segunda-feira, 30 de maio de 2022

 DURS GRÜNBEIN

5.

Desde a zoeira atulhada dos primeiros anos,
Conduzido para o gelo negro da objectividade tímida,
Ficas rigído no zero com um excesso de significantes.
O estrondo de promessas vazias,
Aspirando palavras, gestos, expressões.
Os sonhos aparatosos embranquecem na lavandaria
Com barrela química, estampados com um disparate ou outro.
A Resistência do fim do século refugia-se
Ostensivamente no cérebro.
A única coisa que te aguenta, pacóvio, é a risada
Devida a um animal preso nos seus afazeres.
É a única coisa que poderias tomar a sério.
Se me perguntam em que pensei dia e noite
Tenho por vezes a presença de espírito para responder: "Nada."

domingo, 29 de maio de 2022

 ANITE

Também tu morreste, há muito,
em bosque de raízes emaranhadas,
cadela lócria, a mais veloz das cachorras,
feliz com a língua de fora: uma víbora de
garganta malhada enroscou-se nos teus
membros e instilou um veneno corrosivo.


                  xxxxxxxxxx


Nunca mais, de madrugada,
irás acordar-me, a bater
asas ruidosas: enquanto
dormias, a raposa cravou
as garras na tua garganta.


               xxxxxxxxxxx


Eis o bode cornudo de Dionisos,
que orgulho na sua face hirsuta.
Nas montanhas, uma Náiade acariciou
o seu rosto peludo com mão rósea
- isso envaideceu-o.


              xxxxxxxxxxx

Enquanto vivo, Manes foi um escravo.
Morto, vale tanto como Dario, o Grande.

sábado, 28 de maio de 2022

 LI SHANG-YIN

EXÍLIO

Um dia de primavera no fim do mundo.
No fim do mundo, de novo o dia passa.
O melro chora, como se fossem as suas lágrimas
Que molham os ramos cimeiros das árvores.




sexta-feira, 27 de maio de 2022

 CHARLES SIMIC

THE MESSAGE IS CONFINED TO THE SPECIES

Magnificent evening,
I locate myself in midair
Doing a triple somersault
Without a safety net.

My naked wife (she's worth
Her weight in gold) flies
Fired from a cannon,
Still knitting and humming to herself.

On a tightrope dangerously frayed,
Our beautiful daughter
Christina sleepwalks
Clutching her kwepie doll.

Down below, her beau,
Antonio, the knife-thrower
Who aims at himself,
Outlines his classic profile.

Friends, countrymen,
By and by the magician
Will throw us all back
Into his black hat.

The world sits breathless.


         xxxxxxxxx


A MENSAGEM ESTÁ CONFINADA À ESPÉCIE

Sarau magnífico.
Eu situo-me em pleno voo
Num triplo salto mortal
Sem rede de segurança.

A minha mulher nua (vale
O seu peso em ouro) voa
Disparada de um canhão
Ainda tricotando e falando sozinha.

Num arame perigosamente gasto,
A nossa bela filha
Christina caminha sonâmbula
Agarrada à sua boneca de pano.

Em baixo, o seu noivo,
Antonio, o lançador de facas
Que aponta a si próprio,
Desenha o seu perfil clássico.

Amigos, conterrâneos,
Uma vez e outra o mágico
Lançar-nos-á de volta
Para o se chapéu negro.

O mundo senta-se de respiração cortada.

quinta-feira, 26 de maio de 2022

RUSSELL EDSON

 A PERFORMANCE AT HOG THEATRE

    There was once a hog theatre where hogs performed as men,
had men been hogs.

    One hog said, I will be a hog in a field which has found a
mouse which is being eaten by the same hog which is in the field
and which has found the mouse, which I am performing as my
contribution to the performer's art.

    Oh let's just be hogs, cried an old hog.

    And so the hogs streamed out of the theatre crying, only 
hogs, only hogs...


                          xxxxxxxxxxxxxxxx


UMA REPRESENTAÇÃO NO TEATRO DOS PORCOS

    Era uma vez um teatro de porcos onde porcos representavam
como homens, se os homens fossem porcos.

