão volta espirrando à eira.
 


sexta-feira, 17 de junho de 2022

 FRANK O'HARA


NAPHTHA


Ah Jean Dubuffet
when you think of him
doing his military service in the Eiffel Tower
as a meteorologist
in 1922
you know how wonderful the 20th Century
can be
and the gaited Iroquois on the girders
fierce and unflinching-footed
nude as they should be
slightly empty
like a Sonia Delaunay
there is a parable of speed
somewhere behind the Indian's eyes
they invented the century with their horses
and their fragile backs
which are dark

we owe a debt to the Iroquois
and to Duke Ellington
for playing in the buildings when they are built
we don't do much ourselves
but fuck and think
of the haunting Metro
and the one who didn't show up there
while we were waiting to become part of our century
just as we can't make a hat out of steel
and still wear it
who wears hats anyway
it is our tribe's custom
to beguile


how are you feeling in ancient September
I am feeling like a truck on a wet highway
how can you
you were made in the image of god
I was not
I was made in the image of a sissy truck-driver
and Jean Dubuffet painting his cows
"with a likeness burst in the memory"
apart from love (don't say it)
I am ashamed of my century
for being so entertaining
but I have to smile
                                                                           1959


      xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx


NAFTA

Ah Jean Dubuffet
quando se pensa nele
cumprindo o serviço militar na Torre Eiffel
como metereologista
em 1922
compreende-se como pode ser maravilhoso
o Século 20
e os imponentes Iroqueses nos carris
altivos e a pé firme
nus como seria de esperar
ligeiramente etéreos
como um Sonia Delaunay
Há uma parábola de velocidade
algures atrás dos olhos dos Índios
inventaram o século com os seus cavalos
e as suas costas frágeis
que são escuras

estamos em dívida com os Iroqueses
e com Duke Ellington
por tocar nos edifícios em construção
nós fazemos pouco
a não ser foder e pensar
no Metro obsessivo
e naquele que ali não apareceu
enquanto aguardávamos por pertencer ao nosso século
tal como não se pode fazer um chapéu de aço
e depois usá-lo
de qualquer forma quem usa chapéus
é costume da nossa tribo
enganar

como te sentes no velho Setembro
sinto-me como camião em auto-estrada molhada
como podes
foste feito à imagem de Deus
eu não fui
fui feito à imagem de um camionista maricas
e Jean Dubuffet pintando as suas vacas
"com uma semelhança que irrompeu na memória"
aparte o amor (não fales nele)
estou envergonhado do meu século
por ser tão espectacular
mas tenho de sorrir
                                                                    1959

quinta-feira, 16 de junho de 2022

W. H. AUDEN

THE MASSACRE OF THE INNOCENTS

I

HEROD
       Because I am bewildered, because I must decide, because my decision must be in conformity with Nature and Necessity, let me honour those through whom my nature is by necessity what it is.
       To Fortune - that I have become Tetrarch, that I have escaped assassination, that at sixty my head is clear and my digestion sound.
       To my father - for the means to gratify my love of travel and study.
       To my mother - for a straight nose.
       To Eva, my coloured nurse - for regular habits.
       To my brother, Sandy, who married a trapeze-artist and died of drink - for so refuting the position of the Hedonists.
       To Mr Stewart, nicknamed The Carp, who instructed me in the elements of geometry through which I came to perceive the errors of the tragic poets.
       To Professor Lighthouse - - for his lectures on the Peloponnesian Wars.
       To the stranger on the boat to Sicily - for recommending me Brown on Resolution.
       To my secretary Miss Button - for admitting that my speeches were inaudible.

