quinta-feira, 27 de abril de 2023

LUCIANO ERBA


CAPODANNO A MILANO


Si credeva a Milano che a vedere
per prima un uomo sulla soglia di casa
andando a messa il primo di gennaio
fosse segno di prospero futuro.
Erano figure nere di pastrani
incerte nella nebbia del mattino
sciarpe bianche, cappeli, flosci e duri
rintocchi di bastone, passi lontani.
Or dove siete, uomini augurali?
L’onda lunga del vostro pressagio
si frange ancora alla riva degli anni?
Dentro una nebbia tra noi sempre fitta
mi sembra tavolta intravedere
un volo di profetici mantelli.


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FIM DE ANO EM MILÃO


Acreditava-se em Milão que se o primeiro
a ver-se fosse um homem na soleira da casa
indo à missa no primeiro de janeiro
seria sinal de um futuro próspero.
Eram figuras negras de capote
incertas na névoa da manhã
cachecóis brancos, chapéus, moles e duros
pancadas de bengala, passos longínquos.
Onde estais agora homens augurais?
A onda longa do vosso presságio
quebra-se ainda na praia dos anos ?
Numa névoa entre nós sempre mais densa
parece-me entrever de vez em quando
um voo de capas proféticas. 

terça-feira, 25 de abril de 2023

 DURS GRÜNBEIN


CINZAS PARA O PEQUENO-ALMOÇO

Treze Fantasias

E depois chega a parte divertida de morrer. Fortalecido
Para o dia de negócios, de quebra de contratos,
Afastas-te decididamente do espelho.
                                                             A cara com que vives,
Bem barbeada, que escarnece a lamúria do teu interior,
Está ao serviço da Administração que conduz as negociações.
Algures por trás da tua clavícula e da cintilação dos teus óculos
- A sua palidez fantasmática não te terá, por vezes, comovido?
Conhecem-se mutuamente. Sem uma bebida, é claro,
Tendes o cuidado de não estar próximos (e mesmo com,
Tentar evitá-los). Porque cara a cara com os rabiscos nas paredes,
Observando o escorrimento do amarelo na porcelana,
É outra vez o Outro, aquele cuja mente,
No momento de esvaziar, está invejavelmente preenchida com os        Clássicos.
"Todas as coisa fluem?" "Pára de escavar nos intestinos."
"Vive com prudência." "Conhce-te a ti mesmo."
E, menos Clássico, lembra-te de, a seguir, puxar o autoclismo.

quinta-feira, 20 de abril de 2023

 THEODORIDAS


Sou o túmulo de um náufrago. Prossigam;
quando me afundei outros barcos prosseguiram.


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TYMNES


Veio de Malta o cão branco,
fiel guardião de Eumelus.
Chamava-se Touro; agora, as veredas
silenciosas da noite não o deixam ladrar.


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Que o coração não te pese, Philaenis,
por não repousares na margem do Nilo,
mas jazeres em Eleutherne. De onde
se parta, a estrada para o Hades é a mesma.

quarta-feira, 19 de abril de 2023

 LI SHANG-YIN


RIO TORTUOSO

Tão longe o tempo pacífico em que passava o palanquim verde.
É estulto ouvir a canção de amor que um fantasma triste canta.
O carro dourado já não traz de volta a beleza que arruinava cidades
Aonde o muro de jade quebra ainda a ondulação do parque
... Moribundo recordou Hua-t'ing, ouviu o grito das cegonhas...
... Velho, temendo por uma casa real, chorou junto aos camelos de   bronze... 
O céu desolado e a terra em discórdia, mesmo a ferida do seu coração Destruído era mais leve que a dor da Primavera.

terça-feira, 18 de abril de 2023

 CHARLES SIMIC


A CENTURY OF gathering clouds. Ghost ships arriving and leaving. The sea deeper, vaster. The parrot in the bamboo cage spoke several languages. The captain in the daguerreotype has his cheeks painted red. He brought a half-naked girl from the tropics whom they kept chained in the attic even after his death. At night she makes sounds that could have been singing. The captain told of a race of men without mouths who subsisted only on scents of flowers. This made his wife and mother say a prayer for the salvation of all unbaptized souls. Once, however, we caught the captain taking off his beard. It was false! Under it he had another beard  equally absurd looking.
It was the age of busy widows' walks. The dead languages of love were still in use, but also much silence, much soundless screaming at the top of the lungs.  