    Um porco disse, eu serei um porco num campo que encontrou
um rato que está a ser  comido pelo mesmo porco que está no campo e o qual encontrou o rato, o que estou a representar como a minha contribuição para a arte de representar.

    Oh, sejamos apenas porcos, gritou um porco velho.

    E logo os porcos saíram em tropel para fora do teatro gritando, só porcos, só porcos...

quarta-feira, 25 de maio de 2022

 AUGUST KLEINZAHLER


THE FESTIVAL


A B-52 bomber from out near Sacramento
is up there somewhere
with a forlorn pilot or loose bolt
ready to plunge 
through what the weatherman likes to call
low coastal cloud or the marine layer.

Keep watching.
Here below, the bandleader calls out,
- Are we having a good time?

You bet.
              Her shoulder's 
silk.
Let's have a lick. Yum,
salt's what make atoms meet.

Meet too
this little parade of hydrocephalics
the Foundation loves
to trot out for one last stab
at a dance in the sun.

Sure we've got rituals,
trusty as the gears and cogs of ancient clocks,
the innards all exposed
and turning.


        xxxxxxxxxxxxx


O FESTIVAL

Um bombardeiro B-52 das bandas de Sacramento
está a voar algures
com um piloto perdido ou um parafuso solto
pronto a mergulhar
através do que o metereologista gosta de chamar
nuvem costeira baixa ou camada marítima.

Continuem a observar.
Aqui em baixo, o chefe da banda pergunta,
- Estamos a divertir-nos?

Sem dúvida.
                     O ombro dela
é seda.
Vamos lambê-lo. Yum,
o sal é que ajuda os átomos a encontrarem-se.

Encontremos também
esta pequena parada de hidrocefálicos
que a Fundação gosta
de exibir para um último golpe 
de dança ao sol.

Por certo temos rituais,
fiáveis como rodas dentadas e engrenagens de relógios antigos,
as entranhas totalmente expostas
e girando.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

 ALEKSANDAR RISTOVIC


ESTUDANTES BIZARROS

O zumbido no quarto ao lado
deve provir de insectos minúsculos
que passaram, recentemente, a residir ali.
Por enquanto, estão invisíveis.

À noite, quando os ouço,
tenho a impressão que estão a decorar
em coro um assunto específico,
muito provavelmente algo relacionado com Botânica.

De vez em quando, param de repente,
como para ouvir o professor falar:
a sua severidade, que eles acham tão assustadora,
revestida de silêncio.

Quando recomeçam é numa nota mais alta,
como se agora competissem entre eles.
Começo a reconhecer alguns grupos
e, entre eles, alguns indivíduos dotados.

E, sem dúvida, alguns idiotas chapados, também.


domingo, 22 de maio de 2022

 FERNANDO ORTIZ

EPÍSTOLA A EMILIO

                                  Y aprenda el hombre la verdad del hombre

                                                   GABRIEL GARCÍA Y TASSARA

  ¿Tú recuerdas, Emilio, cuando un día
me invitaste a escribirte en nobles versos
para hacerte llegar noticia mía?

  No ignoras desde entonces los adversos
sucesos que ocuparan mis mañanas,
tardes y noches y los más diversos

momentos de mi vida. Así, sin ganas
un tiempo estuvo de empuñar la pluma
ni de otras cosas que pensaba vanas.

  Envuelto me encontré en un mar de bruma
y desdeñe lo que me alimentaba
y de la realidad tomé la espuma.

  Pero ya para mí sonó la aldaba
que me impulsa a ponerme en movimiento
hacia mí mismo, rota cualquiera traba.

  Y esa aldaba sonó desde el momento
en el que comprendí que a mi enemigo
peor, yo mismo daba el alimento.

  Qué decirte, si tú fuiste testigo
de cómo, contra mí mismo revuelto,
era incapaz de razonar conmigo.

  No sé se mis asuntos se han resuelto
de una vez para siempre. Es eso extraño.
Mas sí que ando más ligero y suelto.

  Quizá el temor sea origen de mi daño;
el alcohol, la mujer... fueron confusas
maneras varias de llamarme a engaño.