       There is no visible disorder. No crime - what could be more innocent than the birth of an artisan's child? Today has been one of those perfect winter days, cold, brilliant, and utterly still when the bark of the shepherd's dog carries for miles, and the great wild mountains come up quite close to the city walls, and the mind feels intensely awake, and this evening as I stand at this window high up in the citadel there is nothing in the whole magnificent panorama of plain and mountains to indicate that the Empire is threatened by a danger more dreadful than any invasion of Tartars on racing camels or conspiracy of the Praetorian Guard.
       Barges are unloading soil fertilizer at the river wharves. Soft drinks and sandwiches may be had in the inns at reasonable prices. Allotment gardening has become popular. The highway to the coast goes straight up over the mountains and truck-drivers no longer carry guns. Things are beginning to take shape. It is a long time since anyone stole the park benches or murdered the swans. There are children in this province who have never seen a louse, shopkeepers
who have never handles a counterfeit coin, women of forty who have
never hidden in a ditch except for fun. Yes, in twenty years I have managed to do a little. Not enough, of course. There are villages only a few miles from here where they still believe in witches. There isn't a single town where a good bookshop would pay. One could count on the figures of one hand the people capable of solving the problem of Achilles and the Tortoise. Still it is a beginning. In twenty years the darkness has been pushed back a few inches. And what, after all, is the whole Empire, with its few thousand square miles on which it is possible to lead the Rational Life, but a tiny patch of light compared with those immense areas of barbaric night that surround it on all sides, that incoherent wilderness of rage and terror, where Mongolian idiots are regarded as sacred and mothers who give birth to twins are instantly put death, where malaria is treated by yelling, where warriors of superb courage obey the commands of hysterical female impersonators, where the best cuts of meat are reserved for the dead, where, if a white blackbird has been seen, no more work may be done that day, where it is firmly believed that the world was created by a giant with three heads or that the motion of the stars are controlled from the liver of a rogue elephant?
       Yet even inside this little civilized patch itself, where, at the cost of much grief and bloodshed, it has been made unnecessary tor anyone over the age of twelve to believe in fairies or that First Causes reside in mortal and finite objects, so many are still homesick for that disorder wherein every passion formerly enjoyed a frantic licence. Caesar flies to his hunting lodge pursued by ennui; in the faubourgs of the Capital, Society grows savage, corrupted by silks and screens, softened by sugar and hot water, made insolent by theatres and attractive slaves; and everywhere, including this province, new prophets spring up every day to sound the old barbaric note.
       I have tried everything. I have prohibited the sale of crystals and ouija-boards; I have slapped a heavy tax on playing cards; the courts are empowered to sentence alchemists to hard labour in the mines; it is a statutory offence to turn tables or feel bumps. But nothing is really effective. How can I expect the masses to be sensible when, for instance, to my certain knowledge, the captain of my own guard wears an amulet against the Evil Eye, and the richest merchant in the city consults a medium over every important transaction?
       Legislation is helpless against the wild prayer of longing that rises, day in, day out, from all these households under my protection:
"O god, put away justice and truth for we cannot understand them and do not want them. Eternity would bore us dreadfully. Leave Thy heavens and come down to our earth of waterclocks and hedges. Become our uncle. Look after Baby, amuse Grandfather, escort Madam to the Opera, help Willy with his home-work, introduce Muriel to a handsome naval officer. Be interesting and weak like us, and we will love you as we love ourselves."
       Reason is helpless, and now even the Poetic Compromise no longer works, all those lovely fairy tales in which Zeus, disguising himself as a swan or a bull or a shower of rain or what-have-you, lay with some beautiful woman and begot a hero. For the Public has grown too sophisticated. Under all the charming metaphors and symbols, it detects the stern command, "Be and act heroically"; behind the myth of divine origin, it senses the real human excellence that is a reproach to its own baseness. So, with a bellow of rage, it kicks Poetry downstairs and sends for Prophecy. "Your sister has just insulted me. I asked for a God who should be as like me as possible. What use to me is a God whose divinity consists in doing difficult things that I cannot do or saying clever things I cannot understand? The God I want and intent to get must be someone I can recognize immediately without having to wait and see what he says or does. There must be nothing in the least extraordinary about him. Produce him, at once, please. I'm sick of waiting."
       Today, apparently, judging by the trio who came to see me this morning with an ecstatic grin on their scholarly faces, the job has been done. "God has been born", they cried, "we have seen him ourselves. The World is saved. Nothing else matters."
       One needn't be much of a psychologist to realize that if this rumour is not stamped out now, in a few years it is capable of diseasing the whole Empire, and one doesn't have to be a prophet to predict the consequences if it should.
       Reason will be replaced by Revelation. Instead of Rational Law,
objective truths perceptible to any who will undergo the necessary intellectual discipline, and the same for all, Knowledge will degenerate into a riot of subjective visions-feelings in the solar plexus induced by undernourishment, angelic images generated by fevers or drugs, dream warnings inspired by the sound of falling water. Whole cosmogonies will be created out of some forgotten personal resentment, complete epics written in private languages, the daubs of school children ranked above the greatest masterpieces. 
       Idealism will be replaced by Materialism. Priapus will only have to move to a good address and call himself Eros to become the darling of middle-aged women. Life after death will be an eternal dinner party where all the guests are twenty years old. Diverted from its normal and wholesome outlet in patriotism and civic or family pride, the need of the materialistic Masses for some visible Idol to worship will be driven into into totally unsocial channels where no education can reach it. Divine honours will be paid to silver teapots, shallow depressions on the earth, names on maps, domestic pets, ruined windmills, even in extreme cases, which will become increasingly common, to headaches, or malignant tumours, or four o'clock in the afternoon.
       Justice will be replaced by Pity as the cardinal human virtue, and all fear of retribution will vanish. Every cornerboy will congratulate himself: "I'm such a sinner that God had to come down in person to save me. I must be a devil of a fellow." Every crook will argue: "I like committing crimes. God likes forgiving them. Really the world is admirably arranged." And the ambition of every young cop will be to secure a death-bed repentance. The New Aristocracy will consist exclusively of hermits, bums, and permanent invalids. The Rough Diamond, the Consumptive Whore, the bandit who is good to his mother, the epileptic girl who has a way with animals will de the heroes and heroines of the New Tragedy when the general, the statesman, and the philosopher have become the butt of every farce and satire.
       Naturally this cannot be allowed to happen. Civilization must be saved even if this means sending for the military, as I suppose it does. How dreary. Why is it that in the end civilization always has to call in these professional tidiers to whom it is all one whether it be Pythagorean or a homicidal lunatic they are instructed to eliminate. O dear, Why couldn't this wretched infant be born somewhere else? Why can't people be sensible? I don't want to be horrid. Why can't they see that the notion of a finite God is absurd? Because it is. And suppose, just for the sake of argument, that it isn't, that this story is true, that this child is in some inexplicable manner both God and Man, that he grows up, lives, and dies, without committing a single sin? Would that make life any better? On the contrary it would make it far, far worse. For it could only mean this; that once having shown them how, God would expect every man, whatever his fortune, to lead a sinless life in the flesh and on earth. Then indeed would human race be plunged into madness and despair. And for me personally at this moment it would mean that God had given me the power to destroy Himself. I refuse to be taken in. He could not play such a horrible practical joke. Why would He dislike me so? I've worked like a slave. Ask anyone you like. I read all official dispatches without skipping. I've taken elocution lessons. I've hardly ever taken bribes. How dare He allow me to decide? I've tried to be good. I brush my teeth every night. I haven't had sex for a month. I object. I'm a liberal. I want everyone to be happy. I wish I had never been born. 