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UM SÉCULO DE apanhar nuvens. Barcos-fantasma chegando e partindo. O mar mais fundo, mais vasto. O papagaio na gaiola de bambu falava várias línguas, O capitão no daguerreótipo tinha as bochechas pintadas de vermelho. Ele trouxe uma rapariga seminua dos trópicos que mantinham presa no sobrado mesmo depois da morta dele. Â noite ela emitia sons que poderiam ser um cântico. O capitão falou de uma raça de homens sem boca que subsistiam apenas com o chejro das flores. O que fez com que a sua mulher e a sua mãe dissessem uma oração pela salvação de todas as almas não baptizadas, Uma vez, contudo, descobrimos o capitão a tlirar a sua barba. Era postiça. Por baixo tinha outra barba que parecia igualmente absurda.
 Era o tempo dos passeios de viúvas atarefadas. As línguas mortas do amor ainda se usavam, mas também muito silêncio, muita gritaria muda em altos berros.
                     

sábado, 15 de abril de 2023

RUSSEL EDSON


MAKING A MOVIE
     

    They're making a movie. But they've got it all wrong. The hero is supposed to be standing triumphantly on the deck of a ship, but instead  is standing on scaffold about to be hanged.
    The heroine is supposed to be embracing the hero on the deck of that same ship, but instead is being strapped down for an electric shock treatment.
    Crowds of peasants who long for democracy, and are supposed to be celebrating the death of a tyrant, are, in fact, carrying the same tyrant on their shoulders, declaring him the saviour of the people.
    The director doesn't know what's gone wrong. The producer is very upset.
    The stunt man keeps asking, now? as he flips and falls on his head.
    Meanwhile a herd of elephants stampedes through central casting; and fake flood waters are really flooding the set.
    The stunt man asks again, now? and flips and falls on his head.
    The director, scratching his head, says, perhaps the electric shock should be changed to insulin...?
    Are you sure? Asks the producer.
    No, but we might just as well try it... And, by the way, that stunt man's not very good, is he?


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    Estão a realizar um filme. Mas está tudo errado. Julgar-se-ia que o herói estaria triunfal no convés de um navio, mas, pelo contrário está num cadafalso à espera de ser enforcado.
    Julgar-se-ia que a heroína estaria a beijar o herói no convés desse mesmo navio, mas, pelo contrário, está a ser amarrada para um tratamento de electrochoques.
    Multidões de camponeses que anseiam por democracia e supostamente estariam a celebrar a morte de um tirano, estão, na realidade, a carregar esse mesmo tirano às costas, declarando- o o salvador do povo.
    O realizador não sabe onde está o erro. O produtor está muito abalado.
    O duplo pergunta repetidamente, agora? depois dã um salto e cai de cabeça.
    Entretanto uma manada de elefantes atropela o elenco principal; e inundações fictícias estão de facto a inundar o palco.
    O realizador, coçando a cabeça, diz, talvez os electrochoques pudessem ser substituídos por insulinsa...?
    Tem a certeza? pergunta o produtor.
    Não, mas mesmo assim podíamos tentar... E, já agora, esse duplo não é muito bom, pois não?


 




    



quarta-feira, 12 de abril de 2023

 AUGUST  KLEINZAHLER


FOLLAIN'S PARIS

I can remember first walking to the city
accompanied by rumors  buzzing in the hedgerows.
I made my way past big red villas,
a perfect decor for both the criminal and his victim.

Small children played under carts
while babies in the chestnut's shadows
slept and wet through the afternoon.
There is an abundant peace to be found here

in the blue, then gray and mauve eyes
of the voluptuous women cutting bread into an embossed tureen.

The path to La Courtille has been dug up by pickaxes
but the sky hasn't changed,
tinted by smoke rising from café-restaurants
and the apartments of the rich

with their Belle Epoque furniture,
popular once more what this latest crop of indolents
always chattering about foreign travel
and smoking Turkish cigarettes.
                                                    As for the foreign smoke,
it raises into the same old blue sky of the Middle Ages
the jongleurs and dream-brokers tried to climb.

 Literature and life are warming to each other.
At the Botanical Gardens a stiff breeze
arrives with early evening, shaking
the small signs with Latin names on them

that hang half-hidden amid clusters of plants.
What a beautiful night for a philosophical debate!  

A man follows the alleyways
back to his flat with its persistent odor
that somehow has survived all the women perfumed
with heliotrope. He inspects the place

until he comes upon his shaving mirror,
spotted with coagulated drops of blood.
He takes off his sweaty shirt
and dust settles in the tufts of his armpits.

Old images possess him
as he lounges on his bed with its peony-colored coverlet
turned down. Images of Flanders and Artois,
the country girl smiling at the miner

who fusses with his Davy lamp.
Images of the Midi and burning walls.