  Hay más de mil, y todas son ilusas,
para huir de saber el proprio nombre.
Algo, Emilio, que nunca admite excusas:
que aprenda el hombre la verdad del hombre.


              xxxxxxxxxxxxxxxx


EPÍSTOLA A EMILIO

                             E aprenda o homem a verdade do homem
                                                GABRIEL GARCÍA Y TASSARA

  Tu recordas, Emilio, quando um dia
me convidaste a escrever-te em nobres versos
para fazer chegar-te notícias minhas?

  Não ignotras, desde então, os adversos
sucessos que ocuparam as minhas manhãs,
tardes e noites e os mais diversos

  momentos da minha vida. Assim, sem vontade,
um tempo estive sem empunhar a pena,
nem outras coisas que pensava vãs.
  
  Envolto me encontrei num mar de bruma
e desdenhei o que me alimentava
e da realidade colhi a espuma.

  Mas para mim já soou a aldabra
que me impulsa a pôr-me em movimento
em direcção a mim mesmo, rompido qualquer estorvo.

  E essa aldabra soou desde o momento
em que compreendi que ao meu pior
inimigo eu mesmo dava alimento.

  Que dizer-te, se tu foste testemunha
de como, com mim mesmo revoltado,
era incapaz de argumentar comigo.

  Não sei se os meus assuntos se resolveram
de uma vez para sempre. Isso é estranho.
Mas é certo que ando mais ligeiro e solto.

  Talvez o temor seja a origem do meu dano;
o álcool, a mulher... foram confusas 
maneiras várias de de me chamar ao engano.

  Há mais de mil e todas são ilusas,
para fugir de saber o próprio nome.
Algo, Emilio, que nunca admite escusas:
que aprenda o homem a verdade do homem.

sexta-feira, 20 de maio de 2022

 D. J. ENRIGHT

SINCE THEN

So many new crimes since then! -

  simple simony
  manducation of corpses
  infringement of copyright
  offences against the sumptuary laws
  postlapsarian undress
  violation of the Hay-Pauncefote Treaty
  extinction of the dodo
  champerty and malversation
  travelling by public transport without a ticket
  hypergamy and other unnatural practices
  courting in bed
  free verse
  wilful longevity
  dumb insolence
  bootlegging and hijacking
  jackbooting and highlegging
  arsenic and old lace
  robbing a hen-roost
  leaving unattended bombs in unauthorized places
  nigh dudgeon
  the cod war
  massacre of innocents
  bed-wetting
  escapism
  transporting bibles without a licence

But so many new punishments, too! -

  blinding with science
  death by haranguing
  licking of envelopes
  palpation of the obvious
  invasion of the privacies
  fistula in ano
  hard labour down the minds
  solitary conjunction
  mortification of the self-esteem
  the Plastic Maiden
  hat-rack and trouser-press
  the death of a thousand budgerigars
  spontaneous combustion
  self-employment
  retooling of the economy
  jacks in orifice
  boredom of the genitals
  trampling by white elephants
  deprivation of forgetfulness
  loss of pen-finger
  severance pay
  strap-hanging
  early closing
  sequestration of the funny-bone
  mortgage and deadlock

'Fair do's,' murmured the old Adam. 'I am well pleased.'
He had come a long way since he named the animals.


              xxxxxxxxxxxxxxx


DESDE ENTÃO

Tantos novos crimes desde então! -

  Simonia simples
  manducação da cadáveres
  infrigimento de direitos de autor
  ofensas contra as leis sumptuárias
  desnudez pós-lapsariana
  violação do tratado de Hay-Pauncefote
  extinção do dódó
  má fé e malversação
  viajar em transporte público sem bilhete
  hipergamia e outras práticas desnaturadas
  cortejar na cama
  verso livre
  longevidade obstinada
  insolência estúpida
  contrabando e sequestro
  autoritarismo e meia-calça
  arsénico e renda velha
  roubar um galinheiro
  deixar bombas não vigiadas em locais não autorizados
  ressentimento
  a guerra do bacalhau
  a matança dos inocentes
  mijar na cama
  escapismo
  transportar bíblias sem licença