                     XXXXXXXXXXXXXXXXXX


O MASSACRE DOS INOCENTES

I

HERODES

       Porque estou perplexo, porque devo decidir, porque a minha decisão dve estar conforme a Natureza e a Necessidade, deixem-me honrar aqueles por quem a minha natureza é necessariamente o que é.
       À Fortuna - porque me tornei Tetrarca, porque escapei ao                            assassínio, porque aos sessenta anos a minha cabeça está                    lúcida e a minha digestão é sólida.
       Ao meu Pai - pelos meios para satisfazer o meu amor por                           viagens e pelo estudo.
       À minha Mãe - por um nariz aquilino.
       A Eva, a minha ama negra - por hábitos regulares.
       Ao meu irmão, Sandy, que casou com uma trapezista e morreu                   por causa da bebida - porque assim refutou a opinião dos                     Hedonistas.
       A Mr Stewart, alcunhado A Carpa, que me instruiu nos                               elementos de geometria, o que me permitiu compreender                     os erros dos poetas trágicos.       
       Ao Professo Lighthouse - pelas suas lições sobre a Guerra do                     Peloponeso.
       Ao estrangeiro no barco para a Sicília - por me recomendar                         Brown sobre a Resolução.
          À minha secretária, Miss Buttons - por admitir que os meus                      discursos são inaudíveis.