He hasn't forgotten his copies of  Salambô,
Les Ordelletes and Poèmes saturniens

stacked on the shelves.
But for now he is preoccupied

with a hole in his stock, and besides
the books are looking worn.

Later on you may encounter him
walking the pavement of the quai de l'Oise,
watching wrinkles form on the water's surface,
or across the street

moving against a backdrop of brown doors.
He takes a elbow in the ribs 
at a busy intersection, and when the north wind
has at him as well

he yearns for spinach and quail fat,
the dark juices of roasts and splendid silverware.

He passes a dilapidated bar with a sign
of a curiously tempered charm 
that cost the painter not a little care.
The museum nearby is closed

with its coughs and slow steps,
its canoes, its Aztec mummies and once-poisoned arrows.

While at the Emporium
the feverish shoplifter dips her ringed fingers

into the lingerie.

(with Deborah Treisman)


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O PARIS DE FOLLAIN

Lembro-me de caminhar pela primeira vez para a cidade
acompanhado de rumores zumbindo nas sebes.
Passei por grandes mansões vermelhas.
um cenário perfeito para o criminoso e a sua vítima.

Crianças pequenas brincavam debaixo de carrinhos,
enquanto bebés à sombra dos castanheiros
dormiam e urinavam durante a tarde.
Há uma paz abundante a econtrar-se aqui 

nos olhos azuis, logo cinzentos e malva
das mulheres vuluptuosas a cortar pão para terrinas embutidas.

O caminho para La Courtille foi escavado com picaretas,
mas o céu não mudou,
tingido por fumos saídos dos cafés-restaurante
e dos apartamentos dos ricos

com uma mobília Belle Epoque,
popular, de novo, com esta colheita mais recente de indolentes
sempre a palrear sobre viajens ao estrangeiro
e a fumar cigarros turcos.
                                         Quanto ao fumo da fábrica,
sobe para o mesmo céu azul da Idade Média
a que os malabaristas e os mediadores de sonhos tentam trepar.

A liretatura e a vida confortam-se mutuamente.
Nos Jardins Botânicos uma brisa rigída
chega ao fim da tarde, sacudindo 
as pequenas placas com nomes em latim,

penduradas meio escondidas entre conjuntos de plantas.
Que bela noite para um debate filosófico!

Um homem segue as veredas
de regresso ao seu apartamento com o odor persistente,
que acidentalmente sobreviveu a todas as mulheres perfumadas
com heliotrópio. Inspecciona o local,

até que chega ao seu espelho de barbear,
manchado por gotas de sangue coaguladas.
Despe a camisa suada
e o pó assenta nos pelos dos sovacos.

Velhas imagens possuem-no
quando se estende na cama com a sua cobertura cor de peónia
puxada para os pés. Imagens de Flandres e de Artois,
a camponesa que sorri para o mineiro

que a inquieta com a sua lâmpada de Davy.
Imagens do Midi e de paredes ardentes.

Não esquecem os seus exemplares de Salambô,
Les Odelletes Poèmes saturniens,

arrumados nas estantes.
Mas por agora está preocupado
com um buraco na meia e, além disso,
os livros parecem gastos.

Mais tarde poder-se-á encontrá-lo
caminhando no pavimento do quai de l'Oise,
observando as rugas que se formam na superfície da água,
ou do outro lado da rua,

a deslocarem-se contra um fundo de portas castanhas.
Apanha com um cotovelo nas costelas
num cruzamento concorrido e quando o vento norte
também o assalta

anseia por espinafres e gordura de codorniz,
os molhos escuros de assados e esplêndido talher de prata.

Passa por um bar delapidado com uma tabuleta
de um encanto curiosamente cuidad
que custou ao pintor não pouca preocupação.
O museu vizinho está fechado

com as suas tosses e degraus lentos,
as suas canoas, as múmias aztecas e stas antes venenosas.

Entrando no Emporium
a febril ladra de lojas mergulha os dedos com anéis

na lingerie.

(com Deborah Treisman)

terça-feira, 4 de abril de 2023

 ALEKSANDAR RISTOVIC


VIAGEM FUTURO-PASSADO

A mtnha avó e eu viajamos para um mosteiro,
numa carruagem rústica puxada por um cavalo branco.
A avó ainda é uma rapariga e eu tenho 59 anos.

No colo, a avó tem um cesto de lírios silvestres
e eu tenho uma moeda no bolso com a qual todos
  os carrascos de Cristo foram subornados.
(Morrerei em breve, mas esse não é o assunto do poema.)

A viagem conduz-nos de taberna em taberna e em breve
estamos tão toldados que mal conseguimos ver-nos um ao outro.
O cocheiro espia-nos e benze-se às escondidas.