Mas tantos novos castigos, também! -

  cegar com ciência
  morte por arengar
  lamber envelopes
  palpação do óbvio
  invasão da privacidade
  fístula in ano
  trabalhos forçados nas mentes
  conjunção solitária
  multiplicação da auto-estima
  a Donzela de Plástico
  cabide para chapéus e engomador de calças
  a morte de um milhar de periquitos
  combustão espontânea
  auto-emprego
  re-equipamento da economia
  valetes em orifício
  tédio dos genitais
  atropelamento por elefantes brancos
  deprivação do esquecimento
  perda do dedo da caneta
  indemnização por despedimento
  viajar de pé
  encerramento precoce
  sequestração do cubital
  hipoteca e bloqueio

'Bem feito', murmurou o velho Adão. 'Estou bem satisfeito.'
Percorrera já um longo caminho desde que crismou os animais.

quarta-feira, 18 de maio de 2022

 MIROSLAV HOLUB

A FILOSOFIA DO OUTONO

Os raios tardios de sol
com dedos suaves tocam as folhas amarelas
no exterior. Reflectidos na janela estão
um livro e uma silhueta e uma
silhueta, um halo de cabelo louro;
este ano estamos
permeados de história 
como teia de aranha pela luz.

Pergunto-me se a presente
escassez de génios
não poderá ser causada pelo desaparecimento
do estádio terciário da sífilis.

Uma espécie de aranha celestial
ergue-se sobre ti, sobre mim
e sobre a aspirina.

segunda-feira, 16 de maio de 2022

AURORA LUQUE

 
MAR DE ARGÓNIDA

"No estuve nunca allí, dijiste,
nunca regresaré de aquella Atlántida".
O estuve desde siempre. Navegarte más tarde
fue la duplicación de una existencia
jubilosa y absorta, previvida,
no sé qué transfusión
de salmo, sueño, sangre de aventura,
de olores subsumidos, deseos encriptados
en no sé qué vehículos del cuerpo.
Los mitos nos enseñan, Medusa, a habitar mares.
Tengo una casa, pero tengo los mares
cuando amo los mitos.
El cieno murmurante bajo el cauce, armazones de redes
clandestinas, diálogos de aves
puras e incandescentes, las arenas absueltas,
libres de ortografías y echadas a volar,
a nadar onduladas como carne de ninfas.
                                                  Oh, sí, que vivas siguen
las diosas de las águas. Todas las extensiones del misterio
la prodigan los vientos oceánicos
o esa cuna de sombras y abismo que se mece
en cada ola cobalto de la tarde.
Las fábulas fascinan porque eligen un barco,
zarpan de puertos viejos, merodean marismas,
escuchan gritos hondos, roban música al mar.
Los limbos de los monstruos,
las cabezas de múltiples Orfeos,
la memoria errabunda de los náufragos,
las criaturas azules nunca vistas,
la locura del hombre mitad isla perdida:
fruta extraña del mar, droga insondable.

- Medusa, qué corales nacieron de la sangre
de tu pelo reptil, de la cólera roja de saberte
moribunda y vencida. Medusa, es hora ya
de anular tu mirada de piedra, tus serpientes.
Desencriptar la fábula que hundieron en el fondo,
robar contigo música del mar.
Y aquí, después del canto,
que la mar nos archive en su destino.    


                 xxxxxxxxxxxxxxxxx


MAR DE ARGÓNIDA

"Não estive nunca ali, disseste,
nunca regressei daquela Atlântida!.
Ou estive desde sempre. Navegar-te mais tarde
foi a duplicação de ume existência
jubilosa e absorta, pré-vivida,
não sei que transfusão de 
salmo, sonho, sangue de aventura,
de odores subsumidos, desejos cifrados

em não sei que veículos do corpo.
Os mitos ensinam-nos, Medusa, a habitar mares.
Tenho uma casa, mas tenho os mares
quando amo os mitos.
O lodo murmurante debaixo do leito, armações de redes
clandestinas, diálogos de aves
puras e incandescentes, as areias absolvidas,
livres de ortografias e lançadas a voar,
a nadar onduladas como carne de ninfas.
                                                                 Oh, sim que vivas seguem
as deusas das águas. Todas as tensões do mistério
lhas proporcionam os ventos oceânicos,
ou esse berço de sombras e abismo que se baloiça
em cada onda cobalto da tarde.
As fábulas fascinam porque elegem um barco, 
zarpam de portos velhos, rondam marismas,
escutam gritos fundos, roubam música ao mar.
Os limbos dos monstros,
as cabeças de múltiplos Orfeus,
a memória errabunda dos náufragos,
as criaturas azuis nunca vistas, 
a loucura do homem metade ilha perdida:
frura estranha do mar, droga insondável.