       Não há desordem visível. Nem crime - que será mais inocente que o nascimento de um filho de um artesão? Hoje foi um desses dias de inverno perfeito, frio, brilhante e inteiramente calmo, em que o latido do cão do pastor se ouve a grande distância e as montanhas selvagens se aproximam dos muros da cidade e o espiríto se sente intensamente desperto e nesta tarde que observo do cimo da janela da citadela não há nada, em todo o magnífico panorama de planícies e montanhas, que indique que o Império está ameaçado por um perigo mais terrível que a invasão dos Tártaros em camelos velozes ou a conspiração da Guarda Pretoriana.
       Barcaças descarregam adubo nos molhes do rio. Pode.se beber refrigerantes e comer sanduíches nas estalagens, a preços razoáveis. O loteamento das terras de cultivo tornou-se popular. A auto-estrda para a costa corta a direito pelo cimo das montanhas e os camionistas já não uasam armas. As coisas começam a tomar forma. Há muito tempo já que ninguém rouba os bancos do jardim, ou assassina os cisnes. nesta província há crianças que nunca viram um piolho e comerciantes que nunca manusearam moeda falsa, mulheres de quarenta anos que nunca se esconderam numa vala, a não ser por brincadeira. Sim, em vinte anos consegui fazer qualquer coisa. Não o bastante, claro. Há aldeias a poucos quilómetros daqui onde aida acreditam em bruxas. Não há nenhuma cidade em que uma bos livraria dê lucro. Contam-se pelos dedos da mão o número de pessoas capazes de resolver o problema de Aquiles e a Tartaruga. Mas, mesmo assim é um começo. Em vite anos as trevas recuaram um pouco. E o que é todo o Império com os seus escassos milhares de quilómetros onde é possível prosseguir uma Vida Racional, senão uma minúscula mancha de luz, rodeada por todos os lados  de áreas imensas de noite bárbara, essa selvajaria incoerente de cólera e terror, onde mongolóides são considerados são considerados sagrados e as mães que têm gémeos abatidas de imediato, onde a malária se trata com gritaria, onde guerreiros de coragem soberba obedecem ao comando de transexuais histéricos, onde os melhores nacos de carne se reservam para os mortos, onde, se é avistado um melro branco, não mais se trabalha nesse dia, onde finalmente se acredita que o mundo foi criado por um gigante de três cabeças ou que o movimento das estrelas é governado pelo fígado de um elefante enfurecido?
       Mesmo no interior desta mancha civilizada onde a custo de sabe Deus quanta dor e derramamento de sangue se tornou desnecessário para qualquer pessoa de mais de doze anos acreditar em fadas ou que as Primeiras Causas residem em objectos finitos e mortais, muitos têm ainda saudades dessa desordem antiga em que toda a paixão gozava uma licença frenética. César foge para o seu pavilhão de caça perseguido pelo ennui; nos bairros da Capital a Sociedade tornou-se selvagem, corrompida por sedas e perfumes, amolecida pelo açúcae e a água quente, tornada insolente pelos teatros e os escravos atraentes; e por toda a parte, até nesta província, novos profetas surgem diariamente para fazer soar a velha nota bárbara.
       Tentei tudo. Proibi a venda de cristais e mesas de pé de galo, taxei pesadamente as cartas de jogar; os tribunais têm poderes para condenar os alquimistas a trabalhos forçados nas minas; está legislada a proibição de virar mesas ou ter cheliques. Mas nada é verdadeiramente eficaz. Como posso esperar que as massas sejam sensíveis, quando sei de fonte limpa que o capitão da minha guarda usa um amuleto contra o Mau Olhado e o mercador mais rico da cidade consulta um medium antes das trnsações mais importantes - para dar só dois exemplos. 
       As leis são impotentes contra a  desvairada prece nostálgica que diariamente se eleva de todos estes lares sob a minha protecção: "Ó Deus, afasta a verdade e a justiça porque não as podemos compreender e não as queremos. A Eternidade haveria de aborrecer-nos mortalmente. Deixa os Teus céus e desce à nossa terra de clépsidras e de sebes. Sê o nosso tio. Toma conta do Bebé, diverte o Avô, acompanha Madame à Ópera, ajuda Willy nos trabalhos de casa, apresenta Muriel a um elegante oficial da Marinha. Sê interessante e débil como nós e amar-te-emos como nos amamos."
       A Razão é impotente e agora até o compromisso Poético já não funciona, todas essas histórias fantásticas em que Zeus, disfarçao de cisne ou de touro ou de um aguaceiro ou do-que-quer-que-seja se deitava com uma mulher bonita e produzia um herói. O Público tornou-se muito sofisticado. Em todas as metáforas e símbolos amáveis detecta a ordem compulsiva. "Sê e age heroicamente"; por trás do mito da origem divina sente a excelência humana verdadeira que é uma censura da sua própria baixeza. Por isso, com um berro de fúria, pontapeia a Poesia escada abaixo e procura a Profecia. "A tua irmã acabou de insultar-me. Pedi um Deus que fosse tão parecido comigo quanto possível. De que me serve Um cuja divindade consiste em fazer coisas difíceis que não consigo fazer ou dizer coisas inteligentes que não consigo compreender? O deus que quero e tanciono ter deve ser alguém que eu possa reconhecer de imediato, sem ter que esperar para ver u que diz ou faz. Não deve ter nada minimamente extraordinário. Por favor, fabriquem-no já. Estou farto de esperar."