No caminho para o nosso destino damos boleia
a um mendigo que é débil mental.
Toca uma harmónica e nada pede em troca.

A minha avó e eu viajamos para um mosteiro
entre árvores verdes e o ar cheirando aos lírios dela
e à chuva que bate nas nossas caras.

segunda-feira, 3 de abril de 2023

D. J. ENRIGHT


MIXED PROVERBS 

Outside the restaurant, garish but inside delicious no doubt,
A most famous of Guangzhou, if not of Canton as once,
Excited citizens are stringing up garlands or firecrackers.
What they are arguing about is beyond the visitor's knowing -
When he offers is lighter they absently wave it aside.
It must be a question of how best to arrange them, or whether
Such acts are utterly licit. The people fear the officials,
Thinks the foreign devil, who has heard of this local saying.
For what to tell what the party line currently is on fireworks,
Their potency and periodicity, their season and station?
He remembers is childhood, and a miserable sprinkling of them,
They didn't have money to burn, and the sense of dull guilt
When a rocket winked out or a Catherine wheel stopped dead.
Come on, he wants to cry, let's have them, a good half-hour
Of continuous din, driving out evil spirits (should any remain),
And damn the expense! But the bickering goes on, matches are 
Struck, then pinched out, fingers point upwards and downwards.

His official hosts, at the door, solicit him nervously, please to
Enter, the feast is afoot. The officials fear the foreign devils.
What the eye never saw, the heart never grieves over; he can't
Pretend he ever yearned for stewed turtle or sea cucumber.
But he thinks of the engine his father once bought for him,
And even a tender. Ang somehow a section of rail was wanting,
The circle incomplete: when they forced the pieces together
The engine keeled over. The open floor was the only place for it,
Unauthentic and pitiful, as it banged into chair-legs and feet.
No matter, he's off to Shanghai tomorrow. It's a big country,
It can't be short of railway track. Sometimes the years supply
Our childhood lacks. All things come to them that wait.
But he must make sure to seem small and humble, and kowtow
To the woman who keeps the key to the WC.
The foreign devils fear the people. Now the circle's perfect.


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PROVÉRBIOS MISTURADOS

Fora do restaurante, vistoso, mas no interior, sem dúvida, delicioso,
Um dos mais famosos de Guangzhou, já não de Cantão, como antes,
Cidadãos exaltados enfileiram grinaldas de petardos.
Acerca do que discutem está para além do conhecimento  do visitante -
Quando oferece o seu isqueiro eles, distraidamente, recusam.
Pode ser um problema de como melhor dispo-los, ou se
Tais actos são inteiramente ilícitos. O povo teme as autoridades,
Pensa o demónio estrangeiro, que ouviu este dito local.
Pois como saber qual é a linha actual do partido sobre petardos,
A sua potência e perediocidade, o seu calendário e disposição?
Recorda a sua infância e um miserável chuvisco deled,
Não tinham dinheiro para queimar e o sentimento de culpa abafado
Quando um foguete tremeluzia ou um fogo de artifício se apagava.
Vá lá, deseja gritar, vamos rebentá-los, uma boa meia-hora,
De estrépito contínuo, afastando os maus espíritos (se algum ainda      sobrevive)
E que se lixe a despesa! Mas as discussões prosseguem, são acesos
Fósforos, logo apagados, dedos apontam para cima e para baixo.

Os seus hospedeiros oficiais, à porta, solicitam, nervosamente que        entre,
Por favor a festa está em marcha. As autoridades temem os diabos        estrangeiros.
O que os olhos não viram o coração nunca sofreu; ele não pode
Fingir que nunca desejou tartaruga estufada ou pepino-do-mar.
Mas lembra a locomotiva que, uma vez o pai lhe comprou
E até um tênder. E, por acaso, uma parte dos carris faltava,
O círculo incompleto: quando forçaram a junção das peças
A locomotiva descarrilou. O comprimento do soalho era o único          sítio propício,
Inautêntico e lamentável, quando batia nas  pernas da cadeira e nos      pés.
Pouco importa, parte amanhã para Shangai. É um país enorme,
Não é escasso em carris de comboios. Por vezes, os anos fornecem
O que faltava na infância. Tudo chega aos que esperam.
Mas ele deve certificar-se que parece pequeno e humilde e fazer          vénia
À mulher que guarda a chave para o WC.
Os diabos estrangeiros temem o povo. Agora completa-se o círculo.

  FRANK O'HARA PISTACHIO TREE AT CHATEAU NOIR Beaucoup de musique classique et moderne Guillaume and not as one may imagine it sounds no...