- Medusa, que corais nasceram do sangue
do teu cabelo réptil, da cólera vermelha de saber-te
moribunda e vencida. Medusa, já é hora
de anular o teu olhar de pedra, as tuas serpentes.
Decifrar a fábula que enterraram no fundo,
roubar contigo música do mar.
E aqui, depois do canto,
que o mar nos arquive no seu destino.
     


sábado, 14 de maio de 2022

PABLO GARCÍA CASADO

EL BUEN SAMARITANO

Como una pretty woman pero sin cuento de hadas. Sin
más Richard Gere que esos hombres que pasan, pre-
guntan precio y luego siguen hacia casas de papa her-
vida, bata sucia, niños disparando. A veces quisiera parar,
llevarla a casa, calentar un poco de caldo y dárselo a beber
como a mi hija. Acostarla en su cuarto de muñecas. Otros
días me detengo, abro la porta del coche y digo, ven,
aquí, ahora.


                     xxxxxxxxxxxxxxxxx


O BOM SAMARITANO


Como uma pretty woman, mas sem conto de fadas. Sem
mais Richard Gere que esses homens que passam, per-
guntam o preço e logo seguem para casas de papa fer-
vida, bata suja, crianças disparando. Às vezes quisera parar,
levá-la para casa, aquecer um pouco de caldo e dar-lho a beber
como à minha filha. Deitá-la no se quarto de bonecas. Outros
dias paro, abro a porta do carro e digo, vem,
aqui, agora.


 

sexta-feira, 13 de maio de 2022

 JULIO MARTÍNEZ MESANZA

PARA QUE NO SE PIERDA NADA

                                a Enrique Andrés Ruiz

Para que no se pierda nada, pese
al orgullo del frío, pese al frío,
del orgullo, después de andar a tientas
por el valle del tiempo, entre las zarzas
del tiempo; para que salve incluso
lo que no quiere ver nuestra pereza
y, con ello, el desdén; lo muy pequeño
y el desafio enorme de las torres;
para que no se pierda nada nuestro,
ni siquiera el error de lo evidente.


                   xxxxxxxxxxx


PARA QUE NÃO SE PERCA NADA

                                      Para Enrique Andrés Ruiz

Para que não se perca nada, pese
o orgulho do frio , pese o frio
do orgulho, depois de andar aos baldões
pelo vale do tempo, entre as sarças
do tempo; para que se salve incluso
o que não quer ver a nossa preguiça
e, com isso, o desdém; o muito pequeno
e o desafio enorme das torres;
para que não se perca nada nosso,
nem sequer o erro do evidente.

quinta-feira, 12 de maio de 2022

 LUIS ALBERTO DE CUENCA

GUARDIANES DE FRONTERA

Que no vienen los bárbaros.
Que viven aqui dentro,
en esta herida abierta
que es el cerebro humano.
De modo que dejad 
de alardear, fogosos
corceles. Envainad,
heróes, vuestras espadas.
Los bárbaros existen
tan sólo en nuestras mentes,
y en ellas desarrollan
todas sus perversiones.
Son revolucionarios
que inauguran la Historia
cada día: patíbulos,
guillotinas, denuncias
anónimas, matanzas,
fusilamientos... Son
mensajeros del orden
y la verdad (¿a qué
orden y a qué verdad
se estarán referiendo?),
y en nombre de ese orden
y esa verdad instalan
el terror en el mundo.
Y no somos capaces
de dejar de inventarlos.
Seguimos, seguiremos
proyectando sus sombras
desde el fondo del alma.
Porque leyes y normas,
y principios que deben
defenderse, y fronteras
sagradas, y mujeres
y niños que salvar,
y civilizaciones
que corren el peligro
de extinguirse, no son
más que la cara amable
de una misma moneda
que tiene en el reverso
la serpiente del caos
y el veneno del odio.
Andamos por la vida
presumiendo de dioses
y en el fondo no somos
más que pobres, crueles
y estúpidos diablos.