       Hoje, a julgar pelo trio que me visitou esta manhã com um esgar de extâse nas suas caras de professores, a coisa aconteceu. "Deus nasceu", gritaram, "vimo-lo nós mesmos. O Mundo está salvo. Nada mais importa."
       Não é necessário ser grande psicólogo para perceber que se este boato não é rapidamente abafado, infectará o Imp, em que os convidados terão todos vinte anos. ério todo em poucos dias e nesse caso não é preciso ser profeta para adivinhar as consequências. 
       A Razão será substituída pela Revelação. Em vez de Lei Racional, verdades objectivas e inteligíveis para todos os que se submetem à necessária disciplina intelectual, e iguais para todos, a Ciênciadegenerará num tumulto de visões-sentimentos subjectivos induzidos no plexo solar pela subnutrição, imagens angélicas geradas pela febre ou por drogas, sonhos premonitórios inspirados pelo ruído das cascatas. Cosmogonias inteiras serão criadas a partir de qulquer ressentimento pessoal esquecível, épicas inteiras escritas em línguas laicas, as borradelas das crianças da escola classificadas acima das maiores obras-primas.
      O Idealismo será substituído pelo Materialismo. Príapo terá apenas que escolher uma boa morada e crismar-se Eros para se tornar o ídolo das mulheres de meia idade. A vida depois da morte será uma festa eterna, em que os convidados terão todos vinte anos.  A necessidade que as Massas materialistas têm de um ídolo para adorar, desviada do seu escape normal e integral em patriotismo e orgulho cívico ou familiar, será conduzida para canais inteiramente associais, que nenhuma educação poderá atingir.  Serão prestadas honras divinas a bules de prata, pequenos buracos na terra, nomes em mapas, animais domésticos, moinhos arruinados e em casos extremos, que se tornarão cada vez mais comuns, às cefaleias, aos tumores malignos ou às quatro da tarde.
       A Justiça será substituída pela Piedade como virtude humana cardeal e todo o medo de punição desaparecerá. Qualquer maltrapilho se regozijará: "Sou um pecador tal que Deus teve de descer em pessoa para me salvar. Devo ser um tipo do caraças." Todo o patife argumentará: "Eu gosto de cometer crimes, Deus gosta de os perdoar. Na verdade, o mundo está admiravelmente construído". E a ambição de qualquer jovem chui será assegurar um arrependimento à hora da morte. A Nova Aristocracia consistirá, em exclusivo, de eremitas, vagabundos e inválidos permanentes. O Diamante Áspero, a Prostituta Tísica, o bandido que é bom para a mãe, a rapariga epiléptica que tem jeito para os animais, serão os heróis e heroínas da Nova Tragédia, quando o general, o estadista e o filósofo se tiverem tornado alvo de todas as farsas e sátiras. 
       Naturalmente não se pode permitir que isto aconteça. A civilização deve ser salva, mesmo que isso signifique recorrer ao exército, como me parece necessário. Que bizarro. Porque será que em último caso a civilização tem sempre de recorrer a estes higienizadores profissionais, aos quais é indiferente que lhes mandem exterminar Pitágoras ou um homicida lunático? Por que diabo não poderia o estafermo da criança nascer em qualquer outro lado? Porque não são as pessoas sensíveis? Não queria ser desagradável. Porque não conseguirão ver que a noção de um Deus finito é absurda? Porque é. E suponhamos, só para fins de discussão, quje não o é, que esta história é verdadeira, que esta criança é, de uma forma inexplicável, Deus e Homem ao mesmo tempo, que cresce,  vive e morre sem cometer um único pecado? Isso tornaria a vida melhor? Pelo contrário, torná-la-ia muito, muito pior. Pois só poderia significar isto; tendo-lhes mostrado ser possível, Deus esperaria que todo o homem, qualquer que fosse a sua fortuna, seguisse uma vida sem pecado à face da terra. Então sim, a raça humana seria mergulhada na loucura e no desespero. E para mim, nesse momento, tal significaria que Deus me teria dado o poder de O destruir. Recuso-me a participar. Ele não podia pregar tal partida. Porque me desprezaria tanto? Tenho trabalhado como um escravo. Perguntem a quem quiserem. Leio todos os despachos oficiais de uma ponta à outra. Tive lições de dicção. Quase nunca aceitei subornos. Como ousa Ele confiar-me a decisão? Tentei ser bom. Lavei os dentes todas as noites. Não tive relações sexuais durante um mês. Protesto. Sou um liberal. Quero que todos sejam felizes. Desejaria nunca ter nascido. 
       