         xxxxxxx


GUARDAS DE FRONTEIRA

Que não vêm os bárbaros.
Que vivem aqui dentro,
nesta ferida aberta
que é o cérebro humano.
De modo que deixai
de desfilar, fogosos
corcéis. Embainhai,
heróis, as vossas espadas.
Os bárbaros existem
apenas nas vossas mentes, 
e nelas desnvolvem
todas as suas perversões.
São revolucionários
que inauguram a História
a cada dia: patíbulos,
guilhotinas, denúncias
anónimas, matanças,
fusilamentos... São
mensageiros da ordem
e da verdade (a que
ordem e a que verdade
se estarâo referindo?)
e em nome dessa ordem
e dessa verdade instalam
o terror no mundo.
E não somos capazes
de deixar de inventá-los.
Seguimos, seguiremos
projectando as suas sombras
desde o fundo da alma.
Porque leis e normas
e princípios que devem 
defender-se e fronteiras 
sagradas e mulheres
e crianças para salvar
e civilizações
que correm o perigo
de extinguir-se não são
mais que a cara amável
de uma mesma moeda
que tem no reverso
a serpente do caos
e o veneno do ódio.
Andamos pela vida
presumindo de deuses
e no fundo não somos
mais que pobres, cruéis
e estúpidos diabos.

quarta-feira, 11 de maio de 2022

 JON JUARISTI

PÓNTICA

Al otro pertenecen
Las escenas que guarda tu memoria:
Imágenes confusas
Que el óxido del tiempo deteriora.

 Otro es el que las sueña
Desde un ayer de rabia silenciosa.

Muere con ellas una lengua exangüe
Y una causa llamada a la derrota.

Y tú envejeces lejos,
En el destierro de la terra toda,
Entre voces ajenas
Y soledades próximas,
Perdiendo cada día y rescatando
Los colores, las líneas y las formas
De un mundo ajeno que creíste tuyo
Y alzando en torno de su ausencia torva
Gastados laberintos de palabras,
Una mansión decrépita y angosta,
Una torre, un brocal, quizá una vida.

Del otro son los sueños que custodias.


                  xxxxxxxxxxxxx


PÔNTICA

Ao outro pertencem
As cenas que guarda a tua memória:
Imagens confusas 
Que o óxido do gtgempo deteriora.

Outro é que as sonha
Desde um ontem de raiva silenciosa.

Morre com elas uma língua exangue
E uma causa convocada à derrota.

E tu envelheces longe,
No desterro da terra toda,
Entre vozes alheias
E solidões próximas,
Perdendo cada dia e resgatando
As cores, as linhas e as formas
De um mundo alheio que creste teu
E erguendo em torno da sua ausência turva
Gastos labirintos de palavras,
Uma mansão decrépita e estreita,
Uma torre, um bocal, talvez uma vida.

Do outro são os sonhos que custodias. 

segunda-feira, 9 de maio de 2022

 WELDON KEES

JANUARY

Morning: blue, cold, and still.
Eyes that have stared too long
Stare at the wedge of light
At the end of the frozen room
Where snow in a windowsill,
Packed and cold as a life,
Winters the sense of wrong
And emptiness and loss
That is my awakening,
A lifetime drains away
Down a path of frost;
My face in the looking-glass
Turns away from the light
Toward fragments of the past
That break with the end of sleep.
This wakening, this breath
No longer real, this deep
Darkness where we toss,
Cover a life at the last,
Sleep is too short a death.


        xxxxxxxxxx


JANEIRO

Manhã: azul, fria e estática.
Olhos que olharam demasiado
Olham para o limiar da luz
No fundo do quarto gelado
Onde neva num parapeito,
Densa e fria como uma vida,
Hiberna a sensação de erro
E vazio e perda
que é o meu despertar.
Uma vida escoa-se
Por uma vereda de gelo;
A minha cara no espelho
Afasta-se de novo da luz
Para fragmentos do passado
Que se rompem com o fim do sono.
Este despertar, esta respiração
Já  irreal, esta escuridão
Funda onde nos agitamos,
Pelo menos resguardam uma vida.
O sono é uma morte muito curta.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...