quinta-feira, 2 de junho de 2022

 LUCIANO ERBA

SE È TUTTO QUI…

Turbano la mia limpida fede
cattolica apostolica e che più
non tanto il corso dei tempi
il tradimento dei nuovi chiericchi, i magnifici scandali
mi restano in mano altri pezzi del puzzle
ad esempio il povero vitello grasso
che sarà l’unico ad andare di mezzo
quando il figliolo prodigo si deciderà a rittornare.
Chiaro che non ho capito niente
che dovrò ancora pebsarci un po’ su.
                    xxxxxxxxxxxx


SE ISTO É TUDO…

Turvam a minha límpida fé
católica apostólica e que mais
não tanto o curso dos tempos
a traição dos novos clérigos, os magníficos escândalos
ainda tenho em mão outras peças do puzzle
por exemplo o pobre vitelo gordo
que será o único a desandar
quando o filho pródigo se decidir a voltar.
Claro que não percebi nada
que tenho ainda que pensar um pouco nisso. 

quarta-feira, 1 de junho de 2022

WALTER VON DER VOGELWEIDE


Ai! para onde fugiram os meus anos?
Sonhei a minha vida, ou foi verdade? 
O que acreditei que foi, existiu?
Não sei quanto tempo estive adormecido,
agora acordei e desconheço
tudo o que antes conhecia, como a própria mão.
As gentes e as terras onde me criei
parecem-me estranhos, como ilusão.
Aos meus companheiros vejo-os cansados e velhos;
o campo está diferente e o bosque mudado,
apenas a água corre onde corria antes.
Deveria, na verdade, dizer que é grande a desgraça.
Já não me saúda quem antes me conhecia.
O mundo está pejado de hostilidade.
Quando penso em alguns dias felizes,
que passaram por mim como bátega de água!
Cada vez mais, ai!

Ai! como é lamentável a atitude dos jovens!
Os poucos que sinceramente se arrependem,
têm motivo para preocupar-se. Por que agem assim?
Dei a volta ao mundo, ninguém está contente:
bailar, rir, cantar, acabam os cuidados.
Nunca se viu multidão que causasse tanta pena.
Reparem nos penteados das damas;
os cavaleiros usam, orgulhosos, trajes de vilão;
chegam aqui cartas inquietantes de Roma,
que permitem os lamentos e roubam a alegria.
Isso perturba-me o coração (sem cuidado vivíamos),
e tenho de trocar o riso pelo pranto.
Às aves silvestres a nossa tristeza aflige,
qual pode ser o espanto, se desespero?
Que digo, insano, inspirado pela cólera?
Quem segue a alegria aqui, irá perdê-la no céu.
Cada vez mais, ai!

Ai! como nos enganaram com prendas vistosas!
Vejo flutuar amargura em leite de mel.
Por fora o mundo é belo, branco, verde e vermelho
e por dentro a cor é negra, escura como a morte.
Quando, por fim, tenha alcançado consolo,
terá sido por débeis remédios contra grandes calamidades
Pensai bem nisto, cavaleiros, que vos concerne:
levias elmos reluzentes; alguns cotas firmes;
e todos fortes escudos e espadas benzidas.
Quisera Deus que o meu valor fosse vitorioso!
Assim quereria servir ao home necessitado
e não me refiro à terra, nem ao ouro dos senhores,
que eu preferiria louvar coroa eterna,
que o mesnadeiro gostaria de lograr com forte lança.
Quereria fazer expedições pelo mar
e cantar então "Afortunado" e nunca mais "Desgraçado",
nunca mais, Ai!






  